Comentarista Melissa Rocha- RJ
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Episódio de assédio moral e sexual contra humorista da Globo jogou luz sobre a necessidade de elevar a proteção às mulheres para encorajá-las a denunciar seus agressores  

O episódio envolvendo o assédio moral e sexual perpetrado por Marcius Melhem, ex-chefe do departamento de humor da emissora Globo, contra funcionárias da empresa jogou luz nesta semana sobre o flagelo do assédio e violência contra mulheres no Brasil. 

A autora da denúncia contra Melhem foi a humorista Dani Calabresa, que desde 2015 integra o quadro de funcionários da Globo. Após anos sofrendo assédio moral e sexual por parte de Melhem, em dezembro do ano passado, ela tomou a decisão e denunciá-lo. O que veio à tona com a denúncia foi uma série de episódios passivos de gerar asco em qualquer ser humano. Melhem investia agressivamente contra as atrizes do humorístico que comandava, agia como se seus corpos fossem sua propriedade e usava sua posição de chefia para decidir sobre suas carreiras. Após o choque inicial, fica a pergunta: por que Dani Calabresa levou tanto tempo para denunciar Melhem? 

A resposta está na forma como a denúncia foi recebida pelo departamento da emissora destacado para lidar com queixas desse tipo. Primeiro, colocaram a denúncia em dúvida. Em seguida, Melhem foi punido com uma demissão, acompanhada de um anúncio oficial, no qual foi exaltado por seu trabalho na emissora – punição bem leve diante dos crimes cometidos. 

Resta, então, a seguinte reflexão: se Dani Calabresa, que tem formação acadêmica e posição de prestígio como atriz global, levou tempo para denunciar a coação que sofria, sem que o culpado tenha sido punido de maneira correta, imagine o que ocorre com uma mulher, em situação de vulnerabilidade, que passa por situação similar? Que mecanismo uma mulher que depende da renda de seu emprego, mas não tem a mesma projeção que dá segurança a Dani, tem para denunciar assédio moral ou sexual no trabalho?   

Passemos, então, ao recorte da violência doméstica. O Brasil tem hoje uma importante lei para proteger a mulher de um parceiro agressor, a Lei Maria da Penha. Porém, há brechas nessa lei que acabam por torná-la ineficaz em algumas situações. É o caso de mulheres pobres e periféricas que não conseguem denunciar o marido agressor, por dependerem dele financeiramente ou por morarem em uma região onde o poder público é substituído pelo poder paralelo de organizações criminosas. Nessas regiões, a palavra e poder masculino acabam por subjugar as mulheres. Em outras palavras, a Lei Maria da Penha acaba sendo mais eficaz para mulheres de classe média e alta do que para mulheres pobres e periféricas. 

Diante disso, há uma necessidade de criar mecanismos que fortaleçam a lei, permitindo que ela seja cumprida de fato. Um projeto de lei que caminha nesse sentido é o PL 5168/2020, que busca alterar a Lei Maria da Penha ao considerar como flagrante delito quando o agressor for preso logo após a vítima fazer o registro de ocorrência de violência doméstica. O texto do projeto aponta como justificativa o fato de que muitas mulheres, ao procurarem a polícia para comunicar a agressão, são informadas de que o agressor não poderá ser preso, pois já não se encontra em situação de flagrante. Assim, a vítima acaba tendo de retornar ao mesmo lar onde se encontra o agressor e permanecer em situação de risco até que alguma medida protetiva seja tomada com base no registro de ocorrência. Atualmente, o projeto encontra-se em trâmite no Senado. 

Outro projeto que busca fortalecer a Lei Maria da Penha é o PL 2560/2020. O projeto de lei busca aumentar a proteção ao conceder a delegados de polícia o poder para decretar o afastamento imediato de agressor do lar de convívio. Atualmente, a medida protetiva que determina o afastamento precisa ser submetida a um juiz do município, o que aumenta a demora da análise e coloca em risco mulheres que denunciam seus parceiros.  

Há também um projeto piloto no Rio de Janeiro que cria o aplicativo Maria da Penha Virtual. Desenvolvido por estudantes de direito e de tecnologia do Centro de Estudos de Direito e Tecnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a plataforma visa facilitar e dar celeridade ao envio de pedidos urgentes de medidas protetivas aos órgãos competentes. 

A Lei Maria da Penha é uma importante ferramenta de proteção à mulher, mas precisa ser fortalecida para que possa abranger a todas. Já o episódio de assédio contra Dani Calabresa ensina que a denúncia é a principal arma contra a banalização do assédio e violência contra a mulher, seja em casa ou no ambiente de trabalho.