Por Sara Café, jornalista
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Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, jornalista

Os menos responsáveis pelo aquecimento global serão os que mais sofrerão. É o que aponta um relatório publicado em maio de 2023 pelo Banco Mundial, ressaltando que choques climáticos poderão empurrar de 800 mil a 3 milhões de brasileiros para a pobreza extrema até 2030. 

Segundo o estudo, secas, enchentes e inundações nas cidades causam perdas de R$ 13 bilhões (0,1% do PIB de 2022) ao ano. Embora o Brasil tenha reduzido drasticamente a parcela de pessoas que viviam em situação de extrema pobreza nas últimas três décadas, o número de indivíduos nessa condição aumentou em 2015 e 2016, chegando a 5,8% da população em 2021.

Para Stephane Hallegate, consultor de Mudanças Climáticas do Banco Mundial e co-autor do relatório, o país tem grandes desigualdades e os pobres já estão mais expostos ao risco de desastres e mudanças climáticas. O cenário pode, no entanto, ser revertido com investimento.

“Investir em pessoas e em infraestrutura em áreas menos desenvolvidas é importante para tornar essa população de baixa renda mais resiliente. Isso irá ajudá-los a sair da pobreza e contribuir para o crescimento econômico do país”, afirma o consultor. 

Imagem: Reuters

No entanto, levantamento do Greenpeace destaca que os brasileiros não confiam no poder público para reduzir impactos de desastres. Realizado pelo Instituto Ipec com 2 mil  pessoas, o estudo aponta que 62% das pessoas do país reconhecem que os pobres são os que mais sofrem com as consequências de eventos climáticos extremos.

A maioria (67%) das pessoas confia pouco ou nada no poder público (especialmente as prefeituras) para prevenir ou reduzir impactos de desastres causados pelas mudanças. No recorte entre pessoas pretas ou pardas, esse índice é ainda mais alto, de 72%.

“Tragédias recentes em estados de diferentes regiões do Brasil são resultado da falta de políticas efetivas de prevenção, adaptação às mudanças climáticas e resposta aos eventos extremos. Não estamos lidando com um fato novo ou inesperado. Quantos mais precisarão morrer ou perder tudo para que os governantes garantam cidades seguras para todas as pessoas?”, questiona Igor Travassos, porta-voz de Justiça Climática do Greenpeace Brasil.

O relatório cita estudo produzido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) ao apontar que o Brasil pode atingir em breve um ponto de inflexão para além do qual a bacia amazônica não mais teria chuvas suficientes para sustentar os ecossistemas e garantir abastecimento de água e armazenamento de carbono.

Nessa hipótese mais aguda, fruto da combinação de mudanças climáticas, desmatamento e expansão de áreas de pastagem, o impacto acumulado até 2050 sobre o PIB do Brasil é estimado em 920 bilhões de reais (184 bilhões de dólares), equivalente a 9,7% do PIB atual.

O Banco Mundial afirma que o impacto social e econômico dessa ruptura seria alto, com “graves consequências para a agricultura, o abastecimento de água nas cidades, a mitigação de inundações e a geração de energia hidrelétrica”, cita a publicação.

Ondas de calor no Sudeste, mais seca no Norte e Nordeste e tempestades no Sul 

Uma massa de ar excepcionalmente quente vem fazendo com que boa parte do Brasil enfrente temperaturas mais altas que o normal. A análise feita pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apresentada em 13/11, considerou algumas alterações pelas quais o Brasil já passou nos últimos 60 anos em decorrência do aquecimento global.

Para o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a temperatura média do Brasil também está batendo recordes consecutivos. Os meses de julho, agosto, setembro e outubro foram os mais quentes desde o início das medições. E a expectativa é que as temperaturas extremas que estão sendo observadas particularmente nesta semana no país também devem bater todos os recordes. 

Em decorrência das altas temperaturas, 15 Estados brasileiros e o Distrito Federal estão sob alerta de “grande perigo”, segundo diferentes agências de meteorologia. No Amazonas, a seca atingiu ao menos 62 duas cidades e afetou o cotidiano de pelo menos 600 mil pessoas. A onda de calor deve levar a recordes históricos de temperatura e a sensação térmica também pode ultrapassar os 50 ºC em algumas cidades.

