Especialistas em psicologia alertam para as consequências dos prazeres virtuais,
principalmente para mulheres
Regina Fiore Ribeiro, Repórter SP
O Brasil já é hoje o 5º país do mundo a ter mais smartphones em uso. São 230 milhões de aparelhos habilitados, sendo que boa parte dos usuários possui mais de um aparelho. É o que mostra a 30ª Pesquisa Anual de Administração e Uso de Tecnologia da Informação nas Empresas, realizada pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), que apontou também que cada habitante do país tem hoje dois dispositivos móveis, incluindo smartphones, computadores, notebooks e tablets.
Os dados apresentados pela pesquisa são uma demonstração de como o ambiente virtual ganhou um espaço significativo na vida dos brasileiros, não só profissionalmente, mas em todos os âmbitos, inclusive sexual. Conhecido pelo termo em inglês sexting (junção de sex com texting), muitas pessoas têm estabelecido relacionamentos virtuais e usam a troca de mensagens para satisfazer seus desejos sexuais, por meio de vídeos, descrições e áudios. A prática do sexting tem dividido opiniões entre especialistas, principalmente no que diz respeito às mulheres.
A psicóloga Mariana Clark considera que os relacionamentos virtuais podem trazer benefícios, se as ferramentas forem bem utilizadas. “As redes sociais são muito potentes e com múltiplos benefícios para os novos tempos. A internet afetou completamente nossos relacionamentos. É um caminho sem volta e inevitável. A crítica não deve ser às redes sociais, desde que a gente tenha a consciência das consequências de ter um relacionamento digital”, argumenta ela.
No entanto, as mulheres podem sofrer dentro do ambiente online reflexos do machismo que existe na realidade. “Geralmente as mulheres que praticam relações sexuais virtuais passam por um processo de sabotagem. Acontece tanto com mulheres que inconscientemente evitam se relacionar quanto com mulheres que tiveram, por exemplo, a figura masculina ausente durante a infância e buscam relacionamentos difíceis na vida adulta”, explica Pollyana Esteves de Oliveira, psicoterapeuta e especialista em psicologia positiva pela Universidade da Pensilvânia.
Consequências reais: baixa auto-estima e exposição
No quesito prazer versus consequências, as duas profissionais concordam que a prática de sexo virtual pode trazer problemas tanto no âmbito psicológico quanto no âmbito concreto. “A mulher que geralmente tem essa prática provavelmente já possui a auto-estima baixa, não se considera sensual ou bonita o suficiente para estabelecer uma relação real e o celular vira um tipo de proteção. Isso pode se agravar e fazer com que ela se feche cada dia mais para um relacionamento verdadeiro”, diz Pollyana.
Mariana ainda toca em outro assunto urgente: a pornografia de revanche, que consiste em divulgar fotos ou vídeos íntimos sem autorização da pessoa e é crime no Brasil. “As consequências em geral não são levadas em consideração. As pessoas envolvidas começam a se contentar apenas com as aparências. Isso gera um aumento significativo de quadros de ansiedade e angústia, que podem causar problemas relacionados à intimidade, à capacidade de se vincular, à segurança e à integridade física e mental, como é o caso da divulgação de fotos ou vídeos íntimos. Sexting é uma prática considerada de risco”.
É sempre importante lembrar que a pornografia de revanche afeta de forma diferente homens e mulheres. Geralmente, as piores consequências se manifestam quando mulheres são vítimas dessa prática. Alguns casos levam à exclusão, perda de emprego, mudança de cidade forçada pela família ou até ao suicídio. A intimidade da mulher, quando exposta, é considerada socialmente mais vergonhosa do que a intimidade do homem.
No entanto, mesmo quando não há exposição, os resultados podem ser maléficos. “A pior das consequências é a frustração. De início a mulher se engana achando que está em um relacionamento, mas com o passar do tempo ela percebe que continua sozinha, não há trocas de carícias físicas ou presença real. Isso vai abalando fortemente a auto estima da mulher, que vai se achando cada vez mais inferior e não merecedora de ser amada ou ter um relacionamento saudável”, alerta Pollyana.
Por outro lado, na visão de Mariana, não podemos colocar a culpa de todo esse processo apenas nas redes sociais. “O problema não são as ferramentas, é o mau uso delas. O que pode adoecer é a má qualidade da relação que estabelecemos com a internet”. A psicóloga destaca, entre os benefícios das redes sociais, o movimento positivo em que mulheres se sentem cada vez mais seguras na relação com o seu corpo.
Além disso, os relacionamentos virtuais nunca poderão substituir as relações reais, nem mesmo as sexuais. O prazer não é semelhante e traz consequências para o sexo masculino também. “Alguns homens se viciam no sexo virtual e acabam deixando de lado o contato real, já que a imaginação e a prática são muito diferentes. É um fenômeno semelhante ao que acontece com quem vê muito filme pornô; se sente frustrado por não conseguir ter a mesma performance ou pela parceira não realizar as mesmas fantasias”, conclui Pollyana.
Entre os adolescentes, Mariana pontua que as consequências ficarão mais expostas em alguns anos. “Os mais jovens não foram educados virtualmente e tão pouco alfabetizados nas suas necessidades, emoções e desejos. As redes sociais exigem uma felicidade e euforia que são incompatíveis com a condição humana. Para se relacionar verdadeiramente com alguém é necessário um investimento genuíno e afetivo, muito diferente quando começamos a substituir as nossas conexões reais por conexões digitais”