Por: Vanessa Van Rooijen, jornalista (Holanda)
E-mail: vanessa.rooijen@mulheresjornalistas.com
Chefe de reportagem: Juliana Monaco
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes 

Brasileiros estão no topo do ranking mundial de pessoas com transtornos de ansiedade

Quase todo brasileiro conhece alguém que sofre de ansiedade, depressão ou similares. Isso acontece porque o Brasil está no topo da lista de países com o maior número de pessoas com transtornos de ansiedade, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Do total de brasileiros, 9,3% sofrem de ansiedade, incluindo fobias em geral. As fobias, por sua vez, são inúmeras. Dentre as mais conhecidas, como medo de escuro e medo de altura, a fobia específica aumenta em 60% a probabilidade da pessoa cometer suicídio, conforme dados do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Por outro lado, as fobias também podem ser relacionadas ou confundidas com o Transtorno Obsessivo Compulsivo, o TOC. 

Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, o Transtorno Obsessivo Compulsivo e os transtornos fóbicos fazem parte de um guarda chuva maior que são os transtornos de ansiedade, ou seja, as fobias e TOC são “irmãos” porque ambos são transtornos de ansiedade. Eles podem estar apresentados nas pessoas separadamente ou podem fazer parte de um contexto, apresentando apenas sintomas de um ou outro e vice-versa. Mas as fobias em si são diagnósticos separados, apesar de também ser transtorno de ansiedade.

Transtorno Obsessivo Compulsivo

Para entender melhor o que é o TOC, o Instituto Mulheres Jornalistas conversou com o dr. Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Antônio é médico psiquiatra, especialista em Psiquiatria Forense pela AMB/ABP, membro do comitê permanente de sessões científicas na Associação Mundial de Psiquiatria – WPA e doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. 

Dr. Antônio Geraldo da Silva explica o que é TOC. Imagem: Divulgação

MJ: O que é o TOC?

Dr. Antônio Geraldo da Silva: TOC é o Transtorno Obsessivo Compulsivo, que é uma doença caracterizada com pacientes apresentam pensamentos incômodos, repetitivos, que são desagradáveis, assim como têm imagens desagradáveis, que são os impulsos que tomam a mente (obsessões) e atos, pensamentos ou rituais repetitivos (compulsões). Essas obsessões causam ansiedade intensa e/ou um desconforto muito grande, que é aliviada com a realização das compulsões, com a intenção de afastar ameaças, prevenir possíveis falhas ou simplesmente aliviar um desconforto físico.

MJ: Como ele pode ser desenvolvido?

Dr. Antônio Geraldo da Silva: As causas ainda não são 100% comprovadas. As pesquisas atuais associam o TOC a algumas características genéticas presentes nas famílias dos padecentes de doenças. Temos várias teorias, mas a principal é a teoria serotoninérgica. É um transtorno que pode começar a se manifestar em qualquer momento da vida, desde a idade pré-escolar até a idade adulta.

MJ: Como é feito o diagnóstico?

Dr. Antônio Geraldo da Silva: O diagnóstico é feito através de uma entrevista psiquiátrica, chamada de anamnese psiquiátrica, na qual é construída toda a história do paciente e observado todos os comportamentos repetitivos, os pensamentos obsessivos, para que assim, baseado na apresentação clínica e fundamentado na presença dos sintomas centrais, seja diagnosticado. Para um diagnóstico definitivo, sintomas obsessivos, atos compulsivos ou ambos devem estar presentes na maioria dos dias por pelo menos duas semanas consecutivas e ser uma fonte de angústia ou de interferência com as atividades.

MJ: Quais são as suas características?

Dr. Antônio Geraldo da Silva: O TOC tem como característica central a presença de obsessões (pensamentos ou imagens intrusivos, repetitivos, perturbadores e de difícil controle) e/ou compulsões (comportamentos repetitivos, ritualizados, na maioria das vezes, voltados ao alívio do desconforto gerado pelas obsessões ou à obtenção de uma sensação de completude). Eles são quase invariavelmente angustiantes, porque são repetitivos, algumas vezes violentos ou obscenos ou simplesmente porque são percebidos como sem sentido, e o paciente, usualmente tenta, sem sucesso, resistir-lhes. Frequentemente, indivíduos com TOC têm sintomas depressivos. Em alguns casos, a limpeza excessiva pode ser uma das características. Em períodos de pandemia, por exemplo, em que foi necessário intensificar a higiene, tivemos um agravamento do ato compulsivo de lavar as mãos. Essas obsessões podem atrapalhar a convivência social destas pessoas.

