Por Vanessa Van Rooijen, Jornalista – SP
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Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, Jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista
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Em caso de violência, denuncie! Saiba quais são os canais oficiais para denúncia.

Uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto Avon em conjunto com a Decode, divulgada na Agência Brasil, apresentou um estudo sobre os crimes executados contra mulheres via internet. “A Violência Real do Mundo Virtual” mostra que a principal violência sofrida por mulheres e meninas em ambientes digitais é o assédio nas interações virtuais, correspondente a 38% dos casos. Em segundo lugar, estão as ameaças de vazamento de imagens íntimas, com 24% dos casos. Estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que as mulheres são alvo de 95% das ações agressivas e difamadoras.

O resultado da pesquisa corresponde ao período de julho de 2020 a fevereiro de 2021, tratando-se da segunda etapa do levantamento. A primeira etapa foi realizada entre janeiro de 2019 e março de 2020. Foram analisados mais de 286 mil vídeos, 154 mil menções, comentários e reações nas redes sociais, compartilhamentos e repercussões que ocorreram em ambientes digitais e mais de 164 mil postagens de notícias sobre o tema.

A segunda etapa da pesquisa foi desenvolvida durante o período da pandemia, quando foi possível concluir mais um fato: metade dos casos de assédio envolve recebimento de mensagens não consensuais com conteúdo de conotação sexual. As entrevistadas relataram recebimento de fotos íntimas e comentários de ódio contra as mulheres. Nos relatos de stalking, 84% dos relatos de casos de perseguição estão ligados a ex-companheiros.

São três as formas de propagação de violência no ambiente digital, segundo a pesquisa. A descentralizada, que é a violência cometida diariamente contra mulheres e meninas. A ordenada, que ocorre a partir de grupos organizados de ataques, humilhações e exposições. E a que resulta do compartilhamento de conteúdos íntimos sem o consentimento ou a autorização dos envolvidos. A partir disso, foi observado que as formas mais comuns de propagação de violências contra meninas e mulheres na internet são o assédio, o vazamento de nudes, a perseguição/stalking e o registro de imagens sem consentimento. Além disso, boa parte dos vazamentos de nudes envolve pessoas que receberam os materiais de forma consentida, como ex-parceiros.

Outro dado alarmante está na pornografia. Segundo Beatriz Accioly, coordenadora de pesquisa e impacto do Instituto Avon, em entrevista à Agência Brasil, a procura por esse tipo de conteúdo aumentou 35% durante a pandemia, com base em análise dos três principais sites de pornografia. Já a visualização de conteúdos que fazem alusão à violência ou assédio contra mulheres e meninas aumentou 55%. A pesquisa mostrou ainda que vídeos de meninas e mulheres sendo violentadas, enquanto estão inconscientes por estarem dormindo, medicadas, alcoolizadas ou sob efeito de drogas, têm volume expressivo de visualizações. Entre janeiro de 2019 e março de 2020, foram cerca de 25.9 bilhões.

Beatriz explicou que o acesso às plataformas e o consumo de pornografia não são crimes, mas a questão é que nesses locais há uma quantidade significativa de conteúdo que indicam serem vídeos com atos de violência. “O problema não é a pornografia em si, mas os perigos ocultos dessa pornografia amadora que vai parar nessas plataformas”, explica.

Lei Carolina Dieckmann

Muitas leis são criadas com base em uma situação ocorrida e amplamente exposta, seja na mídia ou não. A Lei Carolina Dieckman é um exemplo. Criada a partir de uma exposição íntima vivida pela atriz global, em maio de 2011, a Lei Nº 12.737/2012 é uma alteração no Código Penal Brasileiro e ampara vítimas de crimes virtuais e delitos informáticos.

Em maio de 2011, um criminoso virtual, mais conhecido como hacker, invadiu o computador pessoal da atriz e teve acesso a fotos pessoais de cunho íntimo. De acordo com a denúncia, as fotos seriam publicadas nas redes se a atriz não pagasse a quantia de R$ 10 mil para o criminoso. Após a recusa, as fotos foram divulgadas na internet. O assunto foi amplamente compartilhado na mídia.

Antes do surgimento da lei, invadir um ambiente virtual e roubar dados pessoais já era crime, mas não havia nenhuma norma que tratava sobre o assunto de forma específica. Essa lei impactou no Direito Penal, pois acrescentou os artigos 154-A e 154-B ao Código Penal Brasileiro, que significa “Invasão de dispositivo informático”, como computadores, smartphones ou tablets. Além disso, alterou a redação dos artigos 266 e 298.

Para quem descumpre a lei, a pena de invasão de dispositivos é de detenção entre 3 meses e 1 ano mais multa, mas há um aumento de 1/6 da pena caso resulte em prejuízos econômicos à vítima. Para o crime de obtenção de conteúdo de comunicações privadas, segredos comerciais ou industriais, controle remoto de dispositivos ou dados sigilosos, a pena será de reclusão de 6 meses a 2 anos mais multa. Se houver compartilhamento ou comercialização dos conteúdos, a pena pode aumentar 2/3. E se o crime for cometido por alguma autoridade política, judiciária ou executiva, a pena pode aumentar de 1/3 até metade.

Proteja-se!

