Por: Haline Farias, jornalista
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Chefe de reportagem: Juliana Monaco, jornalista
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, jornalista

Na graduação, o ensino à distância teve um crescimento de mais de 400% no índice de novos matriculados nos últimos 10 anos

O EaD na graduação tende, mesmo após reabertura das universidades, a ser um setor a crescer e se consolidar cada vez mais. Imagem: Reprodução/Pexels/August de Richelieu

A chegada do “novo normal” com a  pandemia da covid-19, em março de 2020, acarretou em diversas transformações sociais, adoção de novos hábitos e imposição de restrições. Devido à necessidade do distanciamento social, muitos setores precisaram ficar fechados por serem locais com grande probabilidade de propagação do vírus. As instituições de ensino foram consideradas um destes ambientes e, então, logo foram fechadas em todo o mundo. Com isso, 1,5 bilhão de alunos foram retirados de escolas e universidades, segundo a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

Com o passar do tempo, foi preciso se adaptar à essa nova realidade e fazer a vida acontecer em meio ao caos. Na educação, a melhor solução para retomar as atividades foi o ensino remoto, que fez com que fosse possível, ao menos, mesmo com todos os desafios e lacunas, garantir o cumprimento dos dias letivos exigidos em lei. Então, mesmo com alguns prejuízos, essa solução funcionou significativamente.

Caroline Gonçalves é estudante de arquitetura e urbanismo na Universidade Federal da Bahia (Ufba) e experienciou esse momento. “De repente”, se viu tendo aulas online em um curso que até então era presencial. “As instituições de ensino só tinham duas opções: ou aderiam ao ensino remoto ou paralisavam as aulas. […] a alternativa mais viável foi continuar com as aulas dessa maneira”. Ela conta que o processo de implementação desse modelo de ensino foi feito de forma gradual: “foi necessário um tempo para se adaptar às plataformas de ligação por vídeo, um novo cenário para muitos professores e alunos […]”. A estudante relembra que docentes e discentes precisaram passar por adaptações e contornar limitações, como aprender a lidar com um novo cenário de sala de aula e estratégia de ensino; e enfrentar problemas técnicos, como a instabilidade com a internet ou um microfone que não funciona direito. Ela comenta que, agora, mais de dois anos depois, as pessoas já estão mais habituadas, e dominam melhor as ferramentas e os processos para uma aula virtual.

O EaD, como é chamado o ensino à distância no Brasil, não é algo novo ou incomum para nós e já vem há muitos anos atraindo milhões de estudantes. Porém, dentro de um momento que necessitava de ações urgentes como uma pandemia, um novo modelo precisou ser instituído: o Ensino Remoto Emergencial (ERE), uma medida provisória que tem como base o ensino à distância. O professor de jornalismo da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Vitor Braga discute que foi feito o que era possível dentro das condições, mesmo que diferente do já consolidado EaD.

O professor Vitor comenta que foi um processo cheio de obstáculos para aderir ao ERE, mesmo para ele que já tem certa destreza e proximidade com tecnologias online. Imagem: Reprodução/Oliver Kornblihtt

“Diante de uma situação de urgência, em que as pessoas não podiam estar presentes fisicamente, estratégias foram pensadas para que esse ensino acontecesse de forma remota, lidando com as adversidades. A gente contava que não seria para sempre, em algum momento teríamos que voltar a se encontrar e as aulas voltariam a ser presenciais”.

Vitor explica que algumas especificidades diferenciam o ERE do EaD, como estruturas físicas para suporte e tutores de disciplinas. “No ensino à distância, existe um professor que prepara o módulo da disciplina, as aulas, slides, textos, vídeos etc, e disponibiliza para a faculdade, a qual contrata um tutor que possa passar aquelas aulas […]”. O EaD tem uma pedagogia própria, estrutura, ferramentas e estratégias já previstas, na qual há uma plataforma de ensino e aprendizagem, e uma preparação por parte dos docentes e discentes. 

 

Ensino remoto é a mesma coisa que ensino à distância?

O EaD é um modelo de ensino já padronizado e solidificado, com ferramentas e metodologias já pré estabelecidas. O ingresso nessa modalidade não é muito diferente do realizado na presencial, há processos seletivos que podem variar de acordo com a instituição. Após matriculado, o aluno recebe acesso a uma plataforma de ensino disponibilizada pela instituição, também conhecida como “Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA)”, um ambiente online onde acontece boa parte do curso.

As principais ferramentas para o estudante são disponibilizadas nesta plataforma, de maneira bastante dinâmica, como:

– Conteúdos das aulas em diferentes formatos (textos, e-books e vídeos);

– Exercícios;

 -Trabalhos;

– Calendário acadêmico;

– Área para interação entre estudantes e corpo docente.

