Como sobreviver à morte da verdade e a outros esqueletos que saem do armário
Por Marta Dueñas, Jornalista
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Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, Jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista
Editora de conteúdo – Site MJ: Beatriz Azevedo, Jornalista
Além do enfrentamento das crises sociais já conhecidas por nós brasileiros, da pandemia que provocou mortes, isolamento social, adoecimentos físicos e emocionais, enfrentamos uma crise econômica, derrocada das instituições e a morte da verdade. A pandemia não revela apenas o coronavirus, a pandemia vai revelar a pessoa que habita em você, o seu vizinho, seu chefe, seus amigos e a família. Nosso próximo desafio, além de sobreviver à crise sanitária, às enchentes, à habilidade política internacional do Governo, será nos recriarmos a partir desses lutos e do enterro de alicerces de nossa sociedade como conhecemos.
Algumas passagens serão de grande importância para o nascimento do novo. O mercado precisa mudar. A maneira como nos desenvolvemos economicamente e, principalmente, como nos entendemos como seres criadores e produtivos. Eu celebro este renascimento, mas entendo que será duro e fará aparecer o que há de mesquinho na gente. Existe ainda um grande número de pessoas apegadas ao seu pedestal e estes estarão armados diante do quadro de mudança.
Já a morte da verdade, que inaugura uma era de crendices e insanidades, me assusta.
Ainda que a verdade não exista como unidade, ela é patrimônio social e um direito humano. Somente a sensação da existência dela é importante para nosso modo de pensar e para a segurança e bem-estar. Como jornalista, acredito que podemos ter mais de uma verdade, porém elas precisam estar ancoradas na mesma base factual científica. Aprendi, também, que notícia é algo que necessariamente tem que ter comprovações, fontes credenciadas, relevância social, interesse público e visar o bem coletivo. Mas se começamos a relativizar fatos e até mesmo a ciência (que destaco aqui: não compete com a fé), então começamos a derrubar as bases daquilo que se conhece por informação.
A crise dos meios de comunicação, que é anterior à pandemia, somada ao descrédito das instituições e ao avanço da cultura de informações por demanda, abriu a porta a esta nova ordem que subverte a importância do objetivo e do subjetivo e corrompe aquilo que entendemos por fonte de credibilidade. Há, ainda, uma confusa relação naquilo que é liberdade de escolher a quem ouvir com entender quem pode ser fonte de algum tipo de informação.
Estamos dando prime time do Ibope aquele parente do Whats da família que dá a notícia nacional como se fosse o Bonner. Os jovens estão adotando como âncoras os influencers e youtubers que, em média, para não perder a piada, perdem a noção da notícia ou da informação. Isso é grave, mas o pior é você acreditar.
Se antes se dizia que informação é poder, hoje eu diria que poderosa é a desinformação. A transferência do poder não se dá necessariamente a quem tem informação, mas sim ao detrimento dela. É quase uma relação perversa de comunicação e desenvolvimento. A era da sabedoria das massas partilha a falta de conhecimento em grande escala e, pior, liberta e endossa preconceitos de todos nós.
Algumas pessoas realmente acreditam mais em vídeos feitos no banheiro de casa ou num espaço lugar nenhum do que nos indicativos científicos, entrevistas de professores pesquisadores que prestam informação a respeito da covid-19. A subjetividade não poética, chamarei assim, vem ganhando da objetividade. Não é a emoção x razão. São os memes e o tik tok, e não a poesia, que estão tentando aniquilar a ciência.
Se a verdade está com pé na cova, minha pergunta é para onde estamos sendo conduzidos uma vez que a informação (real ou não) é indutora? Para onde estes retalhos de informação, estes inputs que nem sempre são colhidos à luz da ciência vão nos levar? Não sabemos ainda. Estamos experienciando algo maior do que números de contaminados que não fecham, falta de estatísticas ou desastrosos (e supostos) pedidos de paz que antecedem guerras. Estamos na porta de algo novo cuja ponte não está construída ainda. Sim, é assustador, mas é aí que fica mais interessante. Temos mais perguntas do que respostas e este é um cenário de inovação social, humana, econômica, científica.
Já pensou em usar seu Whats para fazer novos negócios? Os aplicativos de encontro podem ser utilizados pelas escolas para dar match entre alunos e conteúdo. A hora é de ousadia.
Se a verdade morrer, que a “não verdade” seja poética. Se a subjetividade matar a ciência, que o subtexto nos faça sobreviver: os contos, a escrita, a arte, a cultura e a filosofia. Tudo aquilo que já foi dado por morto em nome do mercado agora nos salva de um mercado no caminho da morte.