Os povos indígenas, embora representem apenas 6% da população global, são responsáveis por mais de quatro mil das aproximadamente 7 mil línguas faladas no mundo. Contudo, a extinção de línguas é uma realidade alarmante: estima-se que mais da metade das línguas em uso atualmente desaparecerá até o final do século XXI. Com isso, a preservação dessas línguas se torna uma questão de relevância global, pois cada idioma é um repositório de saberes, tradições e visões de mundo. Sempre que perdemos uma língua, perdemos um pouco da nossa história e uma maneira de pensar e expressar a realidade.

Em meio à Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032) da UNESCO, em um momento crítico para a preservação das culturas indígenas, um projeto inovador desenvolvido por pesquisadores de IBM Research Brasil em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) está utilizando tecnologias de Inteligência Artificial (IA) para fortalecer e revitalizar as línguas indígenas brasileiras. A iniciativa está criando e desenvolvendo ferramentas que auxiliam a documentação, preservação, vitalização e uso desses idiomas, sempre em colaboração com as comunidades indígenas.

São dois os principais objetivos: vitalizar, ou seja, aumentar a quantidade de jovens que falam e escrevem essas línguas; e fortalecer as línguas indígenas que já se encontram em um processo de desaparecimento.

O projeto teve início em 2023 quando, a partir de um trabalho colaborativo, a IBM e a USP desenvolveram ferramentas de IA para capacitar comunidades indígenas a escrever suas línguas de forma eficaz, utilizando técnicas avançadas de processamento de linguagem natural (PLN). O primeiro projeto colocado em prática foi com a aldeia Tenondé Porã, no extremo sul de São Paulo, em uma parceria com a escola de ensino médio da aldeia. Junto com os alunos e alunas, falantes nativos da língua Guarani Mbya, foram desenvolvidas ferramentas de apoio à escrita da língua, visando a expansão de seu uso no dia a dia, na Internet e nas redes sociais.

O projeto contou com oficinas semanais ao longo do primeiro semestre de 2023, com os estudantes e professores do ensino médio, para que ferramentas de escrita e de documentação linguística fossem exploradas e desenvolvidas de forma conjunta.

Outro projeto que teve início este ano está olhando para o idioma Nheengatu, uma língua histórica que serviu como meio de comunicação entre diversas etnias durante o período imperial brasileiro. Neste caso, a tecnologia de IA utilizada permite que usuários insiram frases em português e recebam traduções para o Nheengatu, ajudando não apenas na preservação do idioma, mas também na sua utilização no cotidiano, especialmente entre os jovens. As ferramentas desenvolvidas buscam fortalecer o uso da língua nas mídias sociais e na internet com o intuito de engajar a juventude e garantir que as novas gerações tenham acesso ao seu patrimônio cultural, um passo crucial para garantir que as línguas indígenas permaneçam relevantes no século XXI.

O projeto da IBM e da USP não é apenas uma iniciativa tecnológica, mas um esforço colaborativo que coloca as comunidades indígenas no centro do processo e fortalece sua identidade cultural. A intenção é capacitar os jovens a se tornarem não apenas falantes, mas também promotores de suas línguas em ambientes digitais, permitindo que esses povos e suas línguas e culturas ocupem seu espaço no mundo digital. Através de oficinas e colaborações, os pesquisadores estão trabalhando para adaptar a tecnologia às necessidades específicas das comunidades, garantindo que as soluções sejam sustentáveis e respeitosas.

O projeto com os Nheengatu também prevê a criação de dicionários digitais, corretores ortográficos e plataformas que promovam o uso das línguas em redes sociais, com o intuito de engajar a juventude e garantir que as novas gerações tenham acesso ao seu patrimônio cultural.

Entre os planos futuros para fortalecer a língua, está a criação de um aplicativo para celular para apoio à escrita, um editor de texto para professores e tradutores, e um programa de parceria para a inserção dessas ferramentas no dia a dia de escolas bilíngues indígenas na Amazônia, bem como a expansão dessas iniciativas para outras línguas como o Baniwa e o Tukano.

O futuro das línguas indígenas no Brasil e no mundo depende de ações inovadoras e da colaboração entre o ecossistema de inovação, que vai de empresas à academia. O projeto da IBM e USP representa um passo significativo nesse caminho, ajudando a garantir que as línguas nativas não sejam apenas preservadas, mas vivam e atuem, de fato, na sociedade.

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