Por Bruna Fonseca
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Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, Jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista
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Há décadas, o Brasil ocupa a posição de um dos países que mais realiza cesáreas no mundo. Abordagens mais humanizadas têm ganhado destaque no sentido de combater essas estatísticas

“Se a gente quiser mudar o mundo, a gente precisa mudar a forma de nascer”. Foi essa a frase que Gabriela Montagnana ouviu de uma amiga que fez seu interesse pelo tema da humanização do parto despertar. Gabriela, de 39 anos, é natural de Bragança Paulista, no interior de São Paulo, onde atua como advogada. Antes de entrar em contato com o mundo do parto humanizado, ela passou por uma experiência que definiria a forma como ela escolheria lidar com suas próximas gestações. Durante sua primeira gravidez, Gabriela infelizmente veio a perder o bebê, com nove semanas de gestação. A obstetra que a acompanhava nesse momento não possuía uma abordagem humanizada em nenhum sentido, segundo a paulista. Ao constatarem que Gabriela havia realmente perdido o bebê, a médica não se ofereceu a sequer acompanhá-la ao pronto socorro para que fosse retirado o feto, indicando que a paciente fosse sozinha até lá.

“Ela me deixou na mão totalmente, me senti super desamparada, foi uma experiência muito ruim”, relembra Gabriela. E não é apenas nessas ocasiões difíceis que alguns médicos parecem não estar aptos para lidar com a fragilidade da experiência pela qual passa uma mulher gestante. O parto em si também é um momento que pode vir a se tornar traumático para mulheres cuja equipe médica não dispõe da sensibilidade necessária para acompanhá-las nesse processo.

Depois dessa experiência, Gabriela sabia que, durante sua próxima gestação, gostaria de optar por uma abordagem alternativa àquela pela qual tinha passado. “Tinha certeza de que eu queria buscar outro tipo de profissional, e ainda bem que a Dr. Sylvia entrou na minha vida”. Foi durante a gestação de Bento, hoje com 4 anos, que a advogada se aprofundou nos conceitos de humanização do parto. O contato com a Dr. Sylvia Freire, obstetra que já performava partos domiciliares há anos na cidade de Atibaia, também no interior do estado de São Paulo, foi crucial para que Gabriela sentisse o apoio e acolhimento necessários para buscar uma experiência de parto mais respeitosa.

O parto de Bento veio com complicações: houve um problema na placenta durante a gestação, o bebê teve seu crescimento restrito e acabou nascendo prematuro, com 35 semanas. Gabriela lembra que teve o apoio de sua médica durante todo o pré-natal, que a ajudou a entender quais eram as necessidades do seu bebê, bem como qual seria o melhor hospital para recebê-lo, a partir do momento que ficou entendido que o parto se daria em ambiente hospitalar. Ela entrou em trabalho de parto ainda em casa e só então se deslocou para o hospital, onde a experiência se deu de maneira completamente humanizada. Gabriela vivenciou o trabalho de parto em seu ritmo, tendo sua escolha pelo parto vaginal respeitada pela equipe médica. Quando Bento chegou, teve o contato pele a pele com a mãe assim que nasceu, antes de ir para a UTI. Apesar das complicações, correu tudo bem, ao que Gabriela se lembra de ter recebido todo o amparo necessário de sua obstetra, que a acompanhou durante todo o processo.

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Washington, Bento, Gabriela e a Dr. Sylvia recebem Gaia. Foto: Arquivo pessoal

Em sua segunda gestação, Gabriela estava torcendo para que fosse possível ser feito o parto domiciliar. A advogada procurou novamente a Dr. Sylvia, que, por já conhecer todo o seu histórico, pôde aconselhá-la da melhor forma para que a experiência fosse o mais tranquila possível para Gabriela e sua segunda bebê. Gaia nasceu em setembro desse ano, e também veio adiantada, com 37 semanas. Foi possível que o parto fosse feito em casa, como era desejo de Gabriela. Ele foi conduzido pela gestante, com o apoio e a supervisão de sua médica, que deu todo o amparo sem fazer quaisquer intervenções. Essa confiança foi crucial para que o momento fosse compartilhado da melhor forma por toda a família. O marido de Gabriela, Washington, participou do processo, e a pequena Gaia já pôde ficar logo com seus pais e o irmão assim que nasceu. “Ela não conheceu o hospital ainda, graças a Deus”, a paulista conta.

