Por Daniele Haller, Jornalista – Alemanha

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Editora Chefe: Letícia Fagundes, Jornalista

Pandemia acentua a crise migratória nos EUA e vitória de Joe Biden se torna esperança para quem sai da América Central em busca de uma vida melhor. Crianças e jovens chegam cada vez mais em um número maior e, frequentemente, desacompanhados

Não há dúvidas de que a crise da Covid-19 aumentou a dificuldade econômica em diversos países e, em alguns casos, a população passou a viver em uma pobreza extremamente maior do que vivam anteriormente, levando muitos  abandonarem suas casas e famílias em busca de um futuro melhor, o vírus parece não ter matado o famoso American Dreams ou sonho americano.

Para o presidente recém-eleito, Joe Biden, a crise migratória começa sendo um grande desafio para seu governo que, além do planejamento com a situação pandêmica e a vacinação, precisa providenciar, o mais rápido possível, uma solução para o agravamento das condições as quais os alojamentos e abrigos nas fronteiras estão vivendo. Com um discurso mais humanizado do que do ex-presidente Donald Trump, com relação à política de imigração, Biden desperta a esperança de uma flexibilidade maior e menos dura contra os migrantes ilegais e, muitos destes saídos de países como Honduras, Guatemala e Nicarágua, partem em uma viagem perigosa em busca de condições melhores e oportunidade de ajudar seus familiares.

Até a metade do mês de abril, o número de crianças e jovens detidos na fronteira dos EUA com o México triplicou, em um prazo de apenas duas semanas. De acordo com documentos obtidos pelo jornal The New York Times, o número de crianças que chegaram desacompanhadas e sem documentação chegou a 3.250. Segundo a agência  Associated Press, o governo dos Estados Unidos contabilizou quase 19.000 crianças viajando sozinhas através da fronteira mexicana, ainda no mês de março, um recorde no número de registros mensais. De acordo com a Associated Press, a decisão da administração Biden de isentar crianças desacompanhadas de poderes relacionados à pandemia, não as expulsando imediatamente do país, foi uma mistura de fatores que pode ter influenciado o momento atual.

No último 30 de março, a imprensa teve acesso a uma das instalações na fronteira do México com os Estados Unidos, no Texas. As imagens feitas pelos jornalistas mostram a complexidade dos abrigos para lidar com todos os menores migrantes que chegam ao país. Crianças menores em cercados, jovens dormindo em colchoes no chão e um número de ocupação maior do que o adequado. Segundo os jornalistas da agência Associated Press, o local estava ocupado com 4 mil pessoas, no entanto, a capacidade prevista é de até 250 imigrantes. Dentre esse número de abrigados no local, a maioria era criança que passavam por uma triagem até serem recolocadas em suas famílias. Segundo a Patrulha da Fronteira na região, o número de crianças que chega diariamente ao abrigo é de 250 a 300, mas um número muito inferior deixa as instalações, por dia.

Na chegada das crianças, existem alguns protocolos que devem ser seguidos e que foram acompanhados pelos jornalistas durante a visita, como o controle de piolhos ou outras doenças de pele, rápido exame médico; teste para Covid-19 só é realizado em quem apresenta sintomas, exame psicológico, remoção de todos os cadarços “para evitar que se machuquem”, coleta de  dados como digitais e foto, para os maiores de 14 anos. Todos recebem uma notificação de comparecimento a um tribunal de imigração. Caso a criança conheça alguém nos Estados Unidos, ela poderá realizar ligações para essa pessoa.

A jornalista Daniele Haller, do Instituto Mulheres Jornalistas, conversou com Renata Castro, advogada de imigração e fundadora do Castro Legal Group, localizado em Pompano Beach, Flórida. A advogada explicou seu ponto de vista sobre a situação e os passos legais que irão ser feitos para que essas crianças sejam legalizadas nos EUA.

MJ- Por que os EUA vivem, atualmente, uma das maiores crises com relação à imigração? Esse aumento de estrangeiros tentando entrar de forma ilegal no país, pode ter sido fomentado pelo momento drástico da pandemia?

Renata Castro- A pandemia, sem sombra de dúvidas, tem um impacto direto no movimento de pessoas, ela expôs a fragilidade de economias emergentes e outras não tão emergentes assim, então, quando você analisa o número de pessoas que têm tentado entrar nos EUA, elas vêm de países com dificuldades econômicas que foram exacerbadas pela Covid. Então, a Covid é um fator inquestionável nesse processo. E uma outra coisa, com os consulados fechados, as pessoas que estavam planejando uma entrada sorrateira, com um visto de turista e passaram do período, elas acabaram entrando num desespero econômico e decidindo vir pela fronteira. Lembrando que os consulados se encontram fechados ou com operação reduzida em virtude da Covid-19.

MJ- No início do mês de abril, o mundo se sensibilizou com o vídeo de um garoto nicaraguense, de 10 anos, pedindo ajuda a um agente da patrulha da fronteira dos EUA, após ter sido abandonado por um grupo o qual o acompanhava. Assim como essa criança, inúmeras outras continuam chegando desacompanhadas às fronteiras, até serem encontradas por agentes, qual a possível explicação para isto?

Renata Castro- Muitas das crianças que vem desacompanhadas, vem para serem reunificadas com familiares nos Estados Unidos. Eu acho que, hoje, existe um foco maior no número de pessoas e uma contabilidade maior, mas da  minha opinião, isso daí é uma especulação pessoal e baseada em experiência profissional e pessoal, não é embasada em dados, até porque, quando a gente fala de imigração, os dados nem sempre contam a melhor história. Eu acho que o movimento de crianças sempre aconteceu, o que existe hoje é um policiamento, um controle maior das fronteiras. Então, hoje a gente tem dados que dão a aparência, a ideia de que tem mais crianças entrando, eu acho que tem mais crianças sendo contabilizadas na entrada.

MJ- Chegando ao abrigo, qual será o destino desses menores? Com a fixação/ legalização dessas crianças nos EUA, é possível facilitar a entrada dos pais ou é algo improvável?

Renata Castro- O processo que permite que crianças que são negligenciadas ou abandonadas possam permanecer nos EUA de forma legal, se chama Special Immigrant Juvenile Status (SIJS). Esse processo requer que um fórum estadual, que a vara de família, emita um decreto de custódia legal para o estado com a custódia física para um indivíduo nos Estados Unidos, que pode ser um parente ou não e, em virtude dessa custódia, desse abuso, essa criança vai passar a ser de custódia legal do governo estadual e o governo, por ser americano, vai derivar a cidadania, vai transferir o benefício imigratório para essa criança, é uma teoria legal. Essa criança vai receber um Green Card válido por cinco anos e, após cinco anos, ela vai poder pleitear a cidadania, no entanto,  mesmo depois de cidadã, essa criança nunca vai poder passar um benefício para pai ou mãe, porque o princípio de que se essa criança ganhou um benefício oriundo do abuso, o pai ou a mãe não podem se beneficiar do abuso que infringiram a criança.

Diante das circunstâncias atuais, em decorrência da pandemia, o departamento de imigração tem outro desafio; as crianças que chegam infectadas pela Covid-19. De acordo com o Escritório de Reassentamento de Refugiados (ORR), responsável pelas crianças migrantes desacompanhadas, no mês de março, 528 crianças ficaram em isolamento após o resultado positivo para a Covid-19, mas nenhuma destas precisou de internação. A agência confirmou que, entre as crianças imigrantes, houve um total de 3.715 casos confirmados em laboratório, desde 24 de março de 2020.