Por Ana Karolline Rodrigues e Claudia Marques, jornalistas

Especialista explica diferenças entre as duas condições e aponta formas de tratamento para o lipedema

Atingindo principalmente mulheres, o lipedema é uma condição caracterizada pela deposição anormal de gordura no corpo, especialmente nas pernas. Muitas vezes confundido com obesidade, ele surge na puberdade, mas as causas ainda não são plenamente conhecidas pela comunidade médica.

Segundo o estudo “Prevalência e fatores de risco para lipedema no Brasil”, de 2022, essa condição atinge cerca de 12,3% das mulheres brasileiras.

“Provavelmente ele tem uma influência hormonal, porque afeta quase que exclusivamente mulheres, e também pode ter um componente hereditário. Ele normalmente surge na puberdade, o que também fala a favor da teoria hormonal, já que a mulher começa a ter muito hormônio feminino na puberdade”, explica o médico endocrinologista Flavio Cadegiani.

Médico endocrinologista Flavio Cadegiani | Imagem: divulgação

De acordo com o doutor em endocrinologia clínica, a gordura do lipedema é diferente da obesidade, pois tende a formar nodulações no subcutâneo com fibrose em volta da gordura, além de ter componentes inflamatório e vascular importantes, o que explica porque a gordura do lipedema dói e os vasos sanguíneos nas pernas rompem facilmente.

“Diferente da obesidade, a gordura do lipedema não se perde com dieta e atividade física usuais, o que acaba gerando muita frustração. Então a gente acaba tendo que entrar com dieta anti-inflamatória específica, massagens e compressões locais e suplementos e medicamentos anti-inflamatórios. Inclusive a Semaglutida – o Ozempic –, por também reduzir a inflamação no tecido adiposo, pode contribuir para conseguir finalmente desaprisionar essa gordura. Porque, na verdade, você não queima essa gordura, você desaprisiona a gordura, que está presa na fibrose”, detalha Cadegiani.

O lipedema é classificado em cinco tipos, de acordo com as áreas dos membros que estão afetadas. Confira:

– Tipo 1: acometimento do umbigo até os quadris;
– Tipo 2: acometimento até os joelhos com presença de tecido gorduroso na parte lateral e inferior dos joelhos;
– Tipo 3: acometimento até os tornozelos com formação de “manguito” de gordura logo acima dos pés;
– Tipo 4: acometimento dos braços. Bastante associado aos tipos II e III;
– Tipo 5: apenas do joelho para baixo.

Diagnóstico

O diagnóstico dessa condição é clínico. Se o médico nota o acúmulo de gordura em regiões como coxas, joelhos e pernas, causando uma desproporção entre a parte inferior e a superior do corpo, ele já deve considerar a existência de lipedema.

Entre as queixas mais frequentes estão: dor, dificuldade de mobilidade, inchaço e hematomas frequentes. Pode haver associação com outras doenças, como insuficiência venosa crônica, linfedema e obesidade. Um sinal típico é o acúmulo de gordura na região do tornozelo, conhecido como sinal do manguito. Se a mulher fica extremamente magra e a gordura da região persiste, e se a mulher tem dores e hematomas fáceis na região, o diagnóstico de lipedema é o mais provável.

Existe ainda uma outra classificação, que se refere à evolução e/ou gravidade da doença:

– Estágio 1: a superfície da pele é normal, ocorre aumento da gordura no tecido subcutâneo e há presença de nódulos ou bolinhas de gordura, como se fossem pérolas por baixo da pele.
– Estágio 2: a pele é irregular, um pouco mais flácida do que o esperado para a idade e com aspecto de celulite, e os nódulos que podemos palpar ficam maiores.

– Estágio 3: a pele é significativamente mais flácida, com a presença de dobras. Isso pode causar dificuldade para caminhar e se movimentar. Além dos nódulos, podemos palpar também áreas de fibrose, que são como cicatrizes por baixo da pele causadas pela inflamação crônica.

– Estágio 4: todas as alterações descritas no estágio 3, mais o comprometimento do sistema linfático. O linfedema (comprometimento dos vasos linfáticos) pode ocorrer em qualquer estágio, mas é mais frequentemente encontrado em mulheres com lipedema a partir do estágio 3.

Lipedema, lipohipertrofia e linfedema

Além da obesidade, o lipedema pode ser confundido com outras condições: a lipohipertrofia e o linfedema.

O doutor Flávio Cadegiani explica que o lipedema é o acúmulo de uma gordura gerada em áreas específicas do corpo, só que não acomete os pés. “Essa gordura começa a chamar macrófagos e ela começa a induzir a produção de fibrose. Então ela tem um perfil diferente. É importante lembrar que os critérios incluem também a facilidade, por exemplo, para hematoma, então tem uma fragilidade dos capilares dos vasos e só de tocar dói”, pontua.

“Já a lipohipertrofia seria como um “pré-lipedema”. É como se tivesse acúmulo, mas não tem a dor e a fragilidade capilar”, diz o médico.

O linfedema, por sua vez, é o acúmulo de água nas linfas (líquido transparente e viscoso que circula em nosso corpo pelo sistema linfático). Esse acúmulo de água acaba estimulando o processo de fibrose no tecido adiposo também. Por sua vez, o lipedema não só aprisiona gordura mas também líquido, podendo gerar um linfedema secundário.

“Tem um sinal chamado sinal de Stemmer, que é um diagnóstico confiável para reconhecer o linfedema. Se você pegar a ‘prega’ do segundo dedo do pé e tiver um acúmulo ali, é um acúmulo de água, então é linfedema”, informa o especialista.

Tratamento

De acordo com o endocrinologista, o lipedema é uma condição que ainda precisa ser mais estudada. “Ele ainda está sendo reconhecido, tanto que não existe um código, um Cid, para ele. Ainda não é reconhecido oficialmente pela OMS como uma doença.”

Embora não tenha cura, existem diferentes frentes de tratamento capazes de aliviar os sintomas e controlar a evolução da doença.

“O tratamento é anti-inflamatório, porque a gente sabe que é uma doença que tem um aspecto inflamatório. Esse tratamento deve incluir dieta, drenagens e compressão local. Alguns compostos naturais anti-inflamatórios podem ajudar. Lembrando que não existe nada com muita evidência, porque ainda está sendo estudado”, afirma Flávio Cadegiani.

Dessa forma, o tratamento deve ser multifatorial, com drenagens contínuas, atividades físicas que movimentam bem as pernas e dieta específica anti-inflamatória. “Cirurgia é o último recurso, quando os tratamentos não geram resultado. Por isso, é importante acompanhar com um médico, para saber o que é melhor para cada caso”, finaliza.