Empreendimentos que nasceram na pandemia
Por Daniele Haller, Jornalista – Alemanha
daniele.haller@mulheresjornalistas.com
Editora Chefe: Letícia Fagundes, Jornalista
Diante da crise em que o mundo vive, muitos empresários se viram obrigados a fecharem seus negócios por não terem condições de manter o empreendimento, no entanto, a pandemia também acabou gerando uma oportunidade para outras pessoas que precisaram se reinventar profissionalmente e investirem em novas ideias.
De acordo com o Sebrae, o Brasil tem, atualmente, 11,3 milhões de microempreendedores individuais, deste número, 2,6 milhões desses empreendedores entraram no mercado ainda no ano de 2020. Para muitos, pensar em investir em um novo negócio durante uma crise econômica parece um pouco fora de lógica ou de alcance, mas não foi algo impossível para algumas pessoas que viram na pandemia a oportunidade de investir em um novo segmento ou colocar em prática planos antigos. Parece difícil imaginar como é possível erguer um negócio em um momento em que o Brasil passa por um aumento acelerado no número de desempregados e o aumento da inflação, que tem afetado drasticamente a vida do consumidor, mas, das próprias necessidades que surgiram na crise, nasceram também ideias que deram certo além do papel.
Comida caseira, produto artesanal, assistência pedagógica, são inúmeras as possibilidades e ideias que nasceram e fizeram surgir novos negócios e jovens empresários. A necessidade ou o medo da instabilidade financeira, muitas vezes, pode andar de mãos dadas com a criatividade, mas é preciso ter persistência, garra e acreditar no próprio potencial. A esperança por dias melhores e por uma alternativa de renda foram catalisadores na hora de tirar os planos da cabeça e torná-los realidade.
Colocar em prática um plano que já estava em mente foi exatamente o que aconteceu com a bióloga Sherida Ferreira Pinheiro de Mesquita, de Fortaleza. Ela é formada em aromaterapia, tem especialização e mestrado e, antes da pandemia, trabalhava como professora de ciências, por meio período. Sherida explica que o desejo de trabalhar com cosmetologia natural nasceu antes da pandemia, mas foi no início da crise da Covid-19 que iniciou o seu negócio: “Eu já tinha planejado tudo, fiz plano de negócio, conheci fornecedores, embalagens, logo, rótulos, tudo. Estava planejando abrir meu negócio em maio de 2020, quando a pandemia tomou o país. Me assustei muito e adiei o lançamento da Sertão de Folhas. Foi como se o modus operandi tivesse que mudar e o foco era outro naquele momento. Eu não conseguia pensar em lançar nada no meio do boom da Covid-19. Algumas vezes, acreditei que não daria certo, que seria um ‘tiro no pé’, mas em julho do mesmo ano, decidi que ia com medo mesmo! Abrir um negócio no meio do furacão, para mim, foi a redefinição da palavra arriscar”, comenta.
No meio da crise Covid-19 nasceu a “Sertão de Folhas”, uma marca de cosméticos naturais que trabalha com a conscientização da sustentabilidade, menos plástico e consumo consciente. Logo no início, Sherida não imaginava que a venda de seus produtos iria dar um retorno tão rápido, mas para sua surpresa, as vendas rapidamente saíram do círculo de amizades para um público maior, adquirindo clientes fiéis logo no começo: “Os depoimentos das pessoas usando os produtos e obtendo bons resultados também me faz muito feliz! Um exemplo: teve gente com problemas sérios de oleosidade no cabelo que era preciso tomar medicamento para controlar e conseguiu obter um resultado melhor, só usando um dos nossos shampoos sólidos”. Apesar dos resultados positivos, a empresária conta que é necessário se organizar por conta de algumas dificuldades, como cuidar do filho e administrar o negócio. Sozinha, Sherida cuida de todo processo, desde a escolha da matéria-prima até a entrega do produto. Com as limitações por conta da pandemia, ela realiza suas vendas através de plataformas online e aplicativos, e conta que já tem em planos abrir uma loja online e vender para todo o Brasil.
A educação foi um dos setores que mais precisou passar por adaptações que permitissem que o trabalho de aprendizagem pudesse continuar e não interromper a continuidade nos estudos dos alunos, um grande desafio para educadores. Lilian Garcia é uma dessas profissionais, ela atua há 19 anos na educação, passando por vários setores como professora de ensino fundamental até docente em cursos de Graduação e Pós-Graduação, ela percebeu as novas necessidades que a pandemia trouxe para os alunos, vendo ali a oportunidade de colocar em prática algo que já planejava, um consultório de psicopedagogia.
