Por: Marta Dueñas, jornalista
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Chefe de reportagem: Juliana Monaco, jornalista
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, jornalista

A notícia do ataque a Escola Infantil em Blumenau, SC, me fez pensar, novamente, que a vida tem valido pouco no Brasil, especialmente a vida de mulheres e crianças. Está muito arriscado viver, se você for desse grupo. O país que superou a fome, que lutou contra a pobreza, que já teve um programa público de valor a primeira infância tem falhado com as crianças e os adolescentes. O país do futuro, que parecia, outrora, o território de oportunidades para a nova geração tem se mostrado a próxima nação a despontar em ataques, crimes de ódio, crimes cibernéticos; fenômenos relativamente novos em nosso território.

Quando um homem de 25 anos, que é também jovem, invade uma escola para atacar crianças, deixamos de ser o país do futuro. É a cena clara de que um jovem, que é o futuro, mata a possibilidade de mais futuro. Porque? No estamos nos convertendo para inspirar e possibilitar tal atrocidade?

Não creio que tenhamos respostas fáceis. Esse é um caso complexo, mas não isolado como a polícia se esforça em dizer, já que esse tipo de violência vem, crescendo o Brasil.

O episódio de Blumenau ocorre apenas nove dias após o ataque à Escola Estadual, em São Paulo, onde um estudante de 13 anos matou a professora Elisabete Tenreiro a facadas, além de ferir dois alunos e três docentes. Os casos talvez não tenham ligação, mas eles caminham juntos e exigem das autoridades, dos pais, das escolas, novas perguntas, novas respostas, novas políticas e ações.

Apenas dois dias após o crime em São Paulo, a Secretaria de Segurança Pública registrou sete boletins de ocorrência com planos de adolescentes que pretendiam executar atentados parecidos. Em Blumenau, as aulas nas escolas da cidade foram suspensas pela suspeita de novos ataques semelhantes. Há indícios que o ataque pode ter sido articulado ou apoiado em redes pela internet. Imagina que chegamos ao ponto em que escolas não tem apenas Comissão de pais, elas montam comitês de segurança. O crime, o medo e ódio, estão dentro da sala de aula.

Não sei se podemos chamar de fator ou de facilitador, mas fica claro que a possibilidade de divulgação de crimes de forma rápida, massiva, quando não ao vivo, contribui para a disseminação e formação de massa de seguidores ou fãs dessas práticas. Utilizando do mesmo método e algoritmos de influencers de redes sociais, atualmente, crimes como esse, inspiram, ensinam e reverberam. Existem perfis em aplicativos destinados a ensinar a cometer ataques, a usar armas e até a fazer bombas e venenos. Enquanto uns seguem aquela celebridade online que dá as dicas para ficar com abdômen trincado, outros seguem o que ensina a trincar a cabeça de pessoas por puro ódio ou disfunção social. E o que antes era articulado pela deepweb, de acesso difícil e restrito, hoje é possível visualizar e articular de maneira superficial, prática e rápida. Internet e redes sociais formam a via mais usada para troca de informações e até recrutamento de crianças e jovens no campo da violência.

É urgente que crimes cibernéticos tenham maior punição e que se desenvolva um canal único de denuncias já que, segundo estudos, crimes que de alguma maneira envolvem a internet (seja para marcar dia hora e local, para fazer ameaças ou ainda disseminar ódio) deixam sinais claro e em cada 10 ataques desse tipo, como das escolas, em 8 deles alguém já sabia ou desconfiava. Geralmente algum parente próximo, vizinho ou amigo. É preciso criar um movimento de intervenção nesse processo facilitando e efetivando denúncias.

Além disso, e talvez um tema central, continuar enfrentando a política armamentista estabelecida na gestão federal passada. O armamento ao cidadão não contribui para a paz e isso não é apenas minha opinião, é o que dizem e defendem especialistas em segurança no país. O acesso facilitado a armas é um dos fatores principais para que crimes ocorram. Primeiro pela razão óbvia: pode-se ficar meses planejando um ataque, mas você não o cometerá se não conseguir a munição necessária. E segundo porque a cultura da arma estabelecida no Brasil via governo de ultra direita não vem sozinha, está associada a preconceitos, machismo, violação de direitos humanos e impunidade.

E na contramão do que e viu no passado, o atual Governo Federal anunciou no mesmo dia do crime em Blumenau, a formação de um grupo interministerial para discutir a Segurança nas Escolas. Muito positivo que tal grupo será coordenado pelo Ministério da Educação e terá transversalidade em diversas pastas entre elas Saúde, Direitos Humanos e Segurança. Acredito que o enfrentamento público não pode ser, apenas bélico e contencioso. O Governo precisa criar uma rede para entender esse fenômeno em crescimento nacional e oferecer ações de contenção e prevenção considerando as mais diversas camadas humanas, da saúde mental até o acesso a tecnologias. E, repito, defender e agir fortemente o controle de armas e munições além de criar leis que apliquem punições em redes e aplicativos que veiculam conteúdos de ódio e violência.

Em outro campo, mas no mesmo sentido, o Ministério Público em nível nacional criou um grupo de trabalho na Comissão da Infância e Juventude, que é ligada ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para enfrentamento do tema da violência. Caberá ao GT criar orientações, materiais e recomendações para que o MP do país inteiro saiba agir prevenindo e combatendo esse fenômeno. O MP entende que há um crescimento na violência em forma de ataques, atentados e na maioria das vezes articulados pela web. Portanto é preciso se qualificar para prevenir e combater crimes de ódio e crimes cibernéticos para poder dar conta não só da violência cometida como as ameaças e sinais de violência porvir.

O uso indiscriminado de aparelhos com acesso a internet por crianças e adolescentes é também um fator de aumento de crimes desse tipo já que o conteúdo com imagens, apelos e até tutoriais de atos violentos é facilmente acessado e impactam qualquer audiência. As famílias precisam dar conta de como orientar seus filhos, contextualizar conteúdos explícitos que ficam disponíveis aos pequenos. Nós que geramos conteúdos também precisamos assumir parcela de responsabilidade a respeito de tantos temas que ficam na janela e com alta visibilidade. Pessoas armadas em redes sociais já é comum e até mesmo alguns optam por escolher foto de perfil de redes sociais com armas ou fazendo arminha. Isso é bem simbólico. É um indicativo bastante robusto de que colheríamos violência e mais violência.

Infelizmente não ficou apenas no campo do simbólico os últimos crimes cometidos em escolas: primeiro uma mulher idosa, depois quatro crianças de até sete anos. Pensando e lamentando essas notícias não deixo de ver conexões nisso que parece um caminho. E mesmo sob o risco de parecer indelicada, trago um personagem ao centro da cena, ainda que ele tenha se esforçado para dar sua própria notícia hoje enquanto se apresentava na Polícia Federal, em Brasília, para dar explicações sobre joias e presentes dados pela Arábia Saudita. Porém, neste dia, mais importante que lembrar de joias é lembrar que foi ele, o ex-presidente Jair Bolsonaro, que liderou uma política armamentista inédita e agressiva no país e foi durante sua gestão o aumento de registro de crimes contra crianças e mulheres. O sistema patriarcal não dá ponto sem nó: primeiro mulheres e crianças; mas não para sair do barco em naufrágio. Não bastando temer pela própria vida, mulheres mães temem, agora, a vida de seus filhos nas escolas. Nada mais estrutural para manter, desesperadamente, o medo e o controle sobre elas.