Cadê o glamour?
Por Ana Luiza Timm Soares
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista
Editora de conteúdo – Site MJ: Beatriz Azevedo, Jornalista
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, Jornalista
A romantização das carreiras ligadas à Moda nas séries de TV/cinema
No último mês, comecei – e estou quase terminando 😀 – a assistir a série The bold type, que narra a história de três jovens amigas que trabalham em uma renomada revista de estilo e comportamento femininos chamada Scarlet. Embora estas personagens sejam fictícias, a série é baseada na carreira da jornalista Joanna Coles, ex-editora-chefe da Cosmopolitan estadunidense, representada no enredo como Jaqueline Carlyle.
Eu estou apaixonada pelas aventuras dessas gurias – assim como amei Emily em Paris – mas confesso que acabo me sentindo uma derrotada ao ver mulheres tão jovens com a vida ganha. Assistir a série me dá um misto de diversão e desespero, é aquele sentimento de “- Nossa que legal; POR DEUS O QUE ESTOU FAZENDO DA MINHA VIDA”.
Não me leve a mal, a história é bacana e traz pautas muito pertinentes: racismo, machismo, homofobia, os problemas da vida hiperconectada, xenofobia, entre outros assuntos relevantes para a atualidade; mas tudo parece se resolver até o final de cada episódio, como num passe de mágica. E apenas uma das personagens deixa claro que foi parar ali um dia depois da formatura por conta de QI – o famoso quem indica. Sim, estou problematizando entretenimento, desculpe. Sou de humanas.
Veja, não estou desmerecendo as personagens, todas são muito competentes em suas áreas. O fato é que 90% – ou mais – dos filmes e séries que retratam profissões ligadas à moda trazem esta mesma fórmula. Uma vida baseada no emprego dos sonhos e em seus perrengues chiques.
Pergunto-me se este tipo de abordagem não acaba por contribuir para o estigma fútil que a carreira carrega por tanto tempo. E observe, não é preciso dizer que “moda é mais do que seu lookinho” para desmistificar tal afirmação, pois isso seria afirmar que fazer a roupa em si é algo menor. Ora, uma indústria que emprega cerca de 75 milhões de pessoas mundo afora não deve ser desmerecida dessa forma, não acham? Ou por acaso saímos nus por aí? Em tempos de fake news, precisamos enfatizar o óbvio, sim.
Emily chegou em Paris ditando regras do marketing digital com suas roupas americanóides e boinas chamativas isentas de qualquer je ne sais quoi francês, mas que, apesar de ser considerada ringard pelos locais, vêm conquistando a todos com seus insights publicitários. O ponto aqui é: sem falar uma palavra em francês, a personagem cai quase que milagrosamente em uma grande agência de marketing e relações públicas parisiense, atuando junto a marcas de luxo. Ela também tem seus 20 e poucos anos. E um vizinho cozinheiro belíssimo, cheio de amor para dar.
E como fazer um texto sobre a romantização das profissões ligadas ao universo fashion sem falar de outra Emily – aquela que inspirou a de Paris e na verdade se chamava Andy – de O Diabo veste Prada? É claro que neste enredo temos uma chefe megera (e uma namorado bem escrotinho, diga-se de passagem) “atravancando” o caminho da protagonista e trazendo à luz a pior face da profissão. Mas, apesar das qualificações de Andy, ela também desceu de paraquedas em um emprego que sequer queria, mas é a carreira dos sonhos para milhares de pessoas que estudaram jornalismo de moda. Com “boa vontade” – e muito abuso de poder da chefia – a protagonista passou a viver todo o glamour daquele emprego, não sem perrengues, é verdade, mas vestindo belas botas Chanel.
Nem vou entrar no mérito da jornalista Carrie Bradshaw e seu figurino esplendoroso em Sex and the City (tá vindo reboot gente!). Eu nem quero casar, mas de fosse de Vivienne Westwood, gostaria. 😛 A rainha do home office – a gente sabia que ela era de vanguarda – não conversa com as amigas no closet da empresa porque ela pode se esconder em seu próprio acervo de Manolo Blahniks, proporcionado pelo emprego de colunista em uma famosa revista de moda e comportamento.
Não quero parecer a cringe amarga e pandêmica que “não chegou lá” – embora a esta altura do campeonato pareça. Tá, pode ser que um pouquinho de dor de cotovelo esteja envolvida 😛 – e nem vou deixar de assistir a esse tipo de entretenimento, pois acho divertido, sim. Mas quem trabalha na área sabe que tem muito mais suor do que glamour nesta carreira. Além de todos os aspectos inerentes a ela, ainda temos que labutar por uma moda mais justa, ética, sustentável e humana, o que, por vezes, parece andar no trilho mais óbvio mas, na maioria delas, nada-se contra a corrente.
Apesar de toda a crise que passamos, a pandemia de coronavírus fez explodir o consumo online, e marcas que pareciam estar se ajustando aos novos tempos – seria a Era de Aquário uma falácia? – já anunciaram a criação e lançamento de coleções em até 24 horas, extrapolando qualquer noção que temos acerca do que é fast fashion.
É claro que temos iniciativas incríveis como o relançamento físico da revista Elle – após ter encerrado as atividades junto ao grupo Abril em 2018 – com 4 edições impressas por ano, além de publicações mensais na plataforma digital repletas de informação sobre moda, cultura e comportamento, trazendo um sopro de lucidez e esperança para o futuro dos profissionais da área; além de várias marcas de slow fashion nascendo a cada formatura de Design de Moda, novos empreendimentos com foco em sustentabilidade como brechós, iniciativas que resgatam processos artesanais e valorizam o reaproveitamento de materiais com técnicas de upcycling.
Assim como Jaqueline Carlyle, seguimos firmes e fortes em nossos propósitos, mesmo que por vezes eles pareçam um tanto desalinhados com a realidade que nos cerca. E quer saber? Ainda bem que temos um pouco de fantasia com esta editora-chefe andando na esteira de salto agulha em pleno expediente. Só não podemos perder de vista que a realidade é um tanto distinta. Cadê o glamour que me prometeram????? 😛
Até a próxima!