Há um ano utilizando o sistema como método de ensino, professores e alunos ainda veem um futuro incerto a respeito do retorno às aulas presenciais. A chegada do segundo pico mais crítico da pandemia tem adiado um possível retorno às salas de aula

O mês de março chegou com uma das fases mais críticas da crise da Covid-19 no Brasil. Com o número de mortes chegando a quase dois mil por dia, os governos de vários estados decretaram a suspensão das aulas presenciais. Vivendo uma situação emergencial desde março de 2020, as escolas, alunos e pais tentam se adaptar a uma nova realidade; o EAD- Ensino a distância.

O EAD é um método de ensino que já vem sendo aplicado por instituições que usam os meios tecnológicos como ferramentas de aprendizado, utilizando uma plataforma virtual para disponibilizar material didático planejado especificamente, como módulos de aulas gravadas, conteúdo em PDF e com certa flexibilidade com relação aos horários. Através de plataformas digitais, os docentes podem realizar videoconferências com suas turmas e trazer seu conteúdo para o ambiente virtual.

Professora Cristiane Acácio Rosa

Cristiane Acácio Rosa é professora de desenvolvimento infantil e especialista em Tecnologias Educacionais, ela conta que, por lidar com crianças muito pequenas, no início da pandemia ela precisou desconstruir o seu conhecimento sobre dar aulas e reconstruir do zero e diz: “Precisamos primeiro conscientizar os responsáveis pelas crianças que era necessário sim, para o desenvolvimento, continuar com as atividades em casa”. Em seu canal no Youtube, ela auxilia professores e alunos no uso de tecnologias educacionais digitais. Cristiane comenta que, apesar da familiarização das crianças e jovens com a tecnologia nos dias de hoje, eles ainda precisam de auxílio em certos pontos, como no uso de plataformas digitais de aprendizado, editores de texto ou apresentações.

Sobre como a tecnologia pode ser usada para otimizar o sistema de educação remota, Cristiane comenta: “Nesse momento, a comunicação é essencial. Google Meet, Zoom e WhatsApp são ferramentas essenciais nesse momento. As salas de aula virtuais como o Google Classroom têm otimizado e muito o envio e gerenciamento de atividades”. Questionada sobre a capacitação de docentes e
alunos no uso das novas tecnologias, ela responde: “Concordo que docentes e alunos precisem estar melhor capacitados para o uso de tecnologias digitais na educação. Mas não é a tecnologia que vai provocar essa modernização e sim as pessoas que fazem parte do sistema de educação”, finaliza.

A decisão pela escolha do método de ensino a distância permitiu que crianças e jovens pudessem continuar acompanhando o conteúdo escolar de casa, via online. Um passo à frente graças à tecnologia, sem as ferramentas disponíveis hoje, provavelmente seria impossível. Por outro lado, existem pontos que precisam ser levados em consideração nesse momento; a falta do contato social , do contato físico e o aumento de tempo diante dos aparelhos eletrônicos. A experiência que nossas crianças e jovens vivem atualmente deixará marcas no futuro dessa geração?

Além dos alunos que precisam acompanhar suas aulas longe do ambiente escolar, outra parte também sente o impacto dessa mudança repentina que já dura um ano; os pais. Lidar com o trabalho, tarefas domésticas e ajudar os filhos com as atividades escolares tem deixado pais, mães e responsáveis sobrecarregados. Como lidar com essa realidade e  tantas responsabilidades?

A psicóloga Clínica e Educacional, Raquel Calixto Magalhães, concedeu uma entrevista ao Instituto Mulheres Jornalistas, explicando sobre os impactos dessa nova realidade na vida de alunos e pais.

MJ– Em decorrência da falta de contato físico e social com outros colegas, o ensino a distância pode trazer, de alguma forma, danos psicológicos para as crianças e jovens que estão assistindo aulas online já há um ano?

Raquel Calixto– Sim. Diante do isolamento social, em decorrência do novo Corona vírus (Covid-19), que assola o Brasil e o mundo, tanto as crianças quanto os adolescentes estão passando pelo processo da falta de contato dentro do contexto escolar. Penso que o principal prejuízo seja, de fato, a socialização. Estar em contato com outras pessoas, tende a ser fundamental para nosso processo de desenvolvimento enquanto pessoa e, uma vez que não ocorre, gera uma desorganização nessa habilidade, dificultando, assim, uma boa relação com questões que contribuem com a nossa constituição ao longo da vida: as trocas sociais e diversas competências que vem a partir de tais trocas. A ausência dessa relação pode potencializar angústias que, fora do contexto pandêmico, podem ser elaboradas por meio desse contato. Entretanto, como não há troca, crianças e adolescentes tendem a aumentar os sintomas de ansiedade e melancolia.

