Por Sara Café, jornalista
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O agravamento da situação equatoriana preocupa o Brasil, principalmente devido à proximidade geográfica, à presença de organizações criminosas em ambos os territórios e à influência dessas facções na região amazônica

O Equador vive atualmente um “conflito armado interno”, segundo declarou o presidente do país, Daniel Noboa, na terça-feira (9/1) em entrevista à BBC Brasil. Desde 2021, o país é sacudido por rebeliões, motins e enfrentamentos entre facções do crime organizado e das forças de segurança.

Esses conflitos de violência no Equador tem origem na pobreza da população, que oferece abundante mão de obra para o tráfico, na demanda de drogas dos Estados Unidos e da Europa, principais centros consumidores do planeta. É o que destaca o professor Nildo Ouriques, presidente do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). 

“O consumo de cocaína na Europa e nos Estados Unidos é gigantesco e não há política lá que possa minimizar esse fato. Isso coloca uma demanda sobre os países latino-americanos que estão submetidos à deterioração dos termos de troca e o único produto que não cai no mercado mundial é a cocaína. O petróleo cai, a banana cai, o cacau cai, tudo cai, menos a coca”, falou. 

Após o presidente ter declarado estado de emergência na segunda-feira (8/1), ocorreram graves incidentes em seis prisões, com sequestros policiais e fugas de líderes de duas grandes quadrilhas criminosas. Além de incursões de grupos armados em universidades e outras instituições públicas, bem como saques em Quito e homens armados invadiram o canal de televisão TC em Guayaquil e fizeram seus funcionários reféns durante uma transmissão ao vivo.

Imagem: Marcos Pin/AFP

Por isso, Daniel Noboa ordenou às forças militares que restabelecessem a ordem nas ruas do país. Empossado como presidente em novembro sob a promessa de restaurar a segurança no país, havia dito por meio das redes sociais: “Não vamos negociar com terroristas. Dei ordens claras e precisas aos comandantes militares e policiais para intervirem no controle das prisões”.

Com o estado de emergência, a polícia obteve o apoio das forças militares para manutenção da ordem e da segurança, inclusive dentro das prisões. Além disso, foi imposto um toque de recolher entre 23h e 5h para todas as cidades.

Poder das gangues

O país se tornou um importante centro regional de armazenamento, processamento e distribuição de drogas, o que fortaleceu as mais de 20 quadrilhas criminosas. Em 2023, o Equador bateu um recorde histórico de homicídios com 7.878 mortes, das quais apenas 584 foram solucionadas.

Alguns dos mais conhecidos são os Choneros, os Lobos, os Lagartos ou os Tiguerones. Esses grupos protagonizam episódios de extrema violência, seja em conflitos internos ou contra o governo, as instituições ou a sociedade no Equador.

“Este e outros crimes visam condicionar o poder político e demonstrar que já há algum tempo, em grande medida, as gangues estão no controle do país”, explicou o analista político equatoriano Andrés Chiriboga à Agência Brasil. 

Adolfo Macías, vulgo “Fito”, chefe de Los Choneros cumpria pena de 34 anos desde 2011 por crime organizado, tráfico de drogas e homicídio quando desapareceu da prisão. Foram relatados graves motins em pelo menos seis prisões no Equador, com relatos de que vários guardas foram feitos reféns pelos prisioneiros.

Atuação de Noboa 

Imagem: Marcos Pin/AFP

A resposta do presidente equatoriano, Daniel Noboa, ao decretar estado de emergência e dar amplos poderes para as Forças Armadas combater o crime é vista como pouco eficiente pelos especialistas e também contribuiu para agitar a resposta das gangues com a tomada do canal de televisão.

“Esse tipo de medida tende a se esgotar muito rapidamente porque é emergencial e a situação mais a fundo do Equador tem a ver com o empobrecimento do país, tem a ver com a ramificação do crime organizado. Essa estratégia já está fadada ao fracasso, que é a estratégia de guerra às drogas”, afirmou Roberto Goulart Menezes à Agência Brasil. 

Embora se apresentasse como um político moderado, formulou medidas destinadas a enfraquecer as quadrilhas criminosas. Pretende promover reformas profundas nas prisões, com um sistema de segmentação que permitiria isolar os presos mais violentos e perigosos. Também quer criminalizar o consumo de drogas em pequena escala, criar um sistema de júri para crimes graves e investir em avanços tecnológicos, como drones e radares, para neutralizar o crime organizado nas estradas e fronteiras.

Para dar impulso ao seu plano anticrime, o presidente manifestou na semana passada a intenção de convocar um referendo para legitimar a imposição de medidas de segurança mais rigorosas.

Brasil acompanha com preocupação crise no Equador

O governo brasileiro informou nesta terça-feira (09/01) que acompanha com preocupação a onda de violência no Equador. Por sua proximidade com o Brasil e pela presença significativa de organizações criminosas nos dois territórios, a gravidade equatoriana põe em alerta o governo brasileiro, sobretudo pela influência que essas facções do crime organizado exercem em áreas da Amazônia. O país é parte integrante desse território, com importantes 120.000 km², correspondendo a 48% de todo o território nacional.

O Ministério das Relações Exteriores condenou as ações dos grupos criminosos e disponibilizou um número de telefone para brasileiros que moram no Equador. Na quarta-feira (10/01), países sul-americanos divulgaram uma nota em que dizem que irão “unir esforços de maneira coordenada” para combater a crise da segurança no Equador. 

O texto afirma que as nações manifestam “o mais enérgico rechaço à violência cometida por grupos relacionados com o crime organizado e transmite a explícita e inequívoca respaldo e solidariedade ao povo e as autoridades do Equador”. O documento foi assinado por Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Guiana, Suriname, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. 

A Polícia Federal (PF) também se colocou à disposição das forças de segurança do Equador e, em nota, informou que o diretor geral da instituição, Andrei Rodrigues, já esteve em contato com Cesar Zapata, diretor da Polícia do Equador, de acordo com entrevista à Folha de S.Paulo. 

O decreto de “Conflito Armado”, assinado pelo presidente Daniel Noboa, é um degrau acima do “estado de sítio”, ou da GLO (Garantia da Lei e da Ordem, constante da legislação brasileira), conforme explica o jornalista João Paulo Charleaux, especialista em conflitos internacionais e questões humanitárias. Segundo ele, “um termo técnico previsto no direito internacional e popularmente conhecido como guerra civil.”

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