Por Ana Joulie, Psicóloga especializada em patologias graves, fundadora e diretora clínica da Rede Internacional de Acompanhamento Terapêutico (RIAT) 

anajoulie@riat.app 

Chefe de Reportagem: Juliana Monaco, jornalista 

Editora Chefe: Letícia Fagundes, Jornalista 

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Isma-Brasil (International Stress Management Association) do Brasil, em 2003, constatou que a profissão de policial é uma das mais estressantes do mundo, seguida pelas atividades de motoristas de ônibus e controladores de voo. Seis anos depois, o mesmo instituto afirmou que a especialidade continuava no topo do ranking.

No meio acadêmico, é sabido que pouco se investiga sobre a condição psicológica desses profissionais – responsáveis pela manutenção de nossa segurança pública, e certamente existem sérias resistências institucionais para que exista/tenhamos essa pobreza de dados. Diante dessa escassez, se torna muito difícil definir, objetivamente, sobre como nossos policiais estão em relação a transtornos psicológicos, bem como sobre suas estruturas de personalidade.

Com relação ao meio social e de estudos superficiais, com suposições e poucos dados estatísticos, não temos como mensurar e definir de forma científica sobre a saúde e condição mental dos policiais em tempos atuais. No entanto, pequenas coletas de avaliações e de análises clínicas trazem informações de que esses indivíduos padecem de sérios desajustes emocionais, comportamentais e sociais, causando influência significativa em seu entorno.

O trabalho policial, seja ele tido por instituições federais, civis, ou militares, implica riscos pertinentes ao desempenho de suas atividades, afetando vários aspectos da vida do indivíduo, por ser uma profissão de extrema vulnerabilidade – com altos níveis de estresse, ansiedade, adrenalina e outros problemas de saúde mental, física e social.

No Brasil, o policial atua como agente repressor da criminalidade, promovendo e garantindo a ordem pública, protegendo pessoas e patrimônios, realizando investigações e repressão de crimes além, é claro, de atos que envolvem violência. Desde a formação, começam a lidar com cargas massivas de disciplina, condicionamento hierárquico, resistência a pressões físicas e psicológicas. Quando se formam, assumem a responsabilidade de proteger a sociedade, mesmo que para isso arrisquem sua própria vida.

Pessoas que desejam seguir essa profissão possuem senso de justiça, heroísmo, altruísmo, defesa ao próximo e almejam prestar um serviço à sociedade. O desejo genuíno de assumir essa responsabilidade é certamente o que consegue manter muitos dentro de estruturas emocionais mais regulares. Porém, com o passar do tempo, é necessário manter o controle emocional e absorver melhor os sentimentos que surgem com as demandas de trabalho, para não desenvolver o que chamo de “desajuste” no funcionamento psíquico.

Trabalhar como policial implica ter que lidar com situações complexas e violentas da sociedade, presenciando assaltos, homicídios, suicídios, atrocidades, sequestros, violência de todos os tipos, e portando diversos tipos de armamento, inclusive armas de fogo. É uma explosão de adrenalina que afeta os aspectos comportamentais, emocionais, cognitivos, físicos, sociais, principalmente nas relações do núcleo familiar.

Nesse contexto, se faz necessário uma série de adaptações para conseguir sustentar a realidade laboral. Eles precisam mobilizar alguns recursos internos para suportar a peculiaridade da profissão e, caso isso não ocorra, tornam-se vulneráveis a Transtornos Psicossomáticos, como estresse físico e mental, Transtornos de Ansiedade e Distúrbios do Sono, Transtorno de Estresse pós-traumático (TEPT ), fobias etc. Infelizmente, podem tornar-se pessoas agressivas, autoritárias, compulsivas, viciadas, desenvolvendo patologias de desvalimento psíquico.

A estrutura de personalidade cria defesas rígidas para lidar com todo impacto do ofício laboral, fazendo com que as pessoas tenham transições de correntes psíquicas da estrutura de personalidade, que destravam e inibem questões pessoais. A transformação se dá desde o sentido mais básico e primitivo até o mais complexo e superficial.

O arquétipo do herói/salvador dado ao policial passa a ser diluído quando ele não cuida de sua saúde mental. A conversão traz de forma mais explícita o egocentrismo, atribuindo a eles estruturas de personalidade mais narcísicas. O sujeito que é policial adoece e, geralmente, não se dá conta de como age, tampouco consegue assumir suas fraquezas e debilidades. Torna-se um ser austero, com uma série de dificuldades de se expressar e desenvolver, dentro do padrão de normalidade, seus relacionamentos interpessoais.

Egocentrismo, complexo de superioridade, discurso de extrema coragem e confiança podem ser mecanismos de defesa que surgem como uma maneira de negação dos sentimentos de inferioridade e principalmente de defender o indivíduo contra esses sentimentos. Portanto, pode-se considerar que, nos grupos de policiais, exista um esforço para compensar a autoestima baixa com mecanismos de negação e defesa narcísicas, e que a falta dessas defesas pode ocasionar o desenvolvimento de transtornos psicológicos, como depressão e autodesqualificação, por exemplo.

A saúde mental dos nossos heróis está cada vez mais afetada, maltratada e escondida. Um policial não deixa de exercer outros papéis sociais. São filhos, pais, amigos, namorados, professores, dentre outros. São cidadãos, prestadores de serviço público e precisam ter atenção e cuidado, além de respeito e empatia pelo trabalho que realizam. Devem ter acompanhamento psicológico de forma regular e controlada, para evitar traumas que consolidam patologias.

O Estado, a sociedade, os gestores das instituições federais, civis e militares devem priorizar essas pessoas, dando a elas a oportunidade de terem uma melhor qualidade de vida. Certamente se nossa segurança pública estiver equilibrada, amparada, reduziremos significativamente a proporção dos policiais acometidos por transtornos psíquicos. O sucateamento do serviço público negligencia este atendimento a eles.

Uma sociedade que confia em seus heróis é saudável. Um policial com boa saúde mental exerce sua função com excelência e, quando tira a farda, segue sendo excelente como pessoa, como humano.