“Estes resultados corroboram as perspectivas encontradas por outros órgãos de meteorologia internacional, pois, segundo pesquisadores do Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus da União Europeia, é improvável que os dois últimos meses deste ano revertam este recorde, tendo em vista que a tendência é de altas temperaturas em todo o mundo até novembro”, conclui o Inmet. 

O calor extremo que já atingia o Sudeste e o Centro-Oeste ocorreu de forma mais pronunciada no Norte e Nordeste, que viveram um dos dias mais quentes do ano com quatro estados registrando temperaturas acima dos 40ºC, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia. Maranhão, Piauí, Ceará e Bahia sofreram com o forte calor, que também afetou outras regiões do país.

Enquanto isso, a região Sul do Brasil segue enfrentando chuvas excessivas e alagamentos, registrando 71 dos 92 alertas emitidos pelo governo federal nos últimos dez anos. As tempestades vão continuar ocorrendo no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Segundo informe da MetSul, o cenário tem tudo a ver com o calor excessivo que vem do centro do país e do Norte da Argentina.

“O ar muito quente bloqueia a instabilidade e chove muito na periferia da massa de ar superaquecida. Como o Norte e o Noroeste gaúcho, assim como grande parte de Santa Catarina e do Paraná estão com tempo aberto sob o ar muito quente, a chuva intensa se dá em cidades do Oeste, Centro, Sul e o Leste gaúcho”, explica a nota do Inmet.

Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP 28)

A 28ª conferência do clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP 28, começou na quinta-feira (30/11) em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. O encontro reúne líderes mundiais de 200 países, representantes de empresas e sociedade civil para debater compromissos e iniciativas para conter a crise climática.

COP 28 | Imagem: Ricardo Stuckert

Neste ano, as principais negociações são sobre os seguintes temas: balanço global (global stocktake), é um processo importante que examina como os países estão cumprindo suas metas em relação às mudanças climáticas; combustíveis fósseis, provável comprometimento global na COP para eliminar gradualmente todos os combustíveis fósseis; perdas e danos de como compensar os países já afetados e financiamento climático; e por último, adaptação climática de como os países podem se preparar para a mudança do clima. 

Nesse primeiro dia de debates, a cúpula do clima da ONU anunciou a destinação de cerca de US$ 420 milhões para apoiar países afetados pelo aquecimento global. Embora o valor seja considerado tímido por especialistas, a decisão é considerada histórica. Seu anúncio foi aplaudido pelos delegados dos quase 200 países participantes da reunião.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) realizou na sexta-feira (1º) seu primeiro discurso na abertura da COP 28. Durante a fala, ele afirmou que gastos com armas deveriam ser usados contra a fome e a mudança climática, como o impacto climático afeta o Brasil e sobre a necessidade de ter uma economia menos dependente de combustíveis fósseis.

No discurso, o presidente afirmou que “o mundo naturalizou disparidades inaceitáveis de renda, de gênero e de raça, e que não é possível enfrentar a mudança do clima sem combater a desigualdade”. Afirmou também que a Amazônia amarga uma das “mais trágicas secas de sua história”; citou que, no sul, tempestades e ciclones deixam um rastro inédito “de destruição e morte” e declarou que este ano é o mais quente “dos últimos 125 mil anos”. 

Os combustíveis fósseis também são tema da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e Aliados (Opep+). Sobre o assunto, Lula disse que “é hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis”.

No entanto, a Opep+ confirmou na quinta-feira (30/11) a entrada do Brasil no grupo. Os líderes da organização ainda defendem o uso de combustíveis fósseis, mesmo que em menor escala. O aval do presidente ofuscou o papel do país, durante a COP 28, na defesa de medidas para combater as mudanças climáticas. A avaliação é da ala ambientalista do governo, em especial do Ministério do Meio Ambiente, que condena a adesão brasileira à Opep+.

Com isso, a cobrança do Brasil por investimentos em sustentabilidade, presente no discurso de Lula, perdeu peso e dividiu espaço com as negociações da equipe presidencial, de integrantes do Ministério de Minas e Energia e da Petrobras com países exportadores de petróleo.