Zolpidem: os riscos do remédio que se popularizou entre os jovens
Por: Haline Farias, jornalista
E-mail: haline.farias@muheresjornalistas.com
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, jornalista
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, jornalista
Uso e recomendação inadequados do fármaco gera preocupação entre os especialistas da medicina do sono
“Tomei um Zolpidem depois de muito tempo sem tomar e agora não consigo dormir, consigo apenas sentir os efeitos deste fármaco hipnótico.”
“Tomei o Zolpidem e o medo de ficar com celular na mão e fazer o que não devo.”
“Ideia de encontro: tomar zolpidem juntos para ver quem alucina mais e apaga primeiro.”
“Tomei um Zolpidem e comecei a pensar merda ainda meio acordado e achando que estava dormindo.”
Relatos sobre o uso do Zolpidem viralizaram nas redes sociais nos últimos meses, explicitando como o medicamento tem se mostrado algo popular, principalmente entre os jovens. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), calcula-se que, entre 2011 e 2018, a venda do medicamento cresceu 560% no país. Em 2020, foram comercializadas 8,73 milhões de caixas desse medicamento nas farmácias brasileiras.
O Zolpidem é um fármaco hipnótico, lançado no início dos anos 90, utilizado no tratamento de insônia aguda ou transitória, em casos em que há dificuldade para dormir ou manter o sono. O medicamento age sobre um receptor dos nossos neurônios e mexe com um químico cerebral conhecido pela sigla Gaba (ácido gama-aminobutírico). O processo de dormir naturalmente ocorre devagar, em que pouco a pouco o cérebro relaxa e se desconecta da realidade, até que chega o estado de sono. Com o Zolpidem, isso acontece de uma forma mais rápida e súbita.
A Dra. Sandra Doria, otorrinolaringologista com especialização em medicina do sono e pesquisadora no Instituto do Sono em São Paulo, explica que o efeito do Zolpidem não é maléfico, é um efeito de sonolência, mas que acaba, a longo prazo, dependendo do quanto que a pessoa ingere, levando à tolerância e à dependência. Por isso, é um medicamento indicado para pacientes por um curto período de tempo, que tem insônia por um fator desencadeante, algo pontual, como um óbito, um problema financeiro ou familiar, alguma situação que tenha mexido com seu emocional, por um prazo de 10 a 20 dias. “Não é indicado utilizar o Zolpidem como tratamento crônico contra insônia!”
Usado em quantidade e de forma inadequada, sem indicação de um médico, o remédio pode ocasionar efeitos colaterais como surtos, alucinações ou sonambulismo. “Em torno de 5% das pacientes que usam Zolpidem podem ter sonambulismo ou amnésia, mesmo usando a dose correta. Quando você abusa da dose, você tem ainda mais chance de ter realmente as alucinações, nas quais parece que você está dormindo, além da possibilidade de fazer ações que você não lembrará”, comenta Dra. Sandra.
Iramir Fernandes Reis, 53 anos, conta que tomou o Zolpidem pela primeira vez em 2019 por indicação médica e, no ano seguinte, fez o uso novamente. “Nos primeiros dias, eu sentia muito sono e dormia muito, hoje em dia sinto que já não funciona tão bem.” Ela comenta que a medicação tem causado muitas alucinações e sonambulismo. “[…] Se acontece algo durante a noite, após ter tomado o Zolpidem, eu não lembro no outro dia. Já abri portas ou levantei para comer e depois não lembrei, minhas filhas que me contam no dia seguinte.”
Apesar da maioria dos relatos serem engraçados ou despertar a curiosidade, e ser seguro e benéfico para muitos pacientes, é preciso entender que o Zolpidem é um medicamento que deve ser utilizado e recomendado adequadamente com responsabilidade.
A Dra. Sandra explica: “essa popularização é uma pena, porque você vai ter pessoas dependentes, achando que ela é uma medicação inócua, e não é. Também terão uma tolerância que fará com que o paciente até perca aquela capacidade nata de adormecer sozinho […] O Zolpidem é prescrito em um receituário que não é completamente controlado, então há um mercado ilegal da venda [..] Além disso, muitos médicos que não são especialistas em medicina do sono, muitas vezes, não estão cientes do quão grave é a dependência e tolerância que o fármaco pode dar, então acabam prescrevendo sem o devido conhecimento.”
Os pacientes que abusam do medicamento podem, além da dependência e tolerância, gerar uma dependência emocional, acreditando que só vão conseguir dormir se tomarem o Zolpidem, e também acabar sofrendo com problemas de memória, no raciocínio e na atenção. A melhor opção é, então, sempre buscar um especialista em medicina do sono e seguir à risca a prescrição médica.