Assim foi o caso também de Adrielle Ribeiro, de 26 anos. Natural de Limeira, no interior de São Paulo. Adrielle já tinha pesquisado um pouco sobre parto humanizado antes de ficar grávida. Foi durante a gestação de Luna, hoje com 5 anos, que ela compartilhou com seu companheiro o desejo de optar pelo parto domiciliar. A ideia foi recebida com um pouco de receio pelas famílias do casal. “Há 5 anos, os parentes mais próximos já tinham ouvido falar sobre o parto domiciliar, mas não tinham o conhecimento. Pensavam que esse ‘estilo de parto’ poderia mais dar errado do que certo. Introduzir essa ideia pra eles durante os 9 meses fez parte do processo da gestação”, conta Adrielle.  

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Para a concretização desse desejo, foi importante ter o apoio da família, bem como de toda a equipe médica. “O parto é um momento de muita fragilidade, no sentido de se expor na frente de outras pessoas, expor a dor, posições ‘estranhas’, vontades, medos, gritos, choros. Ter tido todo o amparo da nossa equipe de parto foi a chave de todo o processo”, relembra a limeirense. Assim como no caso de Gabriela, a experiência do parto de Adrielle foi permeada pela confiança na gestante, e também pelo cuidado e atenção para que a mãe e a bebê estivessem seguras o tempo todo: “tivemos plano A, B e C. Sabíamos que poderia acontecer de sermos transferidos para o hospital e estávamos bem seguros, caso acontecesse”.

Ambos esses casos se encaixam dentro de uma tendência que cresce hoje no Brasil e no mundo. Entretanto, a busca por abordagens mais humanizadas de parto e, especialmente, pela escolha do ambiente domiciliar, ainda é muito minoritária em face às opções ligadas ao ambiente hospitalar e, em geral, mais invasivas. A assistência obstétrica no Brasil é, de fato, uma das mais medicalizadas do mundo, mais de 99% dos partos no país se dando hoje em hospitais e centros cirúrgicos.

A medicalização do parto

Segundo estatísticas do Ministério da Saúde, mais de 55% dos partos no Brasil se dão através de cesáreas, sendo que, no setor privado, esse número chega a compreender a marca alarmante de 85% dos casos, segundo dados do Ministério desse ano. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), os índices aceitáveis de frequência desse procedimento deveriam se encontrar em torno dos 15%. Tal índice indicaria, portanto, a configuração de uma epidemia oculta, para alguns especialistas.

Segundo Ana Clara Garcia Cerqueira, de 26 anos, esse processo de medicalização extrema dos partos está relacionado a uma disputa de poder dentro desse setor. “Antes do surgimento da medicina considerada ‘oficial’, as parteiras eram as mulheres que acompanhavam os processos de saúde de suas comunidades, especialmente os processos de saúde sexual e reprodutiva das outras mulheres, incluindo aí o abortamento e os partos. As parteiras tradicionais ainda resistem espalhadas pelo Brasil, mas em número muito menor”, relata Ana Clara. Ela se formou no curso de Obstetrícia em 2019 e atua hoje como parteira (ou obstetriz), atendendo partos domiciliares e hospitalares. Segundo ela, o modelo obstétrico atual é pautado em intervenções, não na fisiologia humana. “A reprodução é, há muito tempo, objeto de disputa, controle e dominação. Enquanto as parteiras nunca serviram aos interesses políticos e econômicos do Estado e das grandes corporações, a ginecologia e obstetrícia, enquanto área que vem de um histórico de tentar assumir esse processo como um todo, serviu”, Ana continua.

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Fernanda, estudante na reta final do curso de Medicina, atua na área obstétrica no SUS. Foto: Arquivo pessoal

Para Fernanda Kraus de Almeida, de 25 anos, a situação atual é alarmante também dentro do campo da medicina obstétrica. “Hoje em dia, a gente percebe muito a discrepância entre os partos vaginais e os partos cesáreas no Brasil. Os números inclusive assustam muito os obstetras”, afirma Fernanda, que cursa o 11º semestre da faculdade de Medicina, na capital de São Paulo. Estudando para se tornar médica obstetra, Fernanda atua dentro do SUS (Sistema Único de Saúde), frequentando o Hospital do Mboi Mirim, no Jardim Ângela, o Hospital Vila Santa Catarina, no Jabaquara, e algumas UBS também na zona sul de São Paulo. Segundo ela, “a maioria das gestantes quando chega ao consultório durante o pré-natal tende a preferir o parto vaginal. É ao longo da gestação que ela vai mudando de ideia, seja por medo da dor, por desinformação, por não ter alguém de confiança pra conversar com ela sobre essas questões. As mulheres querem parto vaginal e depois elas vão desistindo. E isso tem influência dos médicos”.

