Militares esperavam a redenção com sua atuação no governo. Em vez disso, têm nas mãos um grande abacaxi e o desafio de desvincular sua imagem da gestão Bolsonaro 

Comentarista Melissa Rocha- Rio de Janeiro melissa
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Há um ano e meio, as Forças Armadas retornavam ao protagonismo político, ao se tornarem um dos principais pilares do governo Bolsonaro. A chamada ala militar do Planalto tinha uma missão bem definida: provar sua capacidade de gestão e limpar a imagem dos militares, manchada por 21 anos de ditadura. 

O plano não poderia ter dado mais errado. Hoje, em vez de colher os louros da vitória por sua atuação no governo, os militares têm nas mãos um grande abacaxi. Fazer parte de uma administração que já é considerada a pior desde a redemocratização deteriorou ainda mais a imagem dos militares como gestores. 

A queda na moral da ala militar já é percebida na opinião pública. Em uma recente pesquisa, feita pelo instituto Vox Populi, 65% dos entrevistados disseram que os militares não deveriam participar do governo ou exercer qualquer atuação política. O percentual contrasta com a euforia observada nas eleições de 2018, diante da expectativa de um governo “com um montão de militar”, conforme disse Bolsonaro na época. A onda pró-militares no governo está minguando e alguns fatores explicam essa tendência. 

Primeiro, a dificuldade da ala militar de se desvencilhar da imagem do presidente. Enquanto partidos e políticos, que se elegeram surfando na onda bolsonarista, conseguiram romper com o presidente, a ala militar se encontra amarrada ao governo. 

Atualmente, quase 3 mil militares integram o governo, divididos entre os Três Poderes. A maioria deles (2.716) atua em cargos no Executivo. Além de dar ao Planalto contornos de uma área militar, o alto número torna quase impossível desvencilhar a imagem dos militares do governo Bolsonaro.  

Mas o que mais contribuiu para minguar a moral dos militares como gestores foi a decisão de se aliar à política de Jair Bolsonaro frente à pandemia da Covid-19. As primeiras críticas começaram após vir à tona que o Laboratório do Exército gastou mais de R$ 1,5 milhão na produção de cloroquina – medicamento cuja eficiência contra a Covid-19 já foi descartada. A situação piorou após o Tribunal de Contas da União abrir investigação contra o laboratório por suspeita de superfaturamento na compra de insumos para a produção do medicamento. 

Somado a isso, está a atuação de Eduardo Pazuello, um general da ativa do Exército, como ministro interino da Saúde. Sua gestão na Pasta traz poucos resultados no combate à pandemia. Além disso, é marcada por duas polêmicas: a tentativa de mudar a forma como os dados sobre a pandemia são divulgados e a militarização da Pasta

A militarização do Ministério da Saúde foi, inclusive, tema de uma ácida crítica do ministro Gilmar Mendes, do STF, que disse a ocupação da Pasta por militares vincula as Forças Armadas a uma política genocida do governo frente à pandemia. 

A crítica de Gilmar Mendes traz um alerta velado às Forças Armadas. Passada a pandemia, há uma grande possibilidade de Bolsonaro se tornar réu no Tribunal Penal Internacional, acusado de crimes contra a humanidade por sua conduta irresponsável durante a pandemia. Também tramita no tribunal uma representação que pede que Bolsonaro seja julgado pelo crime de genocídio indígena, por promover sistemáticos ataques aos direitos dos povos indígenas no Brasil. 

Se os militares não encontrarem uma forma de se desvincular do governo, alcançarão o oposto da redenção esperada: serão listados em um vergonhoso capítulo da história do país, que, talvez, sirva como exemplo de que as Forças Armadas devem se ater ao papel de defesa da Pátria, atribuído pela Constituição de 1988.