Por Daniele Haller, Jornalista – Alemanha
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Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, Jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista
Editora de conteúdo – Site MJ: Beatriz Azevedo, Jornalista

Por que algumas mulheres demoram tanto para descobrir a própria sexualidade? Tabus, religião, traumas, educação e machismo estão entre os principais fatores responsáveis pelas dificuldades durante a relação sexual, mas nunca é tarde para mudar

Sim, a disfunção sexual é reconhecida como problema de saúde pela Organização Mundial de Saúde (OMS) pois, de acordo com o órgão, essas dificuldades podem afetar a vida das mulheres, causando consequências e perda na qualidade de vida. Se hoje podemos falar abertamente sobre o assunto, devemos à luta incessante de mulheres e profissionais que lutaram, estudaram a fundo a sexualidade feminina, sobre como a sociedade, o meio em que vivemos, influencia não apenas no ato sexual, mas nos tabus que as mulheres carregam consigo, impedindo mesmo de conhecerem o próprio corpo.

Qual mulher nunca viveu ou pelo menos ouviu de alguém próximo reclamações como a falta de prazer no sexo, insatisfação com o parceiro, medo de se tocar, vergonha do corpo ou traumas? Inúmeros fatores podem estar ligados a esses efeitos, episódios de violência/abuso sexual na infância ou na fase adulta, educação severa e sem informações sobre sexualidade, religião, o medo da punição, de uma gestação não desejada, o receio de não satisfazer a outra parte, as comparações com a mídia pornográfica e a forma como os homens impõem condições em que, muitas vezes, apenas eles sentem prazer.

Não é incomum escutar, ainda nos dias de hoje, que a mulher deve satisfazer o homem e, portanto, realizar seus desejos, suportar dores, se submeter a práticas que não goste, infelizmente, mas muito tem mudado. Nos últimos anos, diante dos inúmeros lamentáveis casos de violência sexual que ainda fazem várias vítimas, diariamente, se faz necessário instruir essas crianças e jovens dentro das escolas, para que tenham o acesso a informações básicas sobre a sexualidade, não como incentivo à prática, mas como se proteger ou denunciar casos de abuso, além das questões como doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada.

Aprender na escola sobre algo que não pode ser falado em casa, o que é a realidade de muitas famílias, é uma oportunidade de desvendar a realidade sobre a forma que a sexualidade pode e deve ser encarada, uma forma de driblar a desinformação que, muitas vezes, acaba mais prejudicando do que auxiliando muitas meninas e meninos. Enquanto os garotos são desde cedo incentivados ou deixados mais livres para explorarem a sua sexualidade, as meninas são pressionadas desde cedo a irem no sentido contrário.

Expressões como: “fecha as pernas”, “senta direito”, “essa roupa está muito curta”, fazem e já fizeram parte da infância de muitas mulheres. Então, se ela é reprimida desde cedo com relação ao próprio corpo e movimentos, qual liberdade ela vai levar para a vida adulta, se quanto mais a mulher tenta se libertar, mais ela é pressionada? Não precisamos ir muito longe, basta citar a forma como a sociedade lida com as mulheres que têm uma vida sexual ativa sem parceiro fixo, que normalmente são taxadas de adjetivos pejorativos, enquanto os homens são sempre bem quistos nesse quesito, garanhões!

O mercado pornográfico também pode ser citado com um dos fatores que podem causar bloqueios nas mulheres. Enquanto alguns sentem prazer através do estímulo sexual nos filmes adultos, por outro lado, esse material traz uma “realidade” que não existe, uma fantasia que as mulheres tentam alcançar e não conseguem. Os seios perfeitos, a vulva desejada, a performance, a facilidade com que aquelas atrizes chegam ao orgasmo faz com que muitas mulheres se questionem: “Por que não é assim comigo?”. A resposta é simples: Porque tudo aquilo não passa de uma encenação! E estudos mostram que não apenas as mulheres, mas homens também se sentem inseguros quando comparam seus corpos e o tempo que os atores conseguem manter durante uma relação.

Se eu não tenho aquele corpo, se eu não consigo fazer tudo aquilo que a atriz faz, estou fazendo errado? Pode parecer bobagem, mas sim, muitas mulheres pensam dessa forma. E, por incrível que pareça, muitas delas têm medo até mesmo de buscar informações na internet e serem descobertas, tão forte é o tabu que criou ou desenvolveu ao longo da sua vida.

Orgasmo? Quem teve um, já sabe! Não, nem sempre. O orgasmo ainda é algo desconhecido para algumas mulheres, há quem o alcance facilmente, outras só ouviram falar, algumas não têm certeza se já tiveram e outras não fazem ideia do que se trata ou mesmo que esse “fenômeno” exista. Quantas vezes a mulher é incentivada a buscar o próprio prazer durante a relação? O prazer e a satisfação do parceiro sempre foram colocados como o objetivo principal das relações, como se isso bastasse para que ficasse tudo bem. No entanto, a sexualidade, o prazer vão bem além do ato em si, envolve muito mais.