A pesquisa desenvolvida pelo Instituto Avon mostrou ainda que as violações virtuais geram prejuízos emocionais e psicológicos, restringindo a liberdade e o acesso de mulheres e meninas. De acordo com o estudo, 35% das vítimas apontaram medo de sair de casa, 30% relataram efeitos psicológicos sérios, como pensamentos suicidas e doenças psíquicas; e 21% excluíram as contas das redes sociais. Alguns dos crimes podem sair ainda da esfera virtual para a presencial.

Crimes-virtuais

Para orientar as mulheres sobre como se proteger e o que fazer em caso de assédio ou divulgação de imagens íntimas, o Instituto Mulheres Jornalistas conversou com a delegada Jamila Jorge Ferrari, coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher em São Paulo.

MJ: Quais são as orientações para as mulheres se protegerem nas redes sociais e relações via ambientes virtuais?

Delegada Jamila Ferrari: São exemplos de orientações: não expor fotografias que mostram o local onde você mora ou trabalha, a escola ou universidade que frequenta, placa de carro, endereços importantes. Quando indicar um relacionamento, obter informações do parceiro ou parceira que possam ser checadas facilmente. Nunca enviar dinheiro ou autorizar transações financeiras, sem conhecê-la pessoalmente. Realizar chamadas de vídeo para constatar se a fotografia do perfil condiz com a pessoa. E se caso marcar encontro, que seja em um local público, com pessoas que possam ajudar, como restaurantes ou shoppings.

MJ: Se vítimas de um crime virtual, como assédio, cyberbullying ou vazamento de fotos íntimas, o que as mulheres devem fazer?

Delegada Jamila Ferrari:  As vítimas devem registrar boletim de ocorrência e guardar todos os registros de contato, como prints de conversa, vídeos ou áudios. A  comunicação pode ser feita em uma das 138 DDMs no estado de São Paulo, em qualquer outra delegacia territorial da Polícia Civil ou pela internet, por meio da DDM Online.

Crimes-virtuais
Polícia Civil oferece serviço de proteção à mulher no ambiente virtual. Foto: Governo do Estado de São Paulo

MJ: Quais ações são realizadas pela Polícia Civil para combater crimes cibernéticos voltados às mulheres? Há campanhas? Operações?

Delegada Jamila Ferrari: Desde o início da atual gestão, o Governo de São Paulo investe continuamente em ações para combater a violência contra a mulher, incluindo casos de assédio e importunação sexual. Para acolher as vítimas desses crimes, estimular as denúncias e facilitar o registro das ocorrências, ampliou de uma para 11 o número de DDM 24 horas, criou a DDM Online e o SOS Mulher, expandiu a rede de DDMs no Estado e realizou campanhas informativas. Além disso, todos os profissionais da Polícia Civil paulista são capacitados e orientados, por meio do Protocolo Único de Atendimento, a acolher as vítimas desses crimes e, sempre que necessário, encaminhá-las para a rede de apoio psicológico. Além de termos cartilhas e orientações e guias sobre como não cair em golpes de internet. Os documentos foram desenvolvidos pelas delegacias especializadas e estão disponíveis no site da Polícia Civil.

MJ: O que mais é importante as mulheres saberem?

Delegada Jamila Ferrari: A mulher não precisa ir até uma delegacia de polícia física para registrar os fatos. Ela pode registrar de forma virtual, pela delegacia eletrônica, caso prefira. É sempre importante ressaltar que a culpa nunca é da vítima!

Cuidado com as crianças e adolescentes!

A delegada Jamila Ferrari faz um alerta para os pais: “eles devem estar ainda mais atentos”. Ela orienta a nunca postar fotografias das crianças e adolescentes em trajes de banhos, sem roupa ou com o uniforme da escola. Sempre estar atento aos jogos online, segundo a delegada, também é importante. “Muitos predadores usam perfis falsos para acessar as crianças e adolescentes. Estar atento a mudanças de hábitos das crianças, como perguntas de cunho sexual de repente, ir mal na escola, faltas etc, além de sempre conversar e orientar as crianças de forma acolhedora”, pontua.

Crimes-virtuais
Rômulo Pinheiro dá orientações aos pais para protegerem os filhos na internet. Foto: Divulgação

Além das orientações dadas pela delegacia, o mestre em ciências da computação, Rômulo Pinheiro, afirma que os pais devem ter acesso total ao computador e celular do filho. Eles poderão agir de forma precoce se algo de errado estiver ocorrendo. “Existem aplicativos em que é possível saber quais são os sites que estão sendo acessados ou com quem estão conversando. Não é invasão de privacidade, é segurança com a criança”. Uma dessas ferramentas de monitoramento é o Google Family.

Pinheiro alerta para os perfis falsos. Muitas crianças já foram atraídas para armadilhas por meio de perfis falsos. “Geralmente, quem cria um perfil falso utiliza fotos falsas. O Google tem uma ferramenta que consegue dizer qual a origem da imagem. Esses perfis falsos não têm grande quantidade de seguidores, os nomes são estranhos, alguns possuem imagens infantil ou de animação. Eles podem e devem ser denunciados”, alerta.

A Polícia Civil de todos os estados realizadam constantes operações de combate à Pedofilia. Em qualquer suspeita, os pais devem procurar a polícia.

Denuncie!

Se você foi violentada em ambiente virtual, denuncie! Procure a Delegacia de Defesa da Mulher da sua cidade e faça o boletim de ocorrência. Este também pode ser feito de forma virtual. Você também pode pedir ajuda por meio de outros serviços de proteção à mulher, como o 190 (Polícia Militar) ou o aplicativo SOS Mulher. Não espere. Sua vida vale muito!