Quase um ano após a pandemia, brasileiros contam como está a situação atual dos imigrantes que ficaram em Portugal. No início de 2020, muitos se viram obrigados a deixar o país europeu e pedir repatriação

Por Daniele Haller
daniele.haller@mulheresjornalistas.com

A chegada do vírus Covid-19 pegou muitos imigrantes brasileiros de surpresa. Para os que estavam no país apenas por turismo, houve dificuldades na hora de retornar ao Brasil e, aqueles que já estavam instalados em Portugal, tiveram que enfrentar problemas para se manter com a falta de emprego e a crise econômica que se instalou durante a pandemia. Sem oportunidade de trabalho, principalmente no setor informal, a comunidade brasileira foi afetada de forma brusca.

O brasileiro Christiano Mere chegou a Portugal antes do início da pandemia para estudar Escultura, em Lisboa. No entanto, não apenas ele, mas outros colegas tiveram seus planos totalmente mudados pela Covid-19: “Eu vim para Portugal para estudar(…)alunos que já estão contribuindo com as propinas (mensalidades) estão assistindo ao primeiro ano do mestrado de forma remota, sem data certas para virem pra cá. Outra questão desses casos é a falta de informação sobre os vistos de entradas e a impossibilidade receberem o título de residentes”, relata. Segundo
Christiano, metade dos brasileiros que conhece voltaram para o Brasil ou mudaram de país.

Entre março e abril de 2020, quando os primeiros decretos de prevenção à covid- 19 começaram a valer em Portugal, muitos imigrantes buscaram as autoridades consulares a fim de conseguirem auxílio ou repatriação. Além das autoridades governamentais, muitos procuraram ajuda em organizações para imigrantes, como a OIM (Organização Internacional de Migrantes), que realizou 340 voos de repatriação de brasileiros somente em 2020.

Criada em 1951, a OIM é uma organização ligada à ONU, que trabalha na assistência à repatriação e reintegração de forma humanitária. Em entrevista concedida à repórter Daniele Haller, do Instituto Mulheres Jornalistas, a equipe da OIM fala sobre os serviços oferecidos e o número de brasileiros que procuraram assistência durante a pandemia.

MJ: Como funciona o sistema de repatriação da OIM ?

OIM: O retorno voluntário assistido é uma das principais atividades da OIM ao nível global, implementada desde 1979, promovendo uma abordagem humana e digna do retorno bem como uma reintegração sustentável no país de origem. Em Portugal, o Programa de Apoio ao Retorno Voluntário e à Reintegração (ARVoRE) existe desde final dos anos 90 e procura dar apoio administrativo, logístico e financeiro a migrantes em situação vulnerável que necessitem e queiram regressar voluntariamente aos seus países de origem, de uma forma segura e digna, independentemente do seu estatuto migratório.

MJ: Com a chegada da pandemia e as medidas de isolamento, muitos imigrantes brasileiros se viram em difícil situação para se manter em Portugal. Com o aumento do desemprego na área informal, muitos foram afetados. Diante da situação, houve um aumento de número de pedidos de repatriação por parte da comunidade brasileira?

OIM: No início da pandemia, entre março e maio de 2020, notou-se sem dúvida um aumento dos pedidos de retorno em geral, representando os migrantes brasileiros uma percentagem significativa desses pedidos. Em junho, com o “normalizar” da situação, e a reabertura de muitos serviços, o número de pedidos tendencialmente diminuiu, sendo que alguns migrantes que não tinham conseguido retornar devido principalmente às restrições das companhias aéreas, e dos próprios países, cancelaram os seus pedidos face ao retomar das suas atividades.

MJ: Qual o perfil dos brasileiros que mais procuraram os serviços da OIM durante a pandemia? Estudantes, desempregados, jovens, mulheres, famílias com crianças?

OIM: A maioria dos migrantes que procura o retorno voluntário está em situação de desemprego ou trabalho precário, irregular (93%), em idade ativa (63%), tendo chegado a Portugal no ano em que solicita o apoio ou no ano anterior. Verifica-se também uma feminização da migração, com mais mulheres (54%) do que homens (46%) a solicitar e a beneficiar deste apoio. No entanto, durante a pandemia, percepcionamos um número elevado de agregados familiares brasileiros inscritos (59%), em alguns casos, famílias numerosas, noutros casos monoparentais. Este valor representa uma alteração substancial para outros anos onde predominava a candidatura individual.

MJ: Atualmente, os países europeus ainda tentam diminuir o impacto da pandemia através das medidas de prevenção, no entanto, menos rígidas do que no início da pandemia. O afrouxamento das medidas interferiu no número de pedidos de repatriação, de brasileiros, em relação ao início do ano passado ou continuam na mesma proporção?

