Letícia Fagundes, foi reconhecida em 2022 como a jornalista mais premiada do Sul do Brasil. Também fez a cobertura da calamidade nas enchentes do Rio Grande do Sul em maio de 2024.

 

De influenciadores presos a políticos se agredindo, a mídia tem sustentado um espetáculo para garantir audiência. Como jornalista, me sinto perplexa com essa realidade e penso em como o público, muitas vezes sem preparo para digerir tais conteúdos, absorve tudo isso. O Brasil passou por queimadas devastadoras, viu influenciadores sendo presos e acompanhou debates políticos que escalaram para a violência verbal e até física, tudo simultaneamente. Se a televisão, um dos veículos mais consumidos pela massa, é a principal fonte dessas informações, imagine o impacto: mesmo trocando de canal, o telespectador é bombardeado pelos mesmos conteúdos sórdidos.

Há estudos que sugerem que a internet tem superado a televisão em relevância, e isso é verdade em muitos aspectos. No entanto, ainda há uma grande parcela da população que consome a TV aberta diariamente. E o espectador de redes sociais, que acredita estar mais protegido, se engana: o que é exibido na televisão rapidamente se transforma em conteúdo digital nas plataformas jornalísticas. Pior ainda, os algoritmos das redes sociais acabam empurrando conteúdos de baixa qualidade diretamente para as timelines, sem filtro, sem critério, só o que o usuário “clicou” anteriormente.

Além disso, o aleatório e o absurdo aparecem sem aviso, com o objetivo claro de fisgar a atenção e gerar engajamento. Tomemos as queimadas criminosas como exemplo: poderiam, e deveriam, ser um tema de investigação profunda no jornalismo. Porém, nas redações de hoje, jornalistas muitas vezes se veem amordaçados, rodeados por colegas obcecados com o que está em alta nas redes sociais. O foco na apuração minuciosa é frequentemente substituído por uma corrida para “viralizar”.

As coberturas acabam sendo, em muitos casos, vergonhosas. Lembro-me das enchentes no Rio Grande do Sul: enquanto cobria a tragédia diariamente, me deparei com jornalistas mais jovens que mal me cumprimentavam, parecendo mais preocupados com suas redes sociais do que com a realidade que estavam ali para reportar. A cobertura no interior só aconteceu após insistentes pedidos. Enquanto Porto Alegre estava saturada de jornalistas, em regiões gravemente atingidas, como o interior, havia escassez de profissionais. Um dia, um colega recém-chegado à área afetada avisou que tomaria um banho e se arrumaria antes de “entrar na enchente”, como se fosse uma cena de filme e não uma tragédia real.

Há muitas verdades duras nesse relato, mas poucas oportunidades de expressá-las. A pressão para seguir ordens sem questionar é imensa. Lembro de ter contrariado um chefe de reportagem durante as enchentes e, como retaliação, minha matéria foi barrada e não foi ao ar. O ambiente das redações hoje é frio, dominado por olhares fixos nas telas de celulares e egos feridos. O resultado disso? Um jornalismo pobre e um público que clama por profundidade.

A realidade é que o tempo para reportagens na TV aberta é limitado e, quando não somos do agrado de quem decide, ele diminui ainda mais. Uma matéria de sete minutos já é uma batalha para ir ao ar. Como se pode informar com qualidade em três minutos? É praticamente impossível. O público acaba recebendo apenas o que é fácil: políticos brigando e influenciadores sendo presos. E no fim, uma máscara improvisada tapa a verdade sobre os incêndios florestais, enquanto o jornalismo verdadeiro, que deveria trazer luz a essas questões, é sufocado.

Fofoca não é jornalismo. Para informar com verdade, precisamos de mais tempo e menos politicagem nas redações. Hoje, o jornalismo está sobrecarregado por interesses pessoais, amizades e uma notável incapacidade de discutir pautas com a seriedade que tínhamos nos anos 90.

Diante disso tudo pergunto a você: Que tipo de telespecator você é? O que aceita que está imune nas redes sociais, consumindo só o que você quer ou àquele que sem condição se obriga a ligar a televisão para ver o circo?