Por Marta Dueñas, jornalista
Produção: Adriana Buarque, jornalista
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, jornalista

O que é o etarismo, como e porque afeta mais as mulheres do que os homens

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o etarismo é o conjunto de estereótipos, preconceitos e discriminações direcionados a pessoas com base na idade, não necessariamente aos mais velhos, embora seja recorrente, de acordo com estudos da própria organização. A OMS alerta, também, que a discriminação por idade pode afetar a saúde das pessoas além de ferir direitos e bem-estar.

O Relatório Global sobre Etarismo, realizado em 2021 pela OMS e pela Organização das Nações Unidas (ONU), diz que o etarismo pode ser institucional, interpessoal ou autodirigido. Segundo o relatório, o etarismo institucional diz respeito às leis, normas e regras sociais, políticas ou de mercado que restringem oportunidades e prejudicam pessoas devido à idade; interpessoal é a manifestação do preconceito nas atitudes e relações entre as pessoas; e autodirigido é aquele que se comete contra o próprio indivíduo que pode ser medo, raiva ou depressão por estar envelhecendo.

“A idade é a primeira coisa que identificamos numa pessoa e, conforme caracterizamos essa idade e de acordo com nossa ação, se dá ou não o idadismo ou etarismo”, explica a professora Naira Dutra Lemos, membro da Sociedade Brasileira de Gerontologia. Segundo a professora, o etarismo se dá em qualquer faixa etária, embora no Brasil o maior número de ocorrências seja contra as pessoas mais velhas. Ela diz, por exemplo, que o “famoso bullying é uma forma de etarismo que fere os adolescentes”. Naira tipifica essas perseguições e humilhações que ocorrem nas escolas como idadismo com aqueles que estão chegando ou já chegaram à puberdade e, por conta dessa fase, apresentam determinadas características como surgimento de espinhas ou busca de identificação visual e experimentação de roupas e cabelos e acabam sendo alvo de duras piadas e perseguições. Já com os idosos, Naira fala em infantilização, invisibilidade, capacitismo e até mesmo violência. “Pessoas mais velhas em determinados serviços são tratados como alguém que não tem capacidade ou entendimento para dar informações ou fazer uso de tecnologia”, afirma.

O aumento da longevidade é uma conquista coletiva da humanidade, a prova que a saúde, a medicina, a pesquisa e a tecnologia têm sinergia na qualidade de vida e na batalha contra doenças. Envelhecer deveria ser celebrado e respeitado, mas no Brasil a banda tem tocado de outra maneira.

A OMS já trabalha com o tema do etarismo ou idadismo, como alguns estudiosos chamam, desde o início dos anos 2000. Mas foi após a pandemia que o tema veio à tona outra vez enfatizando a violência e a discriminação contra pessoas mais velhas e idosos. A pandemia deflagrou, em primeiro lugar, uma caça às bruxas estigmatizando as pessoas mais velhas como as grandes causadoras da doença ou, ainda, aqueles que ocupariam os leitos de UTI tirando a oportunidade de mais novos, relata Naira. Além disso, o grave aumento da violência contra os idosos, dessa vez nos próprios lares, trouxe novamente o tema do etarismo relacionado preponderantemente ao envelhecer. E, realmente, envelhecer em tempos tecnológicos e digitais parece um crime que não vai passar ileso pela sociedade contemporânea. O Disque 100, serviço federal de atendimento a denúncias de violação aos Direitos Humanos, divulgou à época um salto significativo de casos envolvendo idosos. Em 2019, o serviço registrou 48mil casos de violência ou abusos contra idosos, já em 2020, são registrados 77 mil casos.

A OMS diz que 15% da população idosa global sofre algum tipo de violência e recente estudo da Fiocruz revela que 60% dessas situações ocorrem dentro dos lares. São avós cuidados por suas famílias, muitas vezes ainda em posição de sustento de filhos e netos, mas que são impedidos de sair de casa, têm seus direitos tolhidos ou apanham. Mesmo que o etarismo não seja um mal que atinja apenas as pessoas mais velhas, esse é o grupo mais afetado justamente numa era em que viveremos mais e teremos que trabalhar mais.