MJ: Qual é o tratamento?

Dr. Antônio Geraldo da Silva: O tratamento que nós fazemos para o paciente com TOC vai depender se o transtorno é leve, moderado ou grave e também do que já foi feito em tratamentos anteriores. Nós usamos alguns medicamentos e os mais comuns são os antidepressivos, os antidepressivos tricíclicos, os antidepressivos que não são inibidores da recaptação de serotonina são os que dão melhor resultado. Às vezes, é necessário fazer associação dos antidepressivos, antipsicóticos, ou um, ou dois antidepressivos para a mesma pessoa e, em casos muitos graves, pode ser necessário fazer a neurocirurgia, que é um tipo de cirurgia que vai pegar um ponto específico que desencadeia aquele tipo de tratamento e colocar o eletrodo, por exemplo. Também tem outros tipos de tratamentos que você pode instituir, conforme for mais adequado a cada um, pois todo tratamento é sempre individualizado. Além do uso dos medicamentos, também é indicado tipos específicos de psicoterapias que são consideradas as mais adequadas de fazer: a terapia cognitivo-comportamental e a interpessoal.

Covid-19

Um estudo realizado pela OMS mostra que, somente no primeiro ano da pandemia, em 2020, o registro de pessoas com ansiedade e depressão, em nível global, aumentou 25%. De acordo com o dr. José Alberto Zusman, presidente da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, Pós Doutor numa parceria do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB)/Harvard e Full Member da Comissão de Saúde da Internacional Psychoanalytical Association (IPA), o isolamento social, a interrupção da rotina de vida; a ameaça de ser atacado/a por um microorganismo invisível que leva à morte da própria pessoa e de seus entes queridos e para a qual não há tratamento específico tornaram-se um verdadeiro encontro com a impotência e a fragilidade humana, desencadeando as fobias e TOC.  

Dr. Alberto Zusman. Imagem: Divulgação

“O Transtorno Obsessivo Compulsivo é uma condição clínica em que pensamentos mágicos de destruição se impõem à pessoa aliados a comportamentos que pretendem desfazer o mal pensado. O medo ou a fobia, em geral, é a mola mestre para a eclosão dessa condição”, explica. Zusman explica que o TOC pode ser evitado pela manutenção dos relacionamentos humanos. “Todo vínculo é um potencial protetor do medo, do vazio e do tédio. A desconfiança em relação ao seu par humano e o pensamento mágico que faz com que a pessoa acredite que a proximidade pode fazer mal à ela ou a quem a cerca”, pontua. 

O surgimento do medo 

Psicóloga clínica com especialização em infância e adolescência pelo Núcleo Paradigma e Mestrado pela UNIFESP, IIlana Shavitt explica que os medos são normais em todas as idades, desde a infância até a idade adulta, mas podem ser sinais de preocupação quando eles impedem a criança de realizar atividades que gostaria, ou que gostava de realizar antes de apresentar os medos. “Também são sinais de preocupação quando impedem atividades importantes como dormir, comer ou ir à escola. Outro jeito de ‘medir’ a preocupação causada pelo medo é pelo sofrimento da criança: quando observa-se sofrimento considerado excessivo, é importante investigar o medo”, detalha. 

IIlana Shavitt. Imagem: Divulgação

Illana explica que o medo é uma emoção básica do ser humano e, por isso, tem a função de comunicar algo. “Em geral, quando sentimos medo, o corpo (ou o cérebro) está indicando algum perigo, e isso é bom/benéfico. Sem o medo, nos engajamos em comportamentos e situações perigosas que poderiam colocar em risco a nossa sobrevivência, então existe algo saudável e benéfico em sentir medo”.

