Por Ana Joulie, Psicóloga especializada em patologias graves, fundadora e diretora clínica da Rede Internacional de Acompanhamento Terapêutico (RIAT)
anajoulie@riat.app
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista 
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, Jornalista

Desde que o mundo parou devido à covid-19, muitos profissionais tiveram que mudar radicalmente sua maneira de trabalhar. Tornaram-se “reféns” do caos e passaram à modalidade home office, a fim de preservar seus empregos e a estabilidade econômica.

Diante da mudança brusca e necessária, ficou evidente que essa forma de trabalho trouxe seus efeitos adversos, afetando a saúde física e mental dessas pessoas. Muitos estudos e pesquisas foram realizados em 2020 abordando essa nova realidade e foi constatado que, realmente, o home office trouxe um grande prejuízo à saúde mental. Muitos danos psicológicos foram identificados e cerca de 70% da população foi diretamente atingida, principalmente mulheres e pais de crianças pequenas. Imaginem como todas essas pessoas estão atualmente, passando por um ano devastador, com perdas, insegurança, medo, impotência e muitos desafios a serem superados.

Venho comentando em conversas anteriores que todo tipo de mudança traz consigo transtornos. O nível de estresse é aumentado nesse processo, pois o desconhecido gera medo, insegurança, impotência e muitos desafios até chegar na fase de total adaptação. Leva-se tempo. O processo de adaptação depende do processo de transição, e nem sempre a transição é feita de forma planejada.

O ambiente físico e suas variáveis são responsáveis por prover concentração, motivação e habilidades diversas durante o processo de produção. Por isso, trabalhar em casa sem nenhum tipo de mudança ambiental não levará a bons resultados. É importante preparar o ambiente e disciplinar as tarefas e horários, separar o tempo para a realização de afazeres domésticos e tarefas laborais. Distração, poluição visual, auditiva, ocorrências inusitadas de familiares e/ou vizinhos desorganizam a dinâmica laboral.

Ainda sobre o ambiente de trabalho, exponho que a saúde mental também depende de uma boa saúde física, e trabalhar em má condição física gera muito desconforto e estresse. As acomodações de uma casa não estão preparadas necessariamente para servir às necessidades de um trabalho. Luz, temperatura, mesa, cadeira, rede de internet, tudo isso gera influência no profissional que precisa trabalhar e obter bons resultados. Além dessas questões recém citadas, existem variáveis como a geladeira, o choro do bebê, o chamego ao cônjuge, a cama que atrai mais horas de sono/descanso, a televisão com notícias e entretenimento, os animais domésticos etc. São muitas as variáveis que interferem na concentração do trabalhador.

O home office não é um vilão, propriamente dito, mas pode tornar-se. Se a organização e disciplina não forem adequadas, o profissional se desestrutura, pode adoecer e, inclusive, perder o trabalho.

Foto: Reprodução/Amanda Cotrim/RIAT

Enquanto, através do home office, a economia de alguns recursos operativos é instalada de forma positiva, como o tempo de locomoção entre a casa e o trabalho, evitando estresse no trânsito e poupando combustível, por outro lado, hoje essa questão se converte em mais tempo de descanso ou de ocupação com outras tarefas ou obrigações. Se internaliza o trabalho e muitos passam a ocupar todo o tempo com demandas laborais. Os horários bagunçam a dinâmica da pessoa.

O que também é afetado diretamente é o relacionamento, convivência e organização familiar, pois todos se tornam “reféns” nesse processo. A convivência em carga horária massiva traz questões que antes não eram registradas, tampouco impactadas. Passar 24h sendo mãe/pai, cônjuge, sem intervalo e fuga, afeta o estado emocional e psíquico. Os conflitos e discussões se tornam mais frequentes, assim como surgem, de forma mais concreta, as percepções dos defeitos de caráter de cada membro da casa, abalando e afetando a convivência e obrigações laborais. Sem dúvidas, o home office traz dupla carga de trabalho.

Lidar com toda essa dinâmica, sob o impacto da covid-19, numa condição desconfortável, vulnerável e imprevisível, implica muita resistência de todos. As habilidades e estratégias criativas devem surgir como forma de sobrevivência.

Os efeitos adversos de tudo que foi mencionado estão ligados ao corpo e mente, são eles: cansaço constante, estresse excessivo, ansiedade, irritabilidade, alterações do humor, insônia, dores de cabeça, alterações do apetite, dificuldade de concentração, sentimentos de incompetência, derrota, desesperança, isolamento, depressão, fadiga etc. Diante de toda essa carga, os transtornos mentais podem surgir de forma bastante intensa. A síndrome de Burnout, por exemplo, que se dá por uma concepção multidimensional, que traz a questão do esgotamento emocional, redução da realização pessoal no trabalho e despersonalização do profissional, tem sido uma das mais evidentes, além dos transtornos de ansiedade e depressão.

O home office é um desafio, porque é uma condição necessária, por isso, é muito importante que o profissional se esforce em criar um ambiente adequado para trabalhar em condição saudável. Também se faz necessário a utilização de serviços de saúde mental para garantir um apoio durante esse período, que não tem prazo pré-determinado de término.

Nesse atual momento, julho de 2021, com o processo de imunização sendo executado, pensamos que a condição de home office acabará. No entanto, a pandemia instalou muitos padrões que seguiram sendo a condição normal de muitos profissionais. Sabendo e aceitando essa condição, é importante que os profissionais intensifiquem o autocuidado.

Para ter uma condição saudável fazendo home office, o profissional precisa, regularmente, organizar a rotina, ou seja, dedicar os tempos apropriados para todas as funções e obrigações, com horários para dormir, acordar, alimentar-se, trabalhar, ter o lazer, praticar atividade física etc. Necessita pausar sempre que for necessário e se condicionar para realmente usufruir dessa pausa. Buscar distrações relaxantes. E, por último, saber identificar os sinais do corpo e mente, sentir as emoções para que elas não se instalem de maneira doentia.

O ser humano possui alta capacidade de adaptação. Basta saber usá-la, para se manterem sãos e salvos. Lembre-se de que seus colegas também estão na mesma condição, busque ser gentil e solidário também. ?