OIM: Sim, como referido anteriormente, verificou-se uma diminuição dos pedidos no segundo semestre de 2020, com o retomar das atividades e as medidas menos rígidas impostas pelos países. No entanto, a tendência, face ao contexto atual e aos pedidos registados agora no início de 2021, é para que este número aumente novamente.

A organização declarou que precisou se adaptar às necessidades que a pandemia trouxe, como o atendimento por telefone, atendimentos à distância e os percalços que surgiram no caminho para enfim cumprirem cada procedimento de repatriação de forma segura, contando com o apoio de suas equipes espalhadas em vários países.
Mesmo com as dificuldades que a pandemia trouxe, a organização afirma: “A OIM continuará a trabalhar no sentido de ultrapassar os desafios, que certamente ainda surgirão, e de adaptar a sua prática às medidas que forem sendo implementadas, por forma a continuar a dar resposta às necessidades de todos os migrantes que
pretendam regressar ao seu país de origem”.

Enquanto alguns brasileiros conseguiram retornar ao país de origem, outros decidiram ficar em Portugal

Roberta Chuvinski Guabiraba

Entre aqueles que ficaram no país está a cearense Roberta Chuvinski Guabiraba, que mora em Lisboa com o filho e o esposo, há 1 ano e quatro meses. Ela conta que a pandemia não afetou sua família diretamente, pois o marido saiu do Brasil com um contrato garantido, no entanto, relata que ainda não conseguiu um trabalho: “viemos com visto, porém estou com dificuldades de conseguir um emprego, cheguei em Portugal 09/2019 e a pandemia começou aqui em 02/2020”, comenta. Questionada sobre situação atual dos imigrantes ela diz: “Atualmente, estão recebendo o mesmo tratamento que os portugueses no caso de extrema necessidade. O governo não aparenta ser xenofóbico quanto à nossa nação, até porque acredito que exista algumas trocas, porém, o português em si não gosta dos
brasileiros, principalmente mulheres brasileiras”, lamenta.

Segundo relatório divulgado pela Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial (CICDR), no ano passado, as denúncias de xenofobia aumentaram 26% em Portugal, inclusive contra brasileiros.

Em conversa com a advogada carioca, Caroline Campos, que tem um escritório em Lisboa, ela nos conta sobre

Caroline Campos

situações que pôde acompanhar de perto: “infelizmente conheço quem precisou adiar seus planos, está no Canadá, iniciou um processo de visto para Portugal, porém com o lockdown naquele país não conseguiu finalizar o processo e precisou aguardar essa pandemia passar”, relata. Sobre os imigrantes que fizeram pedido de repatriação ela diz que acredita estar ligado à crise econômica:“ Muitos perderam suas fontes de rendimentos e ficaram sem opção senão retornar para junto de seus familiares no Brasil”. Diante da situação que atingiu não apenas os brasileiros, mas também imigrantes de diversos países, o governo concedeu auxílio para amparar essas pessoas durante a pandemia, segundo a advogada: “O governo português, por duas vezes, regularizou temporariamente os imigrantes, além de garantir a quem trabalha e contribui, independentemente da situação no país, o direito aos apoios excepcionais em razão da Covid-19”.

Ainda entre março e abril do ano passado, início da pandemia, a mídia divulgou casos de brasileiros que chegaram a dormir nas ruas por não terem condições de pagar uma hospedagem após terem perdido seus empregos.

Georgia Castro é brasileira e vive desde 2008 em Lisboa, onde trabalha com o esposo no ramo da indústria alimentícia. Questionada sobre a decisão de brasileiros que decidiram retornar para o Brasil, ela comenta: “antes da pandemia o país já vivia uma crise, sentida mesmo pelos portugueses. Os empregos ficaram escassos e numa situação de imigração acho mais difícil se manter e, depois de algum tempo, voltar para o Brasil torna-se a única solução”, conclui.

Conforme o relatório divulgado em 2019 pela SEF- Serviços de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal: “a nacionalidade brasileira mantém-se como a principal comunidade estrangeira residente representando 25,6% do total (valor mais elevado desde 2012)”. Essa porcentagem se refere ao número de novos estrangeiros que entraram no país entre 2018 e 2019, ou seja, dos 590.348 cidadãos estrangeiros titulares de autorização de residência, 25% são brasileiros.

Atualmente, Portugal enfrenta mais um aumento no número de infecções da covid19. Para tentar barrar esse aumento, o governo do país determinou, na última quarta-feira(27), o deslocamento de cidadãos para o exterior, assim com a suspensão de voos vindos do Brasil pelas próximas duas semanas.