Por Letícia Fagundes, jornalista

Muitas pessoas contribuíram para a história da aviação, mas você sabe quem foi o nordestino Casimiro Montenegro Filho? Nascido no Ceará, em Fortaleza, em 1904, Casemiro aos 19 anos saiu da sua cidade natal, contrariando o pai, como sonho de se tornar um piloto de avião, no Rio de Janeiro. Porém, a história daquele cearense se tornaria parte histórica para o Brasil.

Criador do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (CTA),  também foi um dos responsáveis pela criação do Correio Aéreo Militar, que veio a se tornar o Correio Aéreo Nacional, e se tornou patrono da área de Engenharia da Força Aérea Brasileira e da Academia Nacional de Engenharia.

De um jovem Tenente-aviador do Exército, o nordestino marechal teve sua história registrada e contada no livro “Montenegro: As aventuras do marechal que fez uma revolução nos céus do Brasil”,  por um dos autores mais respeitados na literatura do nosso país, Fernando Morais.

Entrevistei Fernando Morais para o Instituto mulheres Jornalistas, pela obra lançada em 2006, mas que voltou com tudo para as principais livrarias e plataformas digitais do Brasil, além de estar sendo planejada para virar uma série.

Uma entrevista que aborda a história da aviação no país, mas que relata como o autor trouxe à tona um nome de um brasileiro da aviação, que estava guardado e foi lembrado por uma menina de nove anos. 

 

Instituto Mulheres Jornalistas:Como surge a ideia de escrever “Montenegro: As aventuras de marechal que fez uma revolução nos céus do Brasil”?

Fernando Morais (Autor):Eu morava na França quando o Marechal Montenegro faleceu. E, na época, dois amigos aqui do Brasil, o Márcio Valente, e o Pedro John Meinhardt, me mandaram mensagens, dizendo, olha, faleceu aqui no Brasil um personagem com uma história incrível. Você certamente haverá de se interessar por ele. Mas eu estava na época, escrevendo Corações Sujos e estava comprometido com prazos com a editora e acabei não pegando a história. E só vim a me interessar de novo pelo Montenegro, muitos anos depois. Já tinha voltado para o Brasil, quando uma meio-irmã de uma neta postiça minha, que, por sua vez, nessa meio-irmã, era neta do Marechal e um dia essa menina, que tinha por volta de nove anos, me encontra no elevador e diz “ah, você que é o Fernando Moraes, a minha avó está muito feliz que você vai escrever um livro sobre o meu avô”. Eu falei “Ah, pede a sua avó para me mandar algumas coisas sobre ele e tal”. Dias depois, ela voltou, a menina, com uma pasta, com uns recortes, uns documentos, uns escopos, mandados pela família, pela Dona Maria da Colina. Bastou passar os olhos naquela pasta para descobrir que ali tinha um livro. Assim começou.

Instituto Mulheres Jornalistas:O personagem vive o sonho de se tornar piloto na década de 30.O Brasil nessa década tinha a economia baseada no café. O livro também aborda sobre conquistas do país, mas com aviação. Fale um pouco sobre. (ITA,correio aéreo)

