Anamaria Camargo, Coordenadora do Centro de Oncologia Molecular do Hospital Sírio-Libanês, reflete sobre as contribuições das mulheres no campo da pesquisa

Elas já são maioria entre os estudantes de pós-graduação no Brasil. Segundo a CAPES, das 407 mil pessoas matriculadas em cursos de mestrado e doutorado no país, 224 mil são mulheres – um percentual significativo de 55%. Além disso, a presença feminina na autoria de artigos científicos cresceu 29% nos últimos vinte anos, conforme apontam dados do relatório Em direção à equidade de gênero na pesquisa no Brasil, divulgado pela Elsevier-Bori. No entanto, no cenário global, a UNESCO alerta que, embora as mulheres representem 44% da força de trabalho no país, elas ocupam apenas três em cada dez posições nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática. É nesse contexto que o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, celebrado em 11 de fevereiro, se torna um marco essencial para reconhecer a trajetória dessas profissionais e incentivar movimentos que impulsionem seu crescimento.

A pesquisadora Anamaria Camargo conhece bem esse cenário. Coordenadora do Centro de Oncologia Molecular do Hospital Sírio-Libanês, ela é uma das grandes referências em pesquisa oncológica no Brasil. Mas sua trajetória na ciência começou muito antes dos laboratórios e publicações acadêmicas. Filha de professores universitários, cresceu cercada pelo mundo acadêmico, onde a curiosidade científica se tornou parte da rotina. “Sempre me fascinou entender por que as pessoas ficam doentes e, principalmente, usar esse conhecimento para prevenir e tratar doenças”, relembra. Hoje, além de liderar pesquisas inovadoras, Anamaria se dedica à formação de novos cientistas, um aspecto que considera essencial para garantir a continuidade da produção científica brasileira.

Embora o Brasil se destaque no cenário global pela expressiva presença feminina na pesquisa – ficando atrás apenas de Argentina e Portugal na participação de mulheres em publicações científicas –, essa presença diminui conforme a carreira avança, uma tendência também entre pesquisadores homens. O mesmo estudo da Elsevier-Bori revelou que, entre as cientistas com até cinco anos de trajetória, 51% são coautoras de artigos. No entanto, entre aquelas com mais de 21 anos de carreira, a participação cai para 36%. “A mulher tem uma habilidade natural de transitar entre diferentes funções e de olhar para a pesquisa de forma abrangente, buscando conexões que muitas vezes passam despercebidas”, reflete Anamaria. Segundo ela, essa versatilidade traz um diferencial à ciência, mas ainda há desafios estruturais a serem superados para garantir maior equidade na progressão da carreira científica.

O impacto das mulheres na ciência está longe de ser recente. No final do século XIX, quando o ambiente acadêmico era mais hostil às cientistas, Marie Curie desafiou paradigmas e se tornou a primeira pessoa na história a receber dois prêmios Nobel, em Física e Química. Seu pioneirismo no estudo da radioatividade abriu caminho para aplicações médicas que revolucionaram o tratamento do câncer, incluindo a radioterapia. Hoje, essa mesma linha de pesquisa se reflete no trabalho de cientistas como Anamaria Camargo, que lidera uma das áreas mais inovadoras do Hospital Sírio-Libanês. Nos últimos anos, o investimento da instituição na pesquisa quadruplicou a produção científica, gerando conhecimento que não apenas beneficiam pacientes brasileiros, mas também influenciam diretrizes médicas internacionais. “O papel da pesquisa em um hospital como o Sírio-Libanês é gerar conhecimento que vai além das nossas paredes e impacta pacientes ao redor do mundo. Nosso papel é transformar conhecimento em cuidado”, enfatiza.

Além das inovações na pesquisa oncológica, outro objetivo de Anamaria é trazer um olhar mais atento às particularidades da saúde feminina. Historicamente, muitos estudos pré-clínicos ignoraram diferenças de gênero, utilizando apenas animais machos para experimentos, por exemplo. “Trazer essa perspectiva é fundamental para garantir que a saúde feminina receba a devida atenção”, destaca.

Foi justamente essa preocupação com um cuidado mais personalizado que motivou a criação do CareGaps Mama, uma plataforma de inteligência artificial desenvolvida pelo Hospital Sírio-Libanês para otimizar a prevenção e o diagnóstico precoce do câncer de mama. A tecnologia, que teve projeto liderado por Maria Isabel Achatz, Coordenadora da Unidade de Oncogenética do Hospital Sírio-Libanês, identifica pacientes que estão fora do acompanhamento regular e auxilia profissionais de saúde a priorizarem exames e consultas, ampliando o acesso a diagnósticos precoces e aumentando as chances de tratamento bem-sucedido.

A presença feminina na ciência avança, impulsionada pelo talento de pesquisadoras como Anamaria Camargo. A equidade de gênero na ciência ainda exige mudanças estruturais, mas, com exemplos como o dela, novas gerações de cientistas encontram inspiração para trilhar caminhos antes inexplorados – e transformar a realidade da pesquisa no Brasil e no mundo.

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