Empresas exigem inglês, mas apenas 5% dos brasileiros dominam a língua
Por Daniele Haller, Jornalista – Alemanha
daniele.haller@mulheresjornalistas.com
Editora Chefe: Letícia Fagundes, Jornalista
Achar uma vaga na sua área profissional deixou de ser o único empecilho na vida dos brasileiros que, atualmente, além de um currículo profissional qualificado, precisam ter o inglês como língua estrangeira
Tem se tornado cada vez mais comum o número de empresas que oferecem vagas de emprego, mas exigem o inglês como requisito. Tais exigências estão ligadas ao número de multinacionais que têm crescido nos últimos anos no País, além da aceleração do trabalho digital, que possibilitou o aumento de profissionais nômades, mas esse pré-requisito vai contra uma realidade da população brasileira, poucos têm acesso a um ensino de língua estrangeira de qualidade.
Segundo pesquisa desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa Data Popular, em conjunto com a British Council, apenas 5% dos brasileiros falam inglês, no entanto, somente 1% domina fluentemente a língua. De acordo com a pesquisa, esse resultado pode estar ligado a inúmeros fatores, como as oportunidades educacionais que os alunos têm acesso, estrutura inadequada para um ensino da língua, turmas com número elevado de alunos, além de uma carga horária insuficiente e a dificuldade de encontrar professores com formação adequada.
Para compreender essa grande demanda das empresas por funcionários que dominem a língua, é necessário analisar o contexto do mercado mundial, onde as relações entre as multinacionais têm se estreitado mais ainda com diferentes países. Ao se candidatar para uma determinada vaga, é possível acreditar que para exercer tal profissão você não irá precisar do inglês e, por esse motivo, muitos acabam pecando na hora de fazer o currículo, colocando o inglês com o nível intermediário, mesmo sem dominar. Porém, dependendo do porte e das relações da empresa, um funcionário com um bom nível de inglês tem uma oportunidade maior de ocupar cargos mais altos e, em situações como estas, ele precisará dominar a língua fluentemente.
Nesse contexto, podemos encontrar dois tipos básicos de gestão de empresas, o modelo burocrático e o modelo empreendedor. As empresas burocráticas são consideradas aquelas que preferem contratar um funcionário já “pronto”, sem precisar ter gastos com cursos ou perda de tempo para alcançar o resultado esperado. Nesse caso, essas empresas costumam contratar pessoas que já possuem um certo nível de inglês e, no máximo, realizam cooperações com escolas de línguas privadas, onde seus funcionários podem frequentar um curso de inglês com um desconto que pode variar de 10% a 20%, com aulas fora do horário de trabalho.
Já as empresas vistas como empreendedoras têm uma visão diferente, enquanto a outra considera a qualificação dos funcionários como um gasto, ela vê como investimento. Esse tipo de empresa acredita que investir na qualificação dos seus empregados pode gerar um incentivo, além de proporcionar até mesmo que esses cursos de qualificação possam acontecer em ambiente de trabalho, podendo arcar com os recursos financeiros. As que usam o modelo empreendedor, costumam realizar convênios com escolas de línguas onde os funcionários podem obter até 50% de desconto nas mensalidades.
O Catho, site de oferta e busca de empregos, realizou uma pesquisa onde apontou que ter fluência na língua estrangeira pode aumentar o salário até 60%, dentro de um mercado onde 50% das vagas oferecidas já exigem o inglês, no Brasil. A chegada de multinacionais no País, como a Amazon e Uber, por exemplo, acabou aumentando a necessidade desse requisito. Em alguns casos, o processo de seleção pode ocorrer totalmente em inglês. Os recrutadores buscam profissionais com domínios como fala e compreensão, para facilitar o contato com clientes ou fornecedores de outros países e, em alguns casos, as próprias empresas investem em cursos para seus funcionários, os adequando às necessidades do mercado.
Situações como estas escancaram a realidade devastadora que existe nas questões sociais do Brasil. O inglês pode trazer grandes possibilidades de promoção e qualificação profissional, mas quem são as pessoas capazes de arcar com uma formação desse nível? Segundo a pesquisa do Data Popular, apenas 3,4% das pessoas de classe média aparecem como fluentes na língua, um número que nos faz questionar a eficácia e a qualidade do ensino do inglês nas escolas públicas. A opção de cursos intensivos e escolas particulares de línguas , infelizmente, está longe do acesso da maioria dos brasileiros, que precisam se dividir entre a formação, estudos, trabalho e, em alguns casos, manter a família com uma única renda. Tais fatos podem se tornar um grande empecilho na escolha de optar ou não por um curso particular.