Fernando Morais (Autor): Um dos traços mais fortes e que chama mais a atenção do Marechal Montenegro era a sua inacreditável capacidade de ver um horizonte mais longe do que a maioria das pessoas. Para se ter uma ideia, nós estamos falando de 1945, portanto, quase 80 anos atrás, o Brasil ainda importava vaso sanitário privado de louça  inglesa e não é aqueles milionários, não, todo mundo, toda casa que tinha um vaso sanitário, podia olhar lá, estava escrito, impresso. Pois nesse Brasil que ainda importava privada, o Montenegro dizia, “nós temos vocação para nos transformarmos, nós, brasileiros, para transformar o Brasil numa potência aeronáutica, internacional”. E as pessoas achavam que ele não estava batendo bem na cabeça. E falavam isso com segurança muito grande. Passados anos, o que a gente vê é que ele tinha razão. Quais são as três maiores indústrias fabricantes de aviões civis do planeta? Em primeiro lugar, a Boeing, norte-americana, em segundo lugar, a Airbus, que é multinacional e em terceiro lugar, quem? A Embraer do Brasil. Então, essa capacidade de enxergar longe era certamente muito um traço muito sedutor para um autor num personagem como o Montenegro. E eu não gosto de personagens lineares, previsíveis. E um dos traços muito interessantes do Montenegro é que ele, por exemplo, assinou o Manifesto dos Coronéis contra o Getúlio, ele chegou a comprar uma ação do Carlos Lacerda e ao mesmo tempo, contratou o Oscar Niemeyer, comunista, notório, público, sabido, professor para projetar o ITA. O Dutra, na época, Presidente da República, vetou, dizendo, “não, não, não, nem pensar, colocar o comunista para fazer um projeto oficial com o governo, não, não estou de acordo, não”. O Montenegro ligou para o Oscar Niemeyer, que estava nessa época trabalhando na construção do prédio da ONU em Nova Iorque e diz, “olhe, o Dutra vetou o seu nome, mas não tem importância, não, a gente dá um jeito nisso. Você arranja alguém da sua confiança para assinar os projetos, enfim, assinar todo o projeto arquitetônico do ITA”. Então, esse era o Montenegro, sabe? É isso que distingue um personagem da multidão. Ele ficou horrorizado, por exemplo, quando descobriu que havia tortura dentro da Aeronáutica. Então, esses personagens me seduzem muito. Esses personagens, aparentemente, são contraditórios, imprevisíveis, me seduzem muito. Foi também por isso que eu resolvi escrever sobre ele.

 

Instituto Mulheres Jornalistas:O Montenegro era cearense, nordestino e saiu com um grande sonho aos 19 anos da região para tornar o sonho dele realidade, mas passou que torna até hoje o sonho de muitos realidade. 

Fernando Morais (Autor):O fato do Montenegro ser cearense em si não muda absolutamente nada, podia ser gaúcho, o mato-grossense ou mineiro, não faria a menor diferença, mas ocorre que ele ter nascido do ceará passou a despertar a curiosidade das pessoas que descobriram que nos últimos anos, não sei quantos, mas muitos, últimos anos, os primeiros colocados do concurso anual do vestibular de acesso ao ITA são cearenses. E eu nunca encontrei uma explicação para isso. Por quê? Não pode ser apenas o fato de o Ceará ter tido uma boa política de educação pública, mas isso não explica o fato de que os primeiros cinco lugares, os primeiros dez,são sempre ocupados por jovens vindos do Ceará. Aliás, eu tive com o presidente da república na semana passada, dei um exemplar para ele e ele me contou que está autorizando a criação, no Ceará, da primeira filial, do ITA. Então, tem uma coisa aí do Ceará, tem um viso muito forte nessa história.

 

Instituto Mulheres Jornalistas:O personagem enfrenta o desconhecido, situações que antes nunca tinham sido vividas na aviação. Podemos dizer que o enfrentamento fez com que o personagem desbravasse descobertas importantes na aviação?

Fernando Morais (Autor): Sim, o Montenegro tinha desde o começo essa vocação, esse lado aventureiro, esse lado que eu chamo de Indiana Jones, brasileiro. Você vê que ele, tenente ainda, já estava envolvido na Revolução de 30, para o Getúlio, para botar o Getúlio no poder. E é com esse mesmo espírito de aventureiro que ele cria o Correio Aéreo Nacional. Ele faz o voo inaugural para ir para a Revolução. Uma carta saía do Rio de Janeiro e ele tinha que chegar em São Paulo antes que se fechassem os Correios, na Avenida São João. O Montenegro vem e com péssimo tempo, com muito vento de proa que consumia muito mais combustível, e acaba chegando quando já eram mais de seis horas da tarde, estava tudo escuro e era voo visual e ele não conseguia achar Onde ele devia posar, porque os correios fechavam às sete horas da noite, e aí ele vê, ele espia do lado de fora do avião e vê uma pista e resolve posar ali, que estava iluminado, mas estava vazio, e era o hipódromo da Mooca, um bairro de imigrantes italianos em São Paulo. Então, esse lado aventureiro também contribuiu para a escolha do personagem. Eu costumo dizer que gostaria muito de ser autor de literatura de aventura, sabe? Eu tenho muita inveja do James Fenimore Cooper. Eu gostaria de escrever literatura de aventura, por isso Montenegro me agarrou, tem um traço de Indiana Jones.