Nesse sentido, é interessante reconhecer que, segundo índices da Agência Nacional de Saúde Suplementar, o SUS paga aos médicos cerca de R$ 195 por partos vaginais e cerca de R$ 294 por cesáreas. Os valores, já baixos, sinalizam que a predileção pela cesárea pode sim estar relacionada mais à preferência dos médicos e médicas do que das próprias gestantes. Alia-se a isso a previsibilidade que a cesárea oferece – sendo um procedimento cirúrgico, ela é performada com hora marcada, diferente do parto vaginal, que varia de mulher para mulher e pode levar horas – e é possível vislumbrar com mais clareza como e por que esses números vão formando o cenário dos partos brasileiros. “O desmonte do SUS com o fortalecimento do sistema privado transforma a saúde em mercadoria, e quando a saúde é mercadoria o lucro vem antes das pessoas”, pontua Ana Clara.

Desigualdade de informações e escolhas

Pode-se dizer que a diferença significativa na porcentagem de partos cesárea entre os sistemas público e privado de saúde é mais um indicativo da gritante disparidade econômica no Brasil. Para Fernanda, é possível observar esse panorama de maneira palpável em clínicas e consultórios. “Pelo que eu estudo, no particular as mulheres costumam ter mais acesso à informação, conseguem passar por consultas de uma hora com o ginecologista, enquanto no SUS a mulher tem 15 minutos pra fazer o pré-natal”. Ainda assim, o maior nível de acesso à informação não garante às gestantes do sistema particular um nível real de autonomia para realizar a decisão sobre como se dará seu parto.

Existem fatores que levam os médicos a desencorajarem mulheres grávidas a optarem pelo parto vaginal, não oferecendo o devido acolhimento e as devidas instruções quanto ao trabalho de parto, por exemplo. Ainda de acordo com Fernanda, nas redes particulares, muitos médicos acabam por preferirem optar pela cesárea: “ela é mais cômoda pro médico, ela paga melhor. Muitos acabam escolhendo essa opção por motivos não ideais”.

Não podemos esquecer que, por se tratar de uma cirurgia, existem riscos atrelados ao procedimento cesariano, que, apesar de seguro em condições normais, não deveria ser feito de maneira indiscriminada, sem a real necessidade. Essa prática pode ser associada ao conceito de iatrogenia, estado de alteração patológica provocado nos pacientes pela má conduta médica. De acordo com Ana Clara, a cesárea hoje no Brasil “é usada de maneira desproporcional, exagerada, e ouso dizer criminosa, por se tratar de um procedimento cirúrgico que, como outros, deve ser utilizado com cautela, uma vez que aumenta os riscos de consequências adversas para as mulheres e para os bebês”.

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Ana Clara, obstetriz formada em 2019. Foto: Arquivo pessoal

A obstetriz conta que, durante todo o período da faculdade, a discussão das cesáreas desnecessárias foram um ponto estruturante do curso: “somos formadas para ser agentes ativas de mudanças, e para estar ao lado das mulheres em quaisquer circunstâncias”. Tanto que algumas práticas consideradas hoje como violência obstétrica não são sequer ensinadas às estudantes de Obstetrícia. “A episiotomia (procedimento em que se corta o períneo da mulher com a desculpa de que isso ajuda o bebê a sair) é considerada por nós violência e mutilação genital, sendo que o ensino do procedimento foi retirado do curso. A ciência mostra já há muitos anos que não existe indicação alguma pra realização da episiotomia, em nenhuma circunstância. A violência obstétrica é discutida incansavelmente nas aulas”, Ana Clara pontua.

É nessa conjuntura que a temática da humanização do parto vem crescendo dentre a sociedade. Ana Clara aponta para o fato de que esse movimento de humanização “é, muitas vezes, visto como um ‘tipo’ de parto, quando na realidade ele significa assistência à gestação e ao parto livres de violência, significa experiências de gestação e parto baseadas no respeito, na autonomia, na partilha de decisões. Acho muito doido como isso aparenta muitas vezes ser um tipo de assistência dentre tantas, porque isso deveria ser o mínimo em toda e qualquer situação no que diz respeito à saúde das mulheres. Um cuidado em saúde livre de violência deveria ser o óbvio. Mas não é”.