MJ– Entre as crianças pequenas e os jovens, há quem possa ser mais afetado pelo impedimento do contato físico, em ambiente escolar, ou estão todos propícios a sofrerem qualquer influência por essa experiência do distanciamento?

Raquel Calixto, psicóloga educacional

Raquel Calixto– Não há quem possa ser mais ou menos afetado, afinal, estamos falando de sujeitos diferentes que trazem consigo subjetividades ímpares. Partindo disso, os dois públicos são alvos dos prejuízos que a falta de contato acaba trazendo. As crianças quando precisaram “sair” dos espaços lúdicos permeados por diversas formas de aprendizagem, dentre elas as brincadeiras em grupos, a hora do lanche, do recreio, e a própria sala de aula. Já os jovens, podemos pensar no próprio processo de desenvolvimento da competência da empatia, já que estes, nessa fase, tendem a mostrar-se um tanto quanto individualizados frente à algumas relações sociais, além de prejuízos acerca da própria troca com os colegas que são tão necessárias no contexto escolar e, também, familiar.

MJ–  O fato das crianças menores, em alguns casos, praticarem em casa menos atividades motoras ou serem menos estimuladas do que normalmente seriam na escola, pode interferir ou atrasar seu desenvolvimento ou isso pode ser recuperado sem problemas após o retorno das atividades escolares?

Raquel Calixto– Pensando no contexto em que cada criança está inserida, a resposta é sim. Esse fato pode interferir no desenvolvimento. Parte-se do princípio que, antes mesmo das suas casas terem se transformado nos seus espaços de aprendizagem (falando do âmbito sala de aula) é importante pensar quem está por trás desse espaço, no caso os pais e/ou responsáveis. Podemos pensar que a saúde mental desses pais, acabam se entrelaçando na relação com os filhos. Na escola, as crianças buscam agir de maneira autônoma, sem a interferência dos pais, sejam a partir das trocas, brincadeiras, jogos e da própria prática das atividades. Quando os pais já estão tendo que dar conta de todas as suas atividades de casa e trabalho e se pegam tendo que dar conta de substituir esse espaço da escola, acabam sendo acometidos por um acúmulo de estresse e consequentemente pouco tempo e criatividade para estimular as crianças. Portanto, a recuperação para algumas possíveis grandes perdas, não podem ser garantidas apenas no retorno à escola, afinal, nem os pais e nem a própria instituição de ensino têm em mente quando tudo isso irá passar. O ideal é que os pais, juntamente com suas crianças, busquem usufruir de tempos livres para mais interação física e mental, aliviando, com isso, fatores que geram acesso ao estresse, ansiedade e angústia.

MJ– Atualmente, o uso de dispositivos eletrônicos começa a fazer parte da vida das crianças bem cedo e, estando por muito tempo em casa e com as aulas através desses dispositivos, o tempo de uso aumentou. Isso pode acarretar riscos com relação à concentração e aprendizado? Entre outros?

Raquel Calixto– É importante salientar que a aprendizagem também necessita das trocas sociais e que, infelizmente, a modalidade do ensino remoto trouxe uma impossibilidade nessas relações. Quanto mais tempo essas crianças passam em frente às telas, mais cuidado os pais têm que ter diante dessa exposição, tanto em relação aos dispositivos eletrônicos, quanto ao próprio acesso à internet. Os riscos estão propensos a acontecer diante do cansaço que é sentido pelos alunos e que acabam interferindo na relação ensino-aprendizagem, além do processo de construção do saber que se dá na relação presencial, com o olhar, sim, cores e movimento. Para que isso não venha a acontecer com grande intensidade, é interessante que os pais organizem uma rotina de estudos com seus filhos, dividindo ao longo do dia, horários específicos para cada atividade que compõe a rotina da criança. Uma rotina organizada, além de proporcionar uma maior visibilidade e eficácia, é um fator que gera grande desenvolvimento de responsabilidade e autonomia.

MJ–  A rotina do ensino a distância tem sobrecarregado não apenas os alunos, mas também os pais. Como os pais e/ou responsáveis podem amenizar esse atrito e a rotina com os filhos confinados?

Raquel Calixto–  É fato pensar que os pais têm cobranças internas diante das responsabilidades que envolvem diversas questões, como os cuidados com os filhos, com a casa, com o trabalho, financeiras, tempo, dentre outras. Podemos pensar que usar da criatividade para tornar o momento “off” mais prazeroso, pode ser uma forma de amenizar esse atrito. É importante que haja uma válvula de escape para a sobrecarga que a família apresenta, direcionando momentos de altas demandas emocionais para momentos de lazer, distração e alegria. Proporcionando para ambos um espaço de reorganização e leveza.