 

Instituto Mulheres Jornalistas:Como o livro pode ser um estímulo para as gerações atuais que querem entrar na aviação e para os que ja estão nela?

Fernando Morais (Autor):É também o fato dele ser piloto de avião que precisa ser considerado como um dos ingredientes desse personagem que, no fundo, você imagina a geração dele e o avião era uma coisa muito recente. O avião começou a voar em 1906, 40 anos depois o Montenegro já estava pensando em formar engenheiros aeronáuticos. Do mesmo jeito que a aviação seduzia, seduziu essa geração, seduziu a minha, mais talvez do que hoje seduz a dos meus filhos, da minha filha, dos meus netos. Porque hoje a aviação virou parte integrante.Hoje é comum as pessoas viajarem de avião para baixo e para cima, dentro das limitações econômicas, sabe? Você, mesmo com limitações econômicas, você começa a ter familiaridade com o avião hoje muito mais prematuramente, do que na minha geração e, nem se fale, na geração do Montenegro. Eu, por exemplo, tentei ser piloto, cheguei a fazer curso e cheguei a cumprir o número de horas de voo com o instrutor em solo, aqui no interior de São Paulo, mas na hora que eu vi o programa dos exames. teóricos eu desisti, porque era de começo ao fim ciências exatas, ainda que noções muito superficiais de ciências exatas, de química, de física sobretudo, de física, enfim. Meteorologia era algo que você tinha que estudar. Eu cheguei a frequentar, mas ciências exatas nunca foi a minha praia, mesmo adolescente, estudante. Eu sempre fui mais chegado nas humanas, então desisti. Uma das coisas que me arrependo de não ter levado até o fim meu projeto de pilotar avião, mas aos 77 anos ando de moto, já fui a Chile com ela. Agora não to com apetite para fazer exames de aviação, já não tinha antes, imagine agora.

 

Instituto Mulheres Jornalistas:O livro destaca questões políticas para o desenvolvimento de novas ideias e novos caminhos. Como vê a aviação caminhando com a administração pública? 

Fernando Morais (Autor):Divulga-se muito pouco das conquistas brasileiras nessa área tão sedutora que é a aviação, a começar da invenção do aparelho, até hoje, ser a terceira potência aeronáutica civil do mundo, isso não é para qualquer país. Então, acho que se utiliza pouco, e quando eu falo se utiliza, eu estou me referindo ao governo, talvez o Ministério da Aeronáutica, a Embraer, ao próprio ITA, que é utilizar o chamado soft power. Essas conquistas, como a difusão dessas conquistas, como um instrumento de poder do país, do mundo, de status do Brasil, no mundo desenvolvido. Eu, por exemplo, vendi os direitos de adaptação do meu livro para o produtor Claudio Cantz,com o nome da experiência do cinema, produzindo dois anos de filmes dramatizados e documentais. Ele quer fazer uma minissérie com o Montenegro para streaming, provavelmente, mas não será um documentário.  Eu acho que se faz muito pouca propaganda de um Brasil adulto, um Brasil robusto, saudável, que é esse da tecnologia aeroespacial. Para você ter uma ideia, quando eu lancei o Montenegro, o livro, o Itamaraty comprou, eu não cobri direito, o Itamaraty traduziu para o inglês e fez uma edição de 15 mil exemplares em inglês e mandou para todas as embaixadas brasileiras no mundo, para os embaixadores darem de presente, para autoridades, para visitas, para chefes de Estado que aparece nas embaixadas, mas isso é raro. O que é passado para a opinião pública mundial do Brasil é apenas nossas mazelas, misérias. O Brasil tem uma indústria de tecnologia aeroespacial avançadíssima, temos um santuário tecnológico.