Por Ana Joulie, Psicóloga especializada em patologias graves, fundadora e diretora clínica da Rede Internacional de Acompanhamento Terapêutico (RIAT).

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Chefe de Reportagem: Juliana Monaco, jornalista

Editora Chefe: Letícia Fagundes, Jornalista

Considerando que este mês comemoramos o “Dia das Mães” no Brasil, não pude deixar de pensar nas mães que tiveram a perda de seus filhos. Parei e refleti sobre a vida atual delas. No meu consultório, no âmbito familiar, social, laboral, nas diversas mídias e redes sociais, está a necessidade de atenção a essas mulheres.

No início do mês, fomos surpreendidos com a perda do ator/comediante Paulo Gustavo, que marcou sua carreira com a personagem da Dona Herminia, por meio da qual interpretava sua própria mãe. Em véspera ao Dia das Mães, dona Deia, mãe do ator, ficou sem seu filho, e a frase “Quando uma mãe perde um filho, todas as mães perdem um pouco também” (P.G) da personagem ecoou e foi sentida por muitas mães, em todo o Brasil. Na mesma semana, cinco mães na cidade de Saudades (SC) também foram cruelmente surpreendidas com a morte inesperada de seus filhos e filhas menores de dois anos, vítimas de uma barbárie. Nesta semana, as mães do prefeito Bruno Covas e do funkeiro MC Kevin também perderam seus filhos e, assim como elas, milhares de outras mães estão devastadas, em processo de luto.

No momento da perda, a causa da morte se torna algo mínimo, quase que inexistente para quem sente a dor da partida de seu ente querido. Tais fatalidades nos fazem pensar e ter empatia com essas mães, que foram de maneira inusitada acometidas com a desordem da vida. Perder um filho é perder parte de si, perder perspectivas de futuro, já que, naturalmente, os pais projetam em seus filhos seus planos, sonhos e expectativas de vida. Perder um filho é colapsar, é entrar sem querer em processo de falência, é entender, forçadamente, que o ciclo vital foi alterado. Perder um filho não é fácil, é devastador.

As mães enlutadas passam a digerir algo amargo, intragável, uma inconformidade absurda, ficam sem chão, paredes e teto. Dá para imaginar como é a sensação? Um filho é um objeto de amor produzido, nutrido por uma grande carga de investimento libidinal. Por isso, as mães que perdem seus filhos sentem muita tristeza, angústia e pouca perspectiva de reconstruírem suas vidas.

Perder um filho é ter uma ferida aberta, que sangra, inflama, e demora a ser tratada, implica uma temporalidade particular, já que o processo emocional, psíquico, físico e social insiste em manter o evento da morte presente, como se fosse preciso ser reeditado a cada testemunho. Elas sentem a constante e crescente necessidade de compreensão da morte de seus filhos.

Diante dessa sucinta narrativa sobre a condição de mães enlutadas, minha reflexão traz um alerta para a sociedade que “acolhe” essas mães. Estamos dispostos a cuidar, amparar, ser empáticos, não julgar, ter paciência, ajudar e auxiliar essas mães durante o processo de luto delas?

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Foto: Pixabay/divulgação RIAT

Sabemos que o ser humano, desde a mais tenra idade, necessita se adaptar para sobreviver, o que implica ter que enfrentar diversas situações, desde aquelas mais difíceis e desafiadoras até as mais interessantes e felizes, e, para isso, passará por diferentes e intensos períodos de elaboração e adaptação, ou seja, os seres humanos são adaptados a lidar com traumas. Por isso, a cada singularidade, há um tempo de resolução adaptativa para o qual o sujeito utilizará variadas estratégias de ajustamento. O período de luto de cada mãe deve ser considerado singular, porém, deve ser controlado e auxiliado para não se tornar patológico.

O processo de elaboração do luto passa por algumas etapas, que costumam ser conhecidas pelas seguintes fases: negação/isolamento, raiva, barganha, estado de depressão e, finalmente, a aceitação. Conhecendo esse processo de elaboração do luto, devemos entender a dimensão desse tipo de dor nas mães, para poder dar-lhes o auxílio necessário, no tempo necessário e singular que elas precisam.

O psicanalista Freud escreveu, em 1912, o texto “Totem e Tabu”, no qual expõe um apanhado de fatos mitológicos, históricos e culturais de tribos antigas que cultuavam seus mortos. Ele diz que, em algumas delas, existiam regras de que as viúvas ou os pais de filhos mortos deveriam permanecer distantes do contexto social durante alguns meses para, exclusivamente, vivenciarem a sua perda. Isso nos valida o fato de que é necessário realizar um processo saudável do luto, mesmo que o luto de uma mãe seja o mais difícil de ser realizado.

John Bowlby é outro psicanalista que gosto muito e que traz muito conteúdo sobre os conceitos de apego e desapego, e quando ele fala sobre o luto, de forma mais indireta, ele enfatiza que o luto pode se tornar perturbador quando o relacionamento é profundamente interligado, apegado. Seus estudos ressaltam a importância de realizar os rituais, nos quais a rede familiar e de apoio mútuo podem contribuir para diminuir a incidência das síndromes de pesar incapacitantes.

Ponderando a breve resenha que expus acima, penso que a sociedade tem um grande dever em cuidar dessas mães que estão enlutadas, que tanto precisam de atenção, compreensão e amor. Existe uma fala do Freud que diz: “como fica forte uma pessoa quando está segura de ser amada”, ela ampara, acolhe, conforta e traz a certeza de que, mesmo em meio ao caos de dor, quando se está acompanhado de amor, se pode seguir em frente. As mães enlutadas não podem mais ter a expressão de amor de seus filhos falecidos, mas podem ter de outros, podem ter da sociedade! E é assim que vamos poder vê-las superando, aceitando e ressignificando a dor da morte de seus filhos.