MJ– De que forma a Pandemia poderá marcar os jovens e crianças da geração atual?

Raquel Calixto– Grandes são os impactos que esse público vem sentindo, por todas as questões que os envolve. É possível pensar que além da dificuldade de concentração e irritabilidade, a ansiedade se mostra cada vez mais intensa tendo em vista as marcas que a pandemia tem deixado ao longo de um ano. Níveis altos de estresse, diante de fatores desafiadores, demarcam a necessidade de vivenciar as situações com um olhar focado para o momento presente, com a finalidade de nos desprendermos mais em relação às expectativas futurísticas. A conexão elevada com a internet pode ser uma grande marca deixada nos jovens, tendendo a deixá-los cada vez mais conectados e distantes de momentos de interação social. Já nas crianças, o desenvolvimento, a linguagem e a disposição na aprendizagem, podem ser as marcas que venham a afetá-las. Diante disso, a comunicação continua sendo o melhor canal para minimizar os impactos que a pandemia vem deixando na relação familiares.

MJ– As reações, consequências decorrentes do confinamento, do tempo longe da escola, podem ser agravadas por fatores externos? A situação social ou situação familiar podem ser fatores de peso?

Raquel Calixto–  Todo esse tempo longe da escola, gerado pela pandemia do corona vírus, determina uma vivência totalmente atípica. Pensar nesse distanciamento chega a ser bastante confuso por nunca ter feito parte das experiências, diariamente comuns. Fatores sociais e familiares podem se sobressair diante da ausência dos filhos à escola, pois acabam afetando diretamente a relação entre as famílias. O acesso à internet não é possível a todos os alunos e, esse fator, é bastante considerável e difere no aprendizado, causando diferentes prejuízos a cada um. Para além disso, os professores e os pais também tiveram que se adaptar ao novo formato, ocasionando grandes desgastes emocionais durante a execução das atividades e o acompanhamento aos filhos. Portanto, tudo o que antes era desconhecido e segue sendo “cobrado” nesse novo normal, tendo a influenciar nas reações que demarcam esse tempo longe da escola.

SALA DE CASA, SALA DE AULA

Assistindo aulas de casa desde o ano passado, a estudante Kauanny Vitória Lopes (15) está no segundo ano do ensino médio e conta que, no início da pandemia, se adaptou fácil ao ensino a distância, pois já havia tido experiências com aulas online em sua escola, mas, conta que o fato de agora precisar ter todas as matérias no método online, precisou de mais tempo para entrar no ritmo. A estudante comenta que o fato de já ter familiaridade com o uso de dispositivos eletrônicos a ajudou na adaptação com as plataformas de ensino. Ela afirma que vê o EAD de forma positiva como meio de evitar a proliferação do vírus da Covid-19.

Kauanny Vitória e sua mãe Sandra Maria

A mãe de Kauanny, a modelista Sandra Maria Lopes, diz que diante da situação atual, acredita que o ensino a distância é a opção mais segura: “Como mãe, me sinto mais segura com ela estudando em casa, porque o vírus está aí. Alguns meses atrás, a gente já estava se preparando quase que com certeza de que ela iria voltar sim, mas do jeito que está hoje, agora, eu não me sinto segura em enviá-la para escola”.

Sobre ter a filha por mais tempo em casa, Sandra relata: “Com certeza trouxe experiências bem diferentes, porque de alguma forma, estudando em casa, você tem obrigação de estar fiscalizando, vendo se realmente está cumprindo o horário direitinho, porque em casa tem aquela coisa de achar que pode estar levantando a qualquer momento e eu sempre fico falando , alertando que tem que estar sempre cumprindo os horários. É uma preocupação a mais, porque você acaba fazendo o papel que ,de alguma forma, a escola estava vendo. Então, são teus olhos agora que vão ver se está tendo um bom comportamento em sala de aula que, no caso, agora é na sua casa”, comenta.

Professora Pamela Lima

Enquanto os alunos assistem às aulas de casa, do outro lado, os profissionais da educação buscam desenvolver formas dinâmicas para manter suas turmas engajadas durante as videoconferências. Pamela Lima é professora de língua portuguesa do ensino médio, ela diz que com a decisão do ensino a distância, desenvolveu métodos e material para utilizar nas aulas online: “Cheguei a desenvolver apresentações no PowerPoint com animações e gifs que chamassem a atenção dos alunos e fizessem-nos refletir sobre o assunto discutido na aula, bem como propus a realização de jogos de perguntas e respostas – quizzes – para a revisão dos conteúdos estudados.”, relata.