Enquanto o medo é uma sensação complementar ao desenvolvimentos das crianças, o TOC também pode ser desenvolvido, mas pais e responsáveis precisam estar atentos para isso, como explica a médica psiquiatra, Coordenadora do Programa Transtorno Obsessivo-Compulsivo do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, Dra. Roseli Gedanke. 

Gedanke explica que o TOC é uma doença de início muito frequente na infância, principalmente em meninos, nos quais os sintomas surgem antes dos 10 anos de idade. Nas meninas, os sintomas são mais notáveis na adolescência e transição para fase adulta. “O TOC é um quadro bem específico que envolve muitas particulares, diferente do medo que a criança sente de forma normal. Se a criança é muito pequena e ainda não tem o pensamento abstrato muito desenvolvido, ela tem medo que algo pode acontecer se não fizer determinada atividade, principalmente a algum mal a alguém que ama; tem medo de provocar danos para alguém, ou medo de cometer erros, etc. O TOC é uma doença com surgimento em indivíduos jovens”, afirma. 

Dentre os sintomas mais comuns de TOC na infância, a especialista pontua: a necessidade de fazer comportamentos dia a dia de forma ritualizada, pensando que fazer desta maneira vai prevenir um acontecimento ruim. Colocar os objetos ordenados de uma certa maneira para evitar algo ruim. Incômodo com sujeiras de forma exageradas. Necessidade de se alimentar de forma ritualizada, sem misturar os alimentos. Ou cisma com certos números e necessidade de perfeição. 

“Essas são as manifestações principais. Se os pais ou professores perceberem esses comportamentos ou se as crianças manifestarem mudanças das suas atitudes habituais para ações repetitivas, é importante procurar ajuda profissional. Quanto mais precoce é feito o diagnóstico, maior a chance de recuperar a trajetória e desenvolvimento normal da criança”, destaca.

Fobias

Existem alguns filmes que relatam tipos de fobia, como Aracnofobia, o medo de aranhas, por exemplo (https://www.adorocinema.com/filmes/filme-31791/). São muitas existentes e o Hospital Santa Mônica fez uma relação com as fobias mais comuns entre a população: 

Pessoas diagnosticadas com fobias podem realizar, com base em orientação médica, diversos tipos de tratamentos, como: psicoterapia, considerado pelos especialistas como um dos métodos mais eficazes para a reversão dos sintomas; exposição à causa da fobia, ou seja, nesse tratamento o cérebro é ensinado a lidar com a exposição perante ao que se teme; e o uso de medicamentos, que visam controlar a ansiedade promovendo um convívio melhor do paciente com a causa da fobia. 

Pesquisa em busca de melhora

Para entender como o cérebro humano funciona, estudos são realizados em busca de soluções e tratamentos para aqueles que sofrem de transtornos de ansiedade, TOC ou fobias, como é feito, dentre muitos outros, pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. O projeto que é desenvolvido internacionalmente, com procedimentos idênticos no centro USP e na Universidade Stellenbosch, na África do Sul, visa avaliar, por meio de ressonância magnética cerebral, como os antidepressivos funcionam no cérebro de portadores do TOC. 

Dra. Roseli Gedanke. Imagem: Divulgação

De acordo com a dra. Roseli Gedanke, coordenadora do projeto, ao final da pesquisa, a(s) conclusão(ões) poderão ajudar as pessoas no sentido de avançar nos conhecimentos sobre fatores cerebrais associados com a resposta ao tratamento, ou a falta de resposta, identificando perfis de pacientes para os quais é necessária a oferta de outras modalidades de tratamento. “Será um avanço no conceito da medicina personalizada aplicado à psiquiatria, tendo o TOC como modelo. Essa pesquisa poderá mudar a maneira como entendemos a resposta ao tratamento, o que diferencia os pacientes que têm boa ou má resposta do ponto de vista do funcionamento cerebral”, explica. 

Durante a pesquisa, os participantes passarão por exames de Ressonância Magnética de Crânio,  avaliação Neuropsicológica e Avaliação Clínica, antes e após 12 semanas de tratamento com medicamento específico. Também serão realizadas avaliações presencialmente, no Instituto. Pessoas diagnosticadas com TOC, interessadas em participar do estudo, podem se candidatar pelo e-mail protoc.brics@gmail.com.