Mesmo que ainda em um formato de educação online e grande parte da graduação seja feita dessa maneira, diversas instituições adeptas do EaD contam com os “Polos de Apoio Presencial”. Estes são ambientes físicos onde são realizados diversos tipos de encontros presenciais, como realização de algumas provas e atividades, apresentação de trabalhos e aulas práticas.

As graduações à distância possuem diversas vantagens, principalmente para os estudantes, e por isso vem tendo cada vez mais adeptos, são algumas delas:

– Redução de custos e mensalidade mais barata;

– Protagonismo do aluno no processo de ensino-aprendizagem;

– Comodidade;

– Contato com novas ferramentas digitais;

– Desenvolvimento de autodisciplina.

Claro que além das vantagens, o EaD também apresenta alguns obstáculos para os discentes, como:

– Dificuldade para se concentrar;

– Necessidade de aprender a gerenciar o tempo;

– Menos contato presencial com colegas e professores.

O ensino remoto emergencial foi uma transformação drástica que precisou ser pensada e acontecer quase de um dia para o outro, o que exigiu dos profissionais de educação  planejamento de estratégias, buscar meios de adaptar os planos de ensino e modificação da forma de lecionar.

As aulas e as atividades no ERE acontecem com as pessoas distantes geograficamente, que no caso da pandemia da covid-19 aconteceu em razão da necessidade do distanciamento social. Dessa forma, não há um espaço físico para suporte e encontros presenciais, como ocorre no EaD.

No ERE, as aulas são síncronas – aulas em que é necessária a participação do aluno e professor no mesmo instante e no mesmo ambiente, nesse caso o online –, e as atividades ficam em alguma plataforma virtual ou AVA de forma assíncrona – desconectada do momento atual, o que faz com que não seja necessário que os estudantes e professores estejam ao mesmo tempo conectados. 

O ensino remoto emergencial não pode ser visto como um sinônimo de EaD. As aulas remotas da pandemia foram uma resposta a uma situação de crise e tem suas diferenças do tradicional ensino a distância:

Desafios do ERE

O ensino remoto adotado durante a pandemia da covid-19 aconteceu com diversas dificuldades e acabou por desagradar bastante gente. Para Icaro Souza, aluno do 5º período de psicologia da Universidade Tiradentes (Unit), foi uma péssima experiência. Ele comenta com insatisfação como foi complicado se habituar no começo, além de sentir que a qualidade do ensino decaiu bastante. “Jamais escolheria fazer toda a minha graduação de maneira remota. Não é a mesma coisa! O foco, a dedicação e os estudos ficam muito ruins”, afirma o estudante. 

Para Caroline, mesmo com tantos problemas enfrentados com o ensino remoto emergencial, seria muito mais prejudicial se as aulas fossem totalmente interrompidas. Imagem: Reprodução/Caroline Gonçalves

A estudante Caroline também não foi uma “grande fã” das aulas remotas e crê que as desvantagens são muito maiores do que qualquer benefício. Ela percebe que no ambiente online falta conexão, e a interação entre docentes e discentes pode ser atrapalhada. “Muitas dúvidas deixam de ser tiradas por vergonha de ligar o microfone enquanto todos estão em silêncio; muitos alunos precisam enfrentar falta de infraestrutura, de acesso a um computador ou internet; […]”. Mas, mesmo descontente, a futura arquiteta diz que entende que foi uma medida necessária em um momento atípico.

Foi um processo desafiador para alunos e professores. Vitor Braga relembra que houve uma grande barreira técnica, devido à diferença de lecionar em ambiente online. “Na modalidade presencial, eu costumo usar datashow, caneta para riscar o quadro, demando uma presença, um contato físico, onde as pessoas debatem e questionam, podendo ser até três horas de aula”. O professor precisou adaptar todo seu modelo de ensino, fazer tudo acontecer em chamadas de vídeos que precisavam ser mais curtas, em que a interação é muito menor e o contato visual com os estudantes é praticamente inexistente, já que estão quase sempre com as câmeras desligadas.

Para fazer acontecer o ensino remoto, uma das prioridades de diversas universidades públicas e particulares foi a capacitação dos docentes para o uso de ferramentas e conhecimento de métodos de ensino e aprendizagem online. Vitor fala dos diversos cursos que foram ofertados pela universidade para os professores: sobre ensino remoto emergencial, estratégias, modelos, coisas que funcionam e não funcionam no ERE. Além disso, ele mesmo teve que buscar informações e pensar táticas para conseguir fazer uma aula com a melhor qualidade possível diante do momento. 

“Não dá para eu pegar a aula que faço presencial e fazer da mesma forma online. Vou dar um exemplo, dou uma disciplina chamada planejamento visual, nela trabalho muito com um software pago e que é trabalhado dentro de um laboratório de informática da universidade. No ensino remoto, eu tive que trabalhar com softwares gratuitos para ser acessível para os estudantes, precisei gravar vídeos mais curtos os ensinando a usar as ferramentas. […] Tive que trabalhar dentro de uma plataforma para a gestão de classe, na qual colocava os materiais, que tinha uma parte síncrona da aula e a parte assíncrona, a última o aluno teria que fazer de casa. Foram muitas adaptações.”