Sobre o papel da tecnologia dentro contexto atual da educação, Pamela diz: “Sem dúvidas, a tecnologia tem contribuído tanto na viabilização da comunicação entre professores e alunos, por meio dessas plataformas como Google Meet, Zoom e até mesmo Whatsapp, quanto no próprio processo de aprendizagem destes. Visto que, com a tecnologia, dispomos de uma grande variedade de recursos interativos que, se bem aproveitados, podem estimular o interesse e, consequentemente, a compreensão, por parte dos estudantes, dos conteúdos que abordamos em sala de aula”, conclui. Questionada sobre o ensino a distância como a opção para o momento atual, ela relata: “Esse é um assunto delicado, pois há situações em que os alunos não têm um devido acompanhamento em casa para que mantenham o compromisso de participar das aulas, o que pode comprometer o processo de aprendizagem. Há alunos que também não possuem recursos tecnológicos e, por isso, não acompanham as aulas. No entanto, diante do atual contexto, a prioridade é a manutenção do isolamento social e a modalidade de ensino remoto tem sido a ‘solução’ mais viável”.

Já a professora do ensino fundamental, Karoline Pontes, conta que foi necessário vencer seus problemas com a câmera para prosseguir com as aulas online: “Tenho problemas com uma câmera na minha frente, então não olho para minha janelinha quando estou on-line, me desestabiliza emocionalmente”, comenta de forma humorada.

Professora Karoline Pontes

Questionada sobre se o fato das crianças e jovens terem mais contato com os eletrônicos, hoje em dia, permitiu que eles tivessem mais facilidade com o ensino a distância, Karoline comenta: “Incialmente foi difícil perceber a tecnologia como ferramenta de ensino e aprendizagem, já que a visão de escola para eles era bem diferente. Com o passar do tempo, se familiarizaram com a plataforma online que utilizamos e descobriram funções antes mesmo de nós, professores, o que também ajudou muito. Precisaram de nossa orientação para uso devido, sem exagero (muito tempo em exposição a uma tela) e nos momentos adequados (após as aulas)”. Ela relata a importância do ensino presencial, mas ressalta que o momento exige prudência: “Na situação em que ainda estamos, o ensino remoto é o que é possível para muitos, e os professores continuam se empenhando em fazer o melhor para todos que estão do outro lado da tela”, afirma.

Para saber mais sobre as novas tecnologias dentro da educação, a repórter Daniele Haller, do Instituto Mulheres Jornalistas entrevistou Raquel Regina Valduga Schöninger, diretora de educação fundamental da Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis. Raquel é Doutora em Educação e professora de Tecnologia Educacional.

Raquel Regina Valduga- diretora de educação fundamental da Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis

MJ- Para os profissionais da educação, como foi lidar com a experiência do ensino a distância? O que foi preciso para se adaptar à nova realidade?

Raquel Valduga- Pensar ensino a distância no âmbito da Educação Básica foi, realmente, assustador inicialmente, afinal o contato presencial e a socialização é a base das relações sociais nesta faixa etária. Aqui, na rede municipal de ensino de Florianópolis, desenvolvemos um portal educacional, onde todas escolas foram e são autores dos seus conteúdos e atividades pedagógicas. E ao longo do ano passado ampliamos as interações com vídeos chamadas, aulas síncronas, rádios online, disponibilizamos muitas formações aos professores e, a meu ver, ainda estamos nos adaptando ao novo formato das aulas.

MJ- Você acredita que a experiência atual irá causar uma mudança definitiva do sistema de educação?

Raquel Valduga- Acredito que não uma mudança definitiva com relação ao currículo, mas com certeza já modificou a prática pedagógica, pois muitos professores perceberam que as tecnologias potencializam outras relações e outras aprendizagens, que é possível, para além do espaço físico da escola, ensinar e aprender. E, também, que nenhuma tecnologia substitui o professor.

MJ- Para os professores, quais as vantagens que o ensino a distância com uso da tecnologia pode trazer?

Raquel Valduga- As tecnologias auxiliam no planejamento das atividades e na diversidade metodológica. Ela nos auxilia, inclusive no mapeamento dos interesses dos estudantes, pois através de formulários podemos elaborar e aplicar avaliações diagnósticas para melhorar nossa prática pedagógica.

MJ- Como a tecnologia educacional pode ser utilizada para otimizar o sistema de educação remota?

Raquel Valduga- Sem a tecnologia não conseguiríamos organizar as aulas remotas, pois precisamos das mídias sociais para fazer o chamamento das famílias, mesmo que seja para a entrega das atividades impressas. As redes que investiram ao longo dos anos em internet de boa qualidade, equipamentos, formação e, principalmente, na contratação de professores de tecnologia educacional, estavam e estão melhor preparadas para a realidade atual.