O toque, os olhares, a conversa, preliminares… tudo isso envolve o prazer da sexualidade, sensações que contribuem para que as mulheres possam alcançar o orgasmo. Mas, para isso, é necessário também que a mulher conheça o seu corpo, quais partes ela sente prazer, como, com que velocidade, de que forma. E, por incrível que pareça, a pandemia acabou ajudando muitas mulheres a se arriscarem a descobrir o próprio corpo. Com as medidas de isolamento, as pessoas precisaram ficar por muito tempo sem poder se encontrar com outras pessoas, o que acabou gerando uma abstinência sexual, em se tratando do ato. Mas, o que muitas descobriram é que, para sentir prazer, não é preciso sempre estar acompanhada. O crescimento no setor de produtos eróticos é uma prova disso, mais mulheres têm buscado compreender e entender os desejos e as necessidades do seu corpo e mente.

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Joana Heckhausen. Foto: Simone Lobo

Felizmente, hoje em dia, existem inúmeras possibilidades para nos informar e buscar ajuda com relação ao assunto e, em alguns casos, uma terapia é o ideal para que a mulher possa se livrar desses bloqueios. O Instituto Mulheres Jornalistas conversou com Joana Heckhausen, terapeuta orgástica e instrutora Thetahealing, uma técnica terapêutica que auxilia na transformação das crenças ou bloqueios limitantes.

MJ: Durante toda a história, sabemos como as mulheres foram oprimidas com relação a sua sexualidade. Nos dias de hoje, o que mudou?

Joana Heckhausen: O que eu percebo pelas minhas clientes de terapia, seguidoras do instagram e amigas é que a mulher ainda não colocou seu próprio prazer como prioridade. Ela ainda coloca o foco no sexo em proporcionar prazer ao homem. Nós mulheres fomos condicionadas assim e ainda estamos longe de mudar isso. A minha missão é mudar uma chave na mente das mulheres que toda mulher é capaz de sentir prazer e merece desenvolver sua sexualidade. Porque ela merece mais prazer.

MJ: Quais são os primeiros empecilhos que podem causar bloqueios na vida sexual de uma mulher, não apenas com parceiros, mas consigo mesma?

Joana Heckhausen: Abusos na infância, também na vida adulta. Pode ser abuso sexual, mas também abuso físico ou emocional, que fazem com que ela se feche. Durante a infância, a criança recebe limites dos pais, professores. Ao receber estes limites, a espontaneidade, liberdade da criança é banida. Dependendo da forma que estes limites são impostos, a criança pode acreditar que ela é errada e se envergonhar de quem ela verdadeiramente é. Assim, ela começa a reprimir sua personalidade e passa a querer fazer aquilo que ela sabe que vai agradar os pais, professores e amigos. Desta forma, ela acredita receber amor e aprovação (necessidades básicas humanas). Assim, ela deixa de questionar e de olhar para si mesma, o que ela verdadeiramente deseja. E este é o início da repressão da sua energia sexual. É o início da mulher achar que tem a obrigação de agradar o marido na cama para ser aceita e amada. Os bloqueios sexuais têm raízes mais profundas em questões emocionais. O corpo guarda memórias de conflitos emocionais que foram adquiridas ao longo da vida e que podem gerar traumas e bloqueios. Estas memórias ficam guardadas como proteção de reviver as dores do passado e, desta forma, são criadas muralhas de proteção que impedem você de sentir prazer. Você se protege de sentir a dor e inevitavelmente também impede de sentir amor, alegria e prazer. É por isso que a conexão mente e corpo é muito poderosa, pois, desta forma, é possível ressignificar traumas e destravar aquilo que pode estar bloqueando a energia corporal fluir.

MJ: Você acredita que o machismo influencia no comportamento e amadurecimento sexual das mulheres? Não me refiro aqui sobre o ato em si, mas na descoberta real dos prazeres que ela pode ter.

Joana Heckhausen: Sim, com certeza. A mulher busca “desenvolver sua sexualidade” para que possa dar mais prazer ao homem e não em busca do próprio prazer. Converso com inúmeras mulheres que não sentem prazer com o marido, mas se sentem na obrigação de satisfazê-los sexualmente. E o corpo repudia o sexo que machuca, sem prazer. Então muitas mulheres têm medo de serem traídas pelo parceiro, e por isso acabam permitindo serem abusadas dentro de casa, por permitir transar com o marido sem sentir prazer.

MJ: A cultura do pornô também pode ser apontada como fator causador de insegurança de muitas mulheres?