Apesar desse sonho já fazer parte de seus planos, a psicopedagoga comenta que não havia data definida para realizá-lo, no entanto, a pandemia o adiantou: “Ao final de 2020, e após participar da implantação e construção das diretrizes do ensino remoto para a educação infantil no meu município, me vi diante de um cenário repleto de reflexos decorrentes da realidade imposta pela pandemia da COVID 19. Me vi diante da oportunidade de, primeiramente, poder utilizar a minha experiência adquirida no decorrer destes anos para ajudar pessoas com baixo desempenho escolar e de aprendizagem. Em contrapartida, tinha a certeza de que o público alvo seria maior após o período de ensino remoto, considerando que aspectos culturais e sociais levaram muitos alunos a não conseguirem se adaptar a esta nova modalidade de ensino”, relata Lilian.
Sem recursos financeiros para investir sozinha em uma clínica particular, Lilian buscou outros caminhos para alcançar seu objetivo, procurando parceiros que pudessem compartilhar com ela o ambiente de trabalho, diminuindo custos e permitindo que ela iniciasse seu empreendimento com capital menor. Atualmente, ela divide salas com outras profissionais da área de fonoaudiologia, psicologia e terapia ocupacional, em Arcos, no estado de Minas Gerais. Depois de ter encontrado um lugar para iniciar seu trabalho, ela comenta que partiu para a divulgação do seu projeto e, positivamente, viu sua meta de atendimento de um semestre ser alcançada em apenas dois meses.
Apesar das dificuldades que ainda precisa enfrentar pelas interrupções de atendimentos em decorrência das medidas de prevenção, ela afirma que deseja seguir e expandir seu consultório: “Não só continuar com os atendimentos como expandir para cursos e capacitações de profissionais da educação e familiares. Já tenho projetos sendo desenvolvidos para a oferta dos cursos na modalidade online, como, por exemplo, uso de novas tecnologias para educadores, orientação a pais e familiares no apoio escolar aos seus filhos, formação continuada para equipes da educação de municípios, entre outros”, finaliza.
Independentemente de qualquer crise, tem algo com o qual ninguém pode deixar viver e, consequentemente, continua gerando renda durante a pandemia; o setor alimentício. Liviane e Gildésio Cardoso são proprietários do Cuscuzeiros.Ce, em Fortaleza. Com um local fixo de atendimento, o casal viu na venda de cuscuz e outros pratos típicos, uma oportunidade de gerar renda durante a pandemia. Liviane conta que sempre gostou de cozinhar e que é apaixonada por cuscuz, alimento que não pode faltar no prato de muitos nordestinos. Passando pela pandemia sem emprego fixo e o marido recentemente demitido, Liviane e sua mãe tiveram uma ideia durante o café da tarde; vender cuscuz: “Ele é perfeito, a sustância para um dia cheio e se encaixa em qualquer ocasião, pois combina com tudo”, comenta.
O Cuscuzeiros.ce existe há quase nove meses e já é um sucesso. Diariamente, o casal vende de 50 a 60 porções de cuscuz, além de outras opções, como tapioca, crepe e outros tipos de pratos disponíveis no cardápio. Entre o mais pedido de todos, está o “Custudo”, segundo a proprietária: “Nosso carro chefe é o Custudo, que veio da junção de cuscuz com tudo. Nele, vem todos os ingredientes do nosso cardápio e muito amor, é claro!”. Com o decreto de lockdown que continua valendo no estado do Ceará, a loja do casal precisou passar a atender apenas por delivery, retirada ou por aplicativo, mas, mesmo assim, as vendas continuam aumentando: “Devido o aumento de pedidos, estamos pensando em contratar mais um motoqueiro para atender nossa demanda”, explica Liviane.
Exemplos como estes nos trazem uma esperança diante de um cenário tão trágico o qual o Brasil tem vivido, onde o medo do desemprego, a fome e a insegurança já assola o país. Montar o próprio negócio seria a saída ideal para muitas pessoas, mas como fazer isso durante pandemia? Alguns já têm em mente ideias que gostariam de colocar em prática, outros, mantêm o desejo, mas não sabem por onde começar. Para ajudar a esclarecer essas dúvidas, conversamos com a jornalista Juliana Albanez, especialista em venda para mulheres, pequenas e micro empreendedoras. Juliana Albanez é autora do método Help to sell (Socorro para vender), que atua desde a prospecção, abordagem, argumentação, negociação até o pós-vendas ,viajando pelo mundo oferecendo palestras e treinamentos para empreendedores.