As problemáticas do ERE vivenciadas pelos discentes e docentes atingiram expressivamente a educação. Foi um processo com muitas barreiras: grande parte dos estudantes não tinha preparo; as instituições de ensino não contavam com um suporte para disponibilizar o ensino remoto e online; poucos docentes tinham conhecimento de como lecionar à distância; e desigualdade social e de acesso à tecnologia. Segundo o estudo “Acesso Domiciliar à Internet e Ensino Remoto Durante a Pandemia”, realizado em agosto de 2020 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), por volta de seis milhões de estudantes, desde a pré-escola até a pós-graduação, não têm acesso à internet banda larga ou 3G/4G em casa.

Promissor, o EaD oferece mais flexibilidade e acessibilidade

O professor Vitor enxerga que, mesmo com todas as dificuldades enfrentadas e o momento conturbado, o que foi vivenciado com o ensino remoto emergencial deixa um legado positivo. “Vejo que as pessoas acabaram adquirindo mais conhecimento sobre como aprender e ensinar com o uso do ensino online, e desenvolveram essa linguagem da vídeo chamada e plataformas de ensino”. Ele complementa dizendo que, devido a essa maior aproximação e mais embasamento, as pessoas estarão mais aptas ao “não presencial”, sendo propensas a fazer cursos, outra graduação, pós-graduação, entre outras dinâmicas, através do modelo EaD.

“Vou dar um exemplo: congressos acadêmicos são basicamente sempre eventos presenciais, mas é uma dinâmica possível de fazer online, de maneira bem feita […] Com certeza, toda essa situação deixa um legado, traz essas possibilidades da gente se articular de forma não presencial, com vídeos chamadas e plataformas de aula como o Google Classroom. Percebo isso como algo bem interessante e que pode funcionar bem”.

Este legado citado por Vitor já vem ocorrendo desde de 2020. Dados do Censo da Educação Superior 2020, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e pelo Ministério da Educação (MEC), registraram que os cursos à distância no Brasil tiveram maior ingresso de alunos em relação à modalidade presencial:

O censo também constatou que esse aumento vem ocorrendo mesmo antes da covid-19: nos últimos 10 anos, o índice de novos alunos de EaD aumentou 428,2% e o número de matrículas em cursos presenciais diminuiu 13,9%. Porém, em 2020, foi a primeira vez que o país registrou um maior ingresso de alunos em graduações à distância em instituições públicas e privadas do que nas presenciais. 

O aumento de estudantes em graduações EaD no Brasil é muito devido à flexibilidade que o modelo oferta, de horário e a possibilidade de conciliação de uma rotina de trabalho, estudos e outras obrigações. Também torna o ensino superior mais acessível a quem não tem cursos presenciais oferecidos em seus municípios ou não possui disponibilidade para estar presente diariamente na universidade. Caroline Gonçalves comenta que o ensino à distância é “uma ferramenta importante para levar conhecimento a quem, de alguma forma, não consegue acessá-lo de forma presencial” e que apesar de algumas desvantagens, “em casos onde o ensino presencial não é possível, é melhor poder contar com ele do que com nada”.

Em meio ao ERE, EaD e ensino presencial, há ainda uma outra possibilidade, que vem sendo ensaiada, podendo futuramente ser uma realidade em muitas universidades: o ensino híbrido, uma metodologia nova e uma das maiores tendências da educação no século XXI, que tem como objetivo unir métodos de aprendizado online e presencial. Esse modelo de ensino busca desenvolver a experiência educativa aproveitando o que há de melhor em cada ambiente.

Mesmo que sua experiência com o ensino remoto não tenha lhe agradado tanto, Icaro acredita que pode se tirar proveito da situação e fazer uma mescla do que há de vantajoso no ensino online e presencial. Imagem: Reprodução/Icaro Souza

O estudante Icaro acredita que o ensino híbrido funcionaria melhor e com mais eficácia do que o ensino remoto emergencial. Para ele, se as aulas forem 75% presencial e 25% online ou 50% de cada, pode se tirar proveito do melhor dos dois mundos e causar menos prejuízos ao ensino e aprendizado.

A educação é essencial a todos e faz parte do desenvolvimento humano. No Brasil, é fundamentada na Constituição Federal, sendo um direito de todas as pessoas. Ela precisa acontecer da forma mais acessível e efetiva, com qualidade no ensino e um aprendizado eficiente, seja qual for o modelo. A educação é um setor que necessita funcionar da melhor maneira possível para os estudantes e profissionais. Quem a faz acontecer, sociedade e Estado, tem que compreender as lacunas, dificuldades e atender à necessidade de todos, entregando uma educação que inclui, capacita e transforma.