Joana Heckhausen: Com certeza. A pornografia ensina um sexo fora da realidade do casal. É uma performance. É para aparecer bonito na câmera. E tudo aquilo não tem nada a ver com sentir, com se conectar verdadeiramente com seu prazer e com o parceiro. Assim, com a pornografia, distanciamos da capacidade de sentir (para dentro) e aprendemos a encenar (movimento para fora).

MJ: A questão religiosa também pode contribuir para que algumas mulheres se sintam culpadas no prazer que sentem?

Joana Heckhausen: Sim. Muitas religiões trazem o prazer como pecado. E se você quer ser aceita e amada por Deus, precisa deixar de sentir prazer. E mesmo que já tenhamos evoluído muito em relação a isso, estas crenças ficam gravadas no subconsciente e atuam como bloqueios na hora do sexo.

MJ: No seu trabalho como terapeuta, quais são as queixas mais comuns que costuma escutar?

Joana Heckhausen: “Não sinto prazer!” Muitas mulheres nunca sentiram prazer e nem nunca chegaram ao orgasmo. Outras mulheres sentem prazer, mas não conseguem chegar ao orgasmo. E quando pergunto se elas têm o costume de se tocar amorosamente e se tocar intimamente/masturbar, a maioria responde que não. Como a mulher quer ter intimidade e um orgasmo com o parceiro se ela não tem intimidade consigo mesma? Primeiro é preciso aprender a criar intimidade consigo mesma, a conhecer o caminho do seu próprio prazer, como e onde gosta de ser tocada… para que ela também possa compartilhar com o parceiro.

MJ: Quais são as dificuldades que ainda impedem que algumas mulheres consigam chegar ao orgasmo, por exemplo?

Joana Heckhausen: O estresse é uma das coisas que mais acabam com a libido. E hoje em dia tão grave, pois as mulheres estão sufocadas de tarefas do trabalho, da casa e dos filhos. Elas cuidam de todos e não têm tempo para si mesmas. O estresse é tão grande que não há espaço para relaxamento. Então o corpo quer ajudá-la com isso e baixa a libido. Faz sentido né? Se você está esgotada e exausta, não quer ter mais uma obrigação e tarefa do sexo. Então a mulher perde a libido como maneira de salvá-la desta obrigação. Com tanto estresse, o sexo, o prazer se tornam um fardo. É preciso ressignificar isso. A mulher precisa passar a se valorizar e se priorizar na vida. Apenas quando ela entender que ela precisa estar no seu ápice de energia, é que pode verdadeiramente cuidar e ajudar dos outros. Assim a energia sexual volta a fluir e com ela toda a vitalidade também! Pois a energia sexual é muito mais: é a força de vida, a vitalidade, a criatividade, a abundância. Limitar a energia sexual é limitar-se por completo na vida.

MJ: De que forma essas mulheres podem trabalhar isso para que possam descobrir o seu corpo e os prazeres que ele pode proporcionar, sem se sentir culpada?

Joana Heckhausen: É preciso acolher a menina interior, que sofreu, que é carente, que precisa agradar a todos para ser amada. Acolher esta criança interior é a chave para libertar a mulher que habita em nós.

MJ: Na pandemia, cresceu o número de relato de mulheres que começaram a tocar seus corpos, se conhecer melhor durante o tempo que ficam isoladas em casa. Podemos dizer que o momento acabou proporcionando uma oportunidade para o autoconhecimento do corpo?

Joana Heckhausen: Não vejo este movimento. Talvez sim, para muitas mulheres solteiras, houve um novo despertar e abriu a porta para passarem a tocar mais seu próprio corpo. No entanto, recebo muitas mensagens de mulheres que não sabem o que fazer. E percebo que é algo que a mulher nunca aprendeu e não é simplesmente porque ela está mais sozinha que ela é capaz de fazer isso. Escuto das mulheres que dizem que nem sabem por onde começar a se tocar. Que tem travas e vergonhas. Por outro lado, vi na pandemia como as mulheres ficam muito mais sobrecarregadas, exaustas com a alteração de rotina e os filhos em casa. Tudo caiu muito mais sobre os ombros da mulher (e elas permitiram isso). Então a mulher exausta não quer ter mais tarefa nenhuma. Nem a tarefa do autotoque ou do prazer.

MJ: Isso pode mudar a forma como essa mulher vai desejar ou administrar sua vida sexual dali para frente?

Joana Heckhausen: Minha missão é trazer este novo olhar e despertar para as mulheres! A mulher precisa aprender a amar a si mesma, a se colocar como prioridade em sua vida. Isso influencia desde seus relacionamentos, a maneira como vive, assim como o seu contato consigo mesma. A mulher precisa aprender a criar intimidade com a pessoa mais importante da sua vida: ela mesma! E a reconhecer que é genuinamente merecedora de sentir prazer. Porque ela merece e pronto!