Maternidade atípica: 86% das pessoas cuidadoras de crianças com TEA são as próprias mães
Por Stefani Pereira, Marília Cury e Letícia Carvalho
Em muitos casos, a falta de rede de apoio, o preconceito social e a desinformação são alguns dos desafios enfrentados por essas mães
O sonho de ser mãe é algo que acompanha muitas mulheres ao longo da vida. Entretanto, algumas pesquisas mostram que a romantização da maternidade é algo prejudicial para a saúde emocional dessas mulheres.
“É importante abrir discussões em que as mães possam trazer sua vivência e falar sobre a romantização materna, depressão pós-parto, puerpério, maternidade solo, atípica, entre tantos outros cenários”, menciona a psicanalista do Ipefem (Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas), Ana Tomazelli.
De acordo com a comunidade materna Portal Mommys, 49% das mães entrevistadas se sentem em um “limbo emocional” e 80% disseram estar “exaustas”, mesmo não tendo nenhuma doença mental ou física diagnosticada.
Maternidade solo, atípica e burnout materno
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 11 milhões de mulheres são mães solo e 64% delas estão abaixo da linha da pobreza. Para quem vive uma maternidade atípica, as responsabilidades podem ser ainda mais complicadas, pois os tratamentos contínuos dos filhos demandam mais tempo na vida dessas mães.
O estudo “Cuidando de quem cuida: um panorama sobre as famílias e o autismo no Brasil”, realizado pela Genial Care, a maior healthtech da América Latina especializada no cuidado e desenvolvimento de crianças com TEA (Transtorno do Espectro Autista), aponta que 86% das pessoas cuidadoras de crianças com TEA são as próprias mães, 70% não se sentem confortáveis quanto ao futuro e planejamento de longo prazo do seu filho.
Kelly Bia, médica, auditora e oftalmologista, mãe de 3 filhos, relata o momento em que descobriu o diagnóstico do filho. “Na descoberta, veio um misto de sentimentos, um pouco de sensação de ‘estar perdida’ e um pouco de alívio por poder ter o que procurar. Depois, fui buscando mais informações e pesquisando sobre o tratamento. Apesar de ser médica, é muito diferente viver a situação de ter uma criança com espectro autista. A minha vantagem é ter um conhecimento básico que ajuda a entender melhor todo o processo. Então, veio a certeza de que tudo vai dar certo pois estamos fazendo o que precisa ser feito.”
O termo “neurodivergente” se refere a quem tem um desenvolvimento ou funcionamento neurológico diferente, como as pessoas com TEA. “Cuidar de uma criança com deficiência é uma tarefa difícil, principalmente por causa da desinformação da sociedade. Além disso, muitas mulheres cuidam dos filhos sozinhas ou com pouco apoio, o que pode levar ao burnout materno e à depressão. Por isso, é preciso reforçar a importância da pessoa cuidadora ter uma rede de apoio”, alerta a Líder Clínica da Genial Care Academy, modelo próprio de capacitação do time terapêutico da Genial Care, Mariana Tonetto.
“A descoberta de que uma criança é neurodivergente causa muitas sensações diferentes nas famílias. Muitas, inclusive, definem o momento do diagnóstico de autismo como uma espécie de luto e um período de muitas inseguranças. Por isso, é importante buscar por informações confiáveis e ter sempre apoio de especialistas que vão trazer o melhor direcionamento para início das intervenções”, orienta a Líder Clínica da Genial Care Academy.
O burnout materno é o esgotamento emocional causado pelo estresse prolongado relacionado aos cuidados maternos, combinados com as múltiplas obrigações cotidianas. Alguns dos sintomas são sentimentos constantes de culpa, estresse relacionado à administração do tempo, exaustão mesmo após um período de repouso, sentimento de fracasso e impotência, irritabilidade sem motivo aparente, baixa autoestima, tristeza, medo e insegurança, entre outros.
“Na sociedade, o papel de cuidadora é muitas vezes imposto às mães, e são elas que acabam assumindo as consequências sociais e financeiras desses cuidados. Quando falamos de mães atípicas, essa realidade é ainda mais complicada, porque muitas precisam renunciar a muitas coisas no processo de cuidado com a criança, que demanda mais apoio em seu desenvolvimento, e esse é um dos motivos do burnout materno”, explica Mariana.
O estudo da Genial Care ainda mostra que o trabalho de cuidar pode justificar a ausência no trabalho formal. “Muitas pessoas perderam seus empregos no Brasil em 2020 e um dos grupos mais afetados foi o de mulheres mães. O ‘trabalho de criar’ foi ressaltado pela pandemia e passou a ser em tempo integral, ocupando o lugar antes dividido por um trabalho formal. Para aquelas que mantiveram seus empregos, a jornada continuou dupla ou tripla. Isso significa que, para todas, há sobrecarga e falta de tempo para descanso”, finaliza Tomazelli.