Para Fernanda, é justamente essa medicalização extrema, pautada muito na tecnologia e não tanto nos aspectos fisiológicos do parir, que fez com que o interesse por opções menos invasivas viesse à tona. É claro que o acompanhamento e a intervenção médica ainda se configuram como necessidades em muitos casos, mas, no geral, as taxas demonstram que é urgente readequar esses índices a um equilíbrio saudável. Como coloca Fernanda, “a cesárea é um procedimento muito necessário, salva vidas. Mas nós perdemos o ponto. A questão do parto humanizado está vindo à tona cada vez mais porque houve essa medicalização desproporcional do parto. Há decorrências tanto físicas quanto emocionais disso pras mães. Essas discussões vêm pra compensar o excesso da abordagem da medicalização, que ultrapassou o ponto do equilíbrio”.

Ainda segundo Fernanda, não é só nas casas de parto e no contexto domiciliar que é possível optar por uma abordagem mais humanizada, mas também no hospital. Dependendo do profissional, é possível realizar partos humanizados, como aconteceu no caso de Gabriela e o parto de Bento. Essa realidade, infelizmente, ainda não é rotina. “Na minha experiência no SUS, tem poucas médicas e enfermeiras engajadas em fazer isso acontecer de forma humanizada, mesmo o parto vaginal. Isso ainda tem muito espaço pra crescer”.

Dentre os desafios, a futura médica identifica que, para enxergarmos o crescimento significativo desses índices, seria imprescindível que toda a equipe médica estivesse disposta a fazer isso acontecer, de forma que a gestante fosse apresentada a essa opção logo no início do acompanhamento e, se optasse por ela, preparada desde o pré-natal. Além disso, “tem também a questão da demanda. Geralmente são de duas a três obstetras e duas, três enfermeiras obstétricas pra fazer os partos, então fica difícil você direcionar 100% do seu tempo pra cada gestante. Até porque parece que vem em combo, é até engraçado, às vezes, acabam nascendo quatro bebês de uma vez. E aí fica aquela correria da equipe, todo mundo se dividindo, indo atrás, pra conseguir ter mão. Então, essa questão no SUS ainda fica um pouco complicada”, divide Fernanda.

Falar de parto humanizado é levar sempre em consideração o aspecto fisiológico do processo. É impossível prever exatamente quando cada bebê vai nascer e como cada gestante vai se comportar. Assim, os obstáculos são muitos, mas a urgência pela humanização dos partos no Brasil e no mundo é gigantesca.

Fernanda observa que, apesar das taxas serem ainda muito desanimadoras, a procura pelo parto humanizado no setor particular está crescendo também. “E aí funciona muito. As mulheres que querem optar por isso têm acesso a todo tipo de analgesia e a todo o preparo necessário. Muitas vezes, elas conseguem pagar uma doula, ter o acompanhamento pros exercícios físicos, pélvicos, opções que infelizmente não estão disponíveis pras gestantes no SUS”. Ela identifica, ainda, que gestantes que fazem o parto pelo SUS muitas vezes querem ter a possibilidade de seguir essa opção, mas não têm acesso. E dentre as gestantes que conseguem arcar com os custos da rede particular, outro problema: por vezes, elas têm o acesso a opções mais humanizadas de parto, mas acabam não fazendo o preparo ou não optando por elas porque o médico falhou em orientá-las – ou até mesmo porque ele nem sequer chegou a apresentar essa possibilidade.

Autonomia para escolher

Existe hoje, em todo o mundo, um movimento crescente de mulheres em busca desde o estabelecimento de mais acesso à informação a gestantes até o fortalecimento da classe das doulas, por exemplo. Fernanda se encontra otimista com relação a esse panorama. “Pelo que eu vejo, a nova geração de obstetras já está vindo com uma mentalidade diferente, acho que a tendência é melhorar essas questões daqui pra frente”, ela aposta.

Já Ana Clara pontua também que a disparidade dos números ainda é desanimadora, e que ainda temos um longo caminho pela frente: “desde que entrei em contato com essa discussão, pouco antes de iniciar o curso de Obstetrícia em 2014, o debate sobre violência obstétrica e a busca por partos respeitosos cresceu muito sim, e devemos isso aos movimentos de mulheres que há anos denunciam e se mobilizam para construir outra história. Hoje temos políticas públicas orientadas por recomendações e estudos científicos que objetivam modificar a assistência às mulheres durante a gestação e o parto nos hospitais e serviços de saúde, no sentido de tornar essa uma assistência mais respeitosa. Mas ainda estamos muito longe dessa ser a regra e não a exceção”.

