Por Raquel Banus, jornalista
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Religiões de matriz africana são os maiores alvos de discriminação no país

O Brasil é oficialmente um Estado laico, onde a liberdade religiosa é regulamentada por lei. A Constituição Federal de 1988 determina que: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

Apesar de haver uma legislação que garante e protege o livre exercício dos cultos religiosos e a liberdade de crença, no Brasil casos de intolerância religiosa crescem e evidenciam problemas estruturais na nossa sociedade.

Intolerância religiosa

A intolerância religiosa pode ser definida como qualquer ato de discriminação contra crenças ou pessoas por conta de suas práticas religiosas.

Cicero Arruda | Imagem: divulgação

De acordo com dados da Secretaria de Direitos Humanos, as religiões de matriz africana são os principais alvos de intolerância religiosa no Brasil e esses números crescem de forma alarmante. Em 2021, as notificações de agressões contra religiões afro-brasileiras cresceram em um percentual acima de 270%, comparado ao ano anterior. Foram 353 casos registrados em 2020 e 966 registros em 2021.

O pai de Santo Cicero Arruda relata que recebe pedidos de orientação de seus filhos de santo sobre como lidar com situações de preconceito ‘Já tive, por exemplo, o caso de uma filha que mal entrou no centro e teve que sair pois os pais não permitiram que ela permanecesse, inclusive eles queimaram suas roupas de uso no centro e ameaçaram quebrar o terreiro se a filha frequentasse novamente”. Cícero acredita que casos como esses são consequência de uma visão deturpada do cristianismo, que faz com que religiosos mais extremistas demonizem ou desprezem quaisquer outras crenças.

Intolerância religiosa ou racismo religioso?

Para o historiador Roberto Xavier, o termo racismo religioso é o mais adequado para se referir ao preconceito que as religiões de matriz africana sofrem. Ele relata que, quando os portugueses decidiram iniciar o processo de colonização do Brasil, houve uma imposição religiosa cristã que começou com o processo de catequização dos índios e, no momento em que o colonizador europeu invade o continente africano, ocorre como forma de domínio, a mesma estratégia de imposição religiosa.

“Ao trazer o negro para o Brasil, houve a tentativa de extermínio da história cultural e da essência dos escravizados, resultando em uma tentativa de desumanização do africano que, para ser dominado, precisava matar dentro de si toda sua memória de civilização e ancestralidade”, afirma Roberto.

Ele enfatiza ainda que todo esse processo resultou na criação de estereótipos negativos das religiões que já existiam em toda África e que a educação brasileira por muito tempo negou à população conhecimento sobre a cultura africana, contribuindo para a disseminação do preconceito às religiões de matriz afro.

Roberto Xavier | Imagem: divulgação

“A educação brasileira sempre se espelhou em um modelo educacional branco e eurocêntrico, houve a escolha de negar a nossa sociedade tão plural, os benefícios da diversidade religiosa. Portanto, os meios utilizados pelos descendentes dos povos africanos para exercerem sua religiosidade sempre encontraram no seu caminho a prática do preconceito”, enfatiza o historiador.

Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa

Em 2007, foi instituído o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado no dia 21 de janeiro, pela Lei Federal nº 11.635. A data foi escolhida em homenagem à baiana Gildásia dos Santos e Santos, mais conhecida como Mãe Gilda de Ogun. Em 1999, uma foto da líder religiosa foi publicada pela Folha Universal, jornal da Igreja Universal do Reino de Deus, em uma matéria que acusava religiões de matriz africana de charlatanismo. Após a publicação, a candomblecista e sua família tiveram sua casa e terreiro invadidos, sofreram agressões físicas e verbais, além de depredações no terreiro. Com seus problemas de saúde agravados pelos ataques, mãe Gilda teve um infarto e morreu no dia 21 de janeiro de 2000, sua luta e história se tornaram um símbolo de resistência contra a intolerância religiosa no Brasil.

Canais de denúncia

O Disque 100 (Disque Direitos Humanos) é um serviço que recebe, avalia e encaminha denúncias para os órgãos responsáveis pela investigação e responsabilização. O serviço funciona 24 horas e as ligações podem ser feitas de todo Brasil.

Pelo WhatsApp, as denúncias podem ser feitas pelo número (61) 99611-0100 e no Telegram basta digitar “direitoshumanosbrasil” na busca do aplicativo.

Em todas as plataformas acima as denúncias são gratuitas e anônimas.

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