Ainda que o idadismo seja um preconceito contra homens e mulheres que pode ser tido como a antesala da violência e do abuso contra as pessoas, ele tem um recorte de gênero na maneira em que afeta as populações. Há um agravante contra as mulheres e isso se deve a múltiplos fatores. Um deles diz respeito à dependência feminina de mulheres que são idosas hoje e cresceram e se desenvolveram em uma época em que já vivenciavam outras violências como a proibição do estudo e trabalho, gerando falta de autonomia. Essas mulheres chegam à velhice, muitas vezes, em situação de total dependência de sua família, com pouca ou nenhuma renda e sem terem desenvolvido qualquer outra habilidade além do cuidado.

A pressão estética é outro fator significativo que torna as mulheres mais vulneráveis a esse tipo de problema. Pois além da imposição patriarcal da sociedade que faz crer que ser bela e jovem é um fator de sucesso para mulheres, o tema da saúde vem, também, muito associado à juventude, ou seja, temos a tendência de associar corpos saudáveis à imagem de saúde e bem estar. Se envelhecer, no Brasil, já é um pecado, para as mulheres passa a ser aniquilador já que, além do sofisticado sofrimento com a mudança da fisionomia e do corpo, a saúde ginecológica e reprodutiva passa também por mudanças que até pouco tempo eram um nome feio e pouco conhecido como a menopausa.

A partir dessa fase que ainda carece de pesquisas e é pouco discutida e ensinada às mulheres, preconceitos são reforçados como as crenças de que mulheres mais velhas não têm vida sexual ou não se relacionam. Se as pessoas afetadas pela menopausa sabem menos do que deveriam sobre ela, sua rede de apoio conhece praticamente nada, gerando novos problemas já que desconhecem sintomas e, com isso, são menos compreensivos ou solidários com a transformação física e emocional que passa no corpo feminino.

Débora Olivato | Imagem: divulgação

A jornalista Débora Olivato, organizadora da página @diario.mulheres.na.menopausa, procura informar quem percebe os sintomas do climatério antes, durante e depois da pausa do fluxo menstrual. Segundo Débora, por volta dos 40 anos a mulher começa a sentir, por exemplo, cansaço e o cabelo mais fraco, além da oscilação de humor e dos calores tipicamente conhecidos.

“É um grande desafio lidar consigo mesma nesta fase”, afirma a jornalista. Procurar uma ginecologista, conversar com a mãe ou com as amigas mais próximas e pesquisar na internet são algumas das atitudes mais comuns. “Mas vale ressaltar que cada uma tem um corpo”, pontua, destacando não caber comparações neste caso.

Segundo dados do IBGE, praticamente um terço da população feminina, no Brasil, está entre o climatério e a menopausa. Isso corresponde a quase 30 milhões de mulheres. O Estudo Essity sobre Menopausa e suas etapas, desenvolvido em 2022, revela que 49% das mulheres não gosta ou evita falar sobre o tema e 32% delas associa menopausa à velhice.

A velhice feminina é falada por muitos, seja nas relações interpessoais ou pelo público que assiste e julga mulheres famosas que ousam viver e aparecer depois dos 40, 50 ou mais idade. Mas debater, discutir e acolher o envelhecimento é ainda uma exceção. A imagem da mulher mais velha também é estigmatizada, um dos sintomas do etarismo. É possível assistir com certa normalidade a disparidade de idade entre homens e mulheres no cinema, televisão e moda. E logicamente esse fenômeno fica bastante aceitável nas relações amorosas. Não é raro que homens se relacionem com mulheres 10 ou 15 anos mais jovens enquanto o oposto ainda é um tabu. Atrizes, artistas e até mesmo ícones como a estrela pop Madonna relatam perdas em suas carreiras como papeis específicos como mães, velhas ou avós ou a pesada opinião púbica debatendo novas rugas em mulheres que chegam aos 60 anos com vigor, criatividade e muita produção. Além do idadismo, o sofrimento feminino é desenhado por uma cultura patriarcal que insiste em ter poder sobre os corpos femininos inclusive para “aposentá-los” quando achar conveniente para seus padrões ou resultados.