Contexto escolar
A regulamentação do ensino do inglês no Brasil é dividida em diversas instâncias, entre elas, as duas principais, que são a federal e estadual/municipal, responsáveis pela articulação básica da educação brasileira. A esfera federal se responsabiliza pela oferta de material didático e orienta com relação ao conteúdo que deve ser ofertada em cada disciplina, levando em consideração os temas mais importantes de acordo com o ano letivo. No entanto, não existe nenhuma lei ou diretriz que torne o ensino do inglês obrigatório, a LDB, Lei de Diretrizes e Bases, determina apenas que uma língua estrangeira seja ofertada nas escolas Fundamental II e Ensino Médio, mas a escolha por qual língua é definida pela secretaria estadual ou municipal. Esse é um dos motivos pelo qual muitas escolas oferecem a língua estrangeira, mas nem sempre o inglês.
No aspecto estadual e municipal, as escolas têm liberdade, dentro das diretrizes, de decidir sobre a língua que será ensinada, assim como a carga horária, a grade curricular e atividades extracurriculares. Na pesquisa do Data Popular consta: “Esta situação confere ao inglês, quando é oferecido, um papel marginal na grade curricular, o que pode ser percebido pela carga horária menor da língua estrangeira, quando comparada à de outras disciplinas”.
O Instituto Mulheres Jornalistas conversou com Débora Pedroni, professora de Inglês e português para estrangeiros, também tradutora. Ela nos conta sobre questões que envolvem o baixo desempenho dos brasileiros no domínio da língua inglesa.
MJ- Por que é tão comum, hoje em dia, as empresas exigirem o inglês como a primeira língua estrangeira principal para ocupar uma vaga?
Débora Pedroni- Na verdade, a demanda pelo inglês já é bem antiga. Teve uma época que a preferência foi pelo mandarim, em áreas que se precisava mão de obra para trabalhar na China, com importação e exportação, mas o inglês sempre foi a língua alvo exigida pelo mercado de trabalho. Acho que por fatores econômicos (EUA como potência mundial atual, Inglaterra como grande colonizadora no passado) e históricos.
MJ- Segundo uma pesquisa do Data Popular, 5% dos brasileiros falam inglês, mas apenas 1% domina a língua fluentemente. Esse fator pode estar ligado às questões sociais?
Débora Pedroni- Infelizmente, essa é uma realidade chocante e que não tem previsão de mudanças ou melhorias. Quando eu dava aulas no sistema público em 2008, os alunos não tinham nenhum tipo de motivação por acreditarem que nunca sairiam do lugar onde estavam. Era uma realidade muito distante para eles.
MJ- Você acredita que a grade curricular oferecida nas redes públicas, atualmente, em línguas estrangeiras, poderia ser mais valorizada e, consequentemente, gerar um resultado melhor no futuro dos jovens?
Débora Pedroni- Sim. Como eu citei anteriormente, não existe e acho que nunca existiu um currículo forte para que o aluno da escola pública tenha uma base boa em língua estrangeira. Diferente do que acontece no exterior, onde a criança tem não só uma matéria estrangeira, como 3 a sua escolha.
MJ- Qual seria motivo da maioria das pessoas que fizeram um curso completo de inglês ainda não dominarem a língua de forma tão fluente?
Débora Pedroni- Pode estar ligado a vários fatores, além dos psicológicos mencionados, um método não apropriado ao tipo de aprendizado do aluno, o professor. Sem contar que o estudo vai além da sala de aula, ou seja, não adianta ter 3 horas de aula semanais e no restante do dia não praticar.
MJ- Quais as diferenças que um professor de inglês pode se deparar ensinando em uma escola pública e uma privada?
Débora Pedroni- Acho que a quantidade de alunos em sala de aula, o material e a estrutura disponíveis.
Em um ano onde o mundo passa pelas consequências econômicas deixadas pela crise Covid-19, parece contraditório ter tantas ofertas de emprego, mas sem candidatos capacitados por não dominarem uma língua estrangeira. Se faz necessário encontrar meios que possam ir de encontro com ambas as realidades, a necessidade de uma estrutura melhor de ensino do inglês nas escolas e uma maior oferta de cursos oferecidos pelo governo, assim como também o investimento das empresas, na capacitação de profissionais que, recebendo a qualificação necessária pela própria empresa, poderão tampar esses “buracos” no déficit de pessoas capacitadas.