MJ- Por que a Pandemia pode ser a oportunidade de se reinventar em um novo negócio?
Juliana Albanez- Em toda história da humanidade, sempre que houve grandes crises, seja econômica, social ou de saúde pública, também foi o momento de descobrirmos grandes oportunidades para nos reinventarmos. Foi assim depois da gripe espanhola, depois da quebra da bolsa e depois de grandes guerras. E, neste momento que estamos vivendo, não é diferente, porque são momentos de mudanças e de grandes transformações pessoais, momentos de questionar a vida, a nossa felicidade e o que pode ser melhorado, e esse é o principal gatilho para iniciar grandes e novos projetos.
MJ- Como é possível iniciar um empreendimento diante das primeiras dificuldades que surgiram com a Pandemia? Como a instabilidade com a renda fixa, por exemplo.
Juliana Albanez- É um grande desafio. 89% dos pequenos empreendimentos sentiram o impacto da pandemia de alguma forma.
Mas é possível minimizar esse impacto como buscar alternativa online, delivery e implementação de atendimento via WhatsApp e redes sociais . Porém, precisamos sempre pensar que não adianta novas medidas na empresa quando não há uma mudança de dentro para fora, de forma orgânica. Nesse momento de pandemia é necessária uma redefinição de metas, redefinição de custos. É hora de cortar custos e gerar receita. Aliás, custos são como unhas, precisam ser cortados constantemente. O momento é ideal para montar e atualizar a planilha de custos, renegociar com fornecedores e conhecer novos números do trabalho home office. E cuidado, tente comunicar a equipe sobre tudo que, de fato, ela precisa saber. A boa comunicação em momentos difíceis minimiza fofocas e sensação de instabilidade.
MJ- Quais os primeiros passos para quem deseja iniciar um negócio, independentemente do tamanho, nesse momento?
Juliana Albanez- Primeiro passo é entender muito bem qual problema você resolve de forma eficiente. Segundo passo é analisar quem precisa também solucionar esse problema. Onde está essa pessoa? Quais os hábitos? Entender esse cenário é fundamental. Outro ponto é conhecer sobre educação financeira. Por uma questão estrutural, o brasileiro não tem acesso à educação financeira e quando se vê querendo empreender, não tem conhecimentos básicos sobre o assunto. O empresário precisa saber, por exemplo, a diferença entre lucro e caixa, afinal, um negócio pode viver anos sem lucro, mas não vive meses sem caixa. Entender essas questões de finanças é muito importante. E como vai entregar seu produto ou serviço? Cuidar das redes sociais e de como será a estratégia de e-commerce é outro aprendizado que a pandemia nos trouxe para novos negócios.
MJ- De que forma as redes sociais podem auxiliar nesse processo?
Juliana Albanez- São inúmeras as vantagens de estar presente em redes sociais. Dentre elas estão: tráfego para o seu site, mais oportunidades de impacto, construção de autoridade, divulgação, mensuração, engajamento e satisfação dos clientes, prospecção de novos clientes, força em estratégias de SEO, fidelização de clientes, conhecimento sobre seu público-alvo e redução dos custos de marketing.
MJ- Quais dicas você deixa para aquelas pessoas que desejam iniciar um negócio, mas não tem noção de qual segmento e nem por onde começar?
Juliana Albanez- Liste seus interesses, é muito bom quando começamos algo dentro de um universo que gostamos e isso inclui conhecer muito bem seus pontos fortes dentro desse processo de autoconhecimento.
Estude, se planeje, e tenha um planejamento. Com tantos cursos online, palestra, e material gratuito nas redes é muito fácil se capacitar hoje. Conheça tudo sobre seu novo negócio, riscos, mercado, público alvo e comportamento. Esse é o primeiro passo para um bom planejamento.
Abra um negócio de forma legal . É muito comum a empreendedora começar algo de forma ainda amadora e sem os cuidados legais e aí, mais dia ou menos dia, a dor de cabeça vem. Comece bem, comece legal. Com a documentação correta, você poderá ficar mais tranquila e focada no sucesso de seu negócio!