Não é à toa que o Brasil lidera o ranking de nações que mais realizam procedimentos estéticos no mundo, segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética. Isso falando em quem pode pagar. Mulheres pobres e trabalhadoras vivem as consequências de ficarem velhas, serem “carta fora do baralho” já a partir dos 40 anos.

Mas nem tudo é triste no mundo das mulheres mais velhas. O envelhecer tem, claramente, um recorte de gênero. Homens e mulheres envelhecem de maneira diferente, percebem e são percebidos de forma distinta também. Muito embora pareça evidente que homens refaçam mais prontamente sua vida amorosa conjugal na terceira idade quando comparado às mulheres, elas revelam que se sentem mais livres e independentes. Essas constatações formam parte de um estudo qualitativo realizado no Brasil em 2020 que procurou estabelecer algumas comparações em como homens e mulheres passam pela idade e costuram suas vidas. Os homens estudados relatavam mais propensão à tristeza e buscaram equilíbrio e cuidado em novas relações conjugais enquanto as mulheres da terceira idade se mantinham solteiras e, com isso, percebiam maior liberdade para viajar, fazer novos planos e cuidar de si mesmas.

Claudia Hardagh | Imagem: divulgação

Nada é definitivo, lógico, existem levezas que vem acompanhadas de questões que pode ser opressoras. Ou melhor, as mulheres se mostram, às vezes, mais sabidas a lidar com algumas perdas sociais que a idade impõe. É o que revela Claudia Hardagh, professora, pós Doutora, que com 62 anos diz “posso falar coisas que não falava antes, sem correr o risco de ser interpretada como ‘safada’ ou ainda ‘tá dando em cima do cara ou do marido da amiga'”. Ela revela que, apesar da liberdade e possibilidade de se posicionar mais livremente, isso a leva a pensar também na possível invisibilidade das mulheres após 55 anos no tema sedução ou sexualidade.

Apesar de ter consciência das limitações de uma sociedade machista com relação às mulheres mais velhas, considera uma conquista poder, nesse momento de sua vida, criar novos projetos, viajar e sair sem ter que dar satisfação ou se preocupar em prover e cuidar de família ou companheiro.

Ela nos conta que quando mais sentiu preconceito com o fato de ser uma mulher mais madura e independente foi no tempo que viveu em Portugal. Ao manter uma vida social ativa saindo com colegas e alunos da universidade, ela era bastante observada e até julgada. “Principalmente quando não temos um homem para validar nossa idoneidade”, se diverte. E volta ao tema da invisibilidade da mulher mais velha: “pensando bem, com a idade fica até mais fácil sair pois somos vistas como alguém que não está no páreo da sedução e da conquista”. É uma constatação dura, mas que traz novos significados às mulheres, devolvendo a possibilidade de inventar uma vida pautada em liberdade e novas formas de prazer sem o peso que as relações causam ao gênero feminino.

No quesito etarismo feminino, a cultura ocidental difere da oriental, que exalta a sabedoria inerente à idade. “Ultimamente, são visíveis as mudanças em relação ao assunto, com artistas se posicionando ao tentar romper preconceitos e tabus”, comemora Débora. Por outro lado, ela insiste que ainda há um caminho a desbravar, mesmo com alguns avanços em relação ao que nossas mães vivenciaram. E que além dos avanços tecnológicos e da medicina pela qualidade de vida das mulheres maduras, o desenvolvimento de política públicas afirmativas que garantam educação e prevenção ao etarismo e as violências por ele gerados são fundamentais.

Se você se interessa pelo tema do envelhecimento feminino, separamos algumas paginas para você seguir no Instagram:

@patriciaparenza, jornalista e influencer que tem o programa  “Envelhecendo sem pirar” além de muito conteúdo ótimo

@drajoeleleripio_menopausa, ginecologista especializada em menopausa

@cool50 da Claudia Arruga, que fala sobre os desafios da maturidade

@patriciapontalti, jornalista e influencers fala sobre feminismo, maturidade, moda, cultura.

@diario.mulheres.na.menopausa, da jornalista Débora Olivato