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A obstetriz aponta para o fato de que, para haver uma mudança realmente impactante e significativa, é preciso que se ultrapasse a esfera pessoal e que essas discussões sejam levadas a uma escala mais macro, coletiva. Tanto que o aumento pela busca de abordagens mais humanizadas de parto não é identificado por Ana Clara como um movimento individual de mulheres, mas como o resultado de pressões sociais e políticas públicas. “Para mim, acredito não se tratar de uma coisa pela qual mais mulheres tem optado ou não, mas sim de uma mudança profunda nas estruturas para que os partos respeitosos sejam todos. Sei que a mudança não virá dos que estão lá em cima e detêm dos poderes estruturais, como nunca veio. Mas aposto todas as minhas fichas nas mulheres, em nós”. Fernanda concorda, ao afirmar que “quanto mais crescer esse movimento, mais a gestante terá possibilidades de escolha, de decidir se ela quer um parto vaginal, humanizado, hospitalar, o que for”.

Porque, no fim das contas, o que mais importa é garantir a segurança, acolhimento e conforto da gestante e do bebê. Como coloca Gabriela, “eu acho que é isso que o parto humanizado proporciona. O processo começa já no pré-natal, com a médica ouvindo todos os seus medos, suas dúvidas, procurando te atender. E sem forçar barra nenhuma, entendendo o que você quer e o que é melhor pra você”. Na experiência de Adrielle, “ter escolhido um parto domiciliar foi também escolher um ambiente em que eu conseguisse relaxar, onde eu me sentisse à vontade e respeitada. Se acontecer de termos mais um filho, com certeza optaríamos de novo pelo parto domiciliar! A experiência que tivemos foi muito boa, superou nossas expectativas”.

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De fato, com maiores pressões populares e mais acesso à informação, a tendência é que mais mulheres sintam que possuem a verdadeira autonomia e o apoio para fazerem escolhas informadas. Para Fernanda, o desenvolvimento de boas relações entre doulas, obstetrizes e obstetras se mostra hoje como uma maneira importante de abrir portas para a construção de uma prática obstétrica mais responsável e acolhedora. “No MBoi, tem obstetrizes. No começo foi uma relação difícil de se estabelecer. Até porque tem médicos e estudantes de medicina que se portam de forma arrogante, se sentem superiores. Então isso afasta um pouco o médico da obstetriz, da doula e da enfermeira obstétrica. Mas isso é a maior besteira que pode acontecer porque cada um tem o seu papel. Pelo menos no SUS, a obstetriz, a doula e a enfermeira estão lá justamente pra ajudar em todas essas questões que faltam. Nesse sentido, elas são indispensáveis. Mas eu acho que essa relação tem muito que ser melhorada. Ainda existe um distanciamento. Juntos, a gente conseguiria mudar muito a forma como os partos acontecem”.

A mudança, ao que tudo indica, virá desse conjunto de fatores. A articulação da comunidade civil, a desmistificação acerca do parto e seus riscos e desdobramentos, a cooperação entre os diferentes profissionais que trabalham nesse setor: todos esses elementos são importantes para revolucionar a forma de nascer dos brasileiros. Para Ana Clara, a educação do público quanto a essas problemáticas é essencial para o avanço da questão, a começar pelo próprio conceito de “parto” e “parteira”. Ana, que esse ano começou a atuar num hospital maternidade do SUS, pontua que “ser obstetriz vai muito além de cuidar da gestação e do parto. É acompanhar mulheres em seus ciclos de vida, fomentar educação em saúde, garantir os direitos sexuais e justiça reprodutiva e incentivar a autonomia e o conhecimento sobre nossos corpos. Já acompanhei meninas no início da adolescência passando pelo momento da primeira menstruação (e todas as cargas e significados que isso carrega em nossa sociedade), mulheres idosas atravessando o processo da menopausa, partos intensos de muita alegria e celebração, partos muito difíceis carregados de luto. Ser obstetriz é complexo, é desafiador e é também uma das escolhas mais bonitas que já fiz. Me encontrei de um jeito intenso, e só tem feito cada
vez mais sentido estar nesse lugar, junto a outras mulheres”.

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Renan, Luna e Adrielle cercados pela equipe que acompanhou o parto. Foto: Michele Pampanin