Por Sara Café, jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, jornalista
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, jornalista

Pantanal, Amazônia e Cerrado, além de vários outros biomas e cidades, apresentam focos de queimadas desde agosto. Grande parte do Brasil arde em chamas e mais de 10 estados respiram a fumaça e a fuligem que esse espalha pelo ar. A combinação de estiagem histórica, altas temperaturas e inconsequência humana colocou o país em meio a uma de suas piores crises de queimadas. 

Até 13 de setembro de 2024, o Brasil contabilizou 180.137 focos de incêndio, representando 50,6% do total de incêndios na América do Sul. Esse número marca um aumento de 108% em comparação ao mesmo período de 2023, quando foram registrados 86.256 focos. O crescimento alarmante nos incêndios destaca a gravidade da situação ambiental no país e suas repercussões na biodiversidade e no clima regional.

A referência internacional em estudos sobre aquecimento global, o climatologista Carlos Nobre está apavorado. Em entrevista ao Estadão, ele conta que a crise climática explodiu um pouco antes do que os próprios cientistas previam e tudo indica que 2024 deve bater mais um recorde de temperatura.

“Esse é o máximo que já experimentamos. A crise explodiu. Temos a maior temperatura que o planeta experimentou em 100 mil anos. Desde que existem civilizações, há dez mil anos, nunca chegamos nesse nível, em que todos os eventos climáticos se tornaram tão intensos e muito mais frequentes. São secas em todo o mundo, tempestades, ressacas e, agora, a explosão desses incêndios.” 

Combater o fogo que se espalha por diferentes biomas tem sido um desafio e uma aprendizagem não só para governos, mas para diversos setores da sociedade. O engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas, fez um apelo por ação conjunta no combate às queimadas que assolam o país. Em entrevista ao WW, Azevedo enfatizou que o momento atual não é propício para buscar culpados, mas sim para unir esforços na luta contra o avanço das chamas.

Brasília coberta de fumaça em virtude dos incêndios descontrolados/Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

Azevedo destacou que a crise ambiental atual está intrinsecamente ligada às mudanças climáticas e ao alto grau de degradação dos biomas brasileiros. “A gente vive uma crise que tem a ver com a mudança climática e com o grau de degradação que a gente tem nos biomas e que coloca em risco igualmente a biodiversidade e o próprio agronegócio”, afirmou.

Para o climatologista brasileiro a intensificação do desmatamento e da crise climática colocam o Pantanal e a Amazônia em uma rota de destruição, que é potencialmente irreversível. “Acho que o Pantanal acaba até 2070. O Pantanal já reduziu 30% nos últimos 30 anos; está secando. E agora o fogo destroi sua vegetação. Se continuarmos com emissões altas e só conseguirmos zerá-las em 2050, o que já é um enorme desafio, poderemos chegar a 2100 com 2,5oC acima da média. Se isso acontecer, o Pantanal não terá mais lago”.

Impactos generalizados 

As queimadas são parte de um ciclo que destrói a biodiversidade e contribui para a liberação de grandes quantidades de CO₂ na atmosfera, o que acelera o aquecimento global. De acordo com o Observatório do Clima, cerca de 70% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa estão diretamente relacionadas ao uso da terra e desmatamento, colocando o país entre os maiores emissores globais.

Além da Amazônia, o Pantanal também vem sofrendo com as queimadas. Em 2023, mais de 15% da área do Pantanal foi queimada, de acordo com o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo). “O Pantanal está se tornando uma vítima da negligência ambiental. Os incêndios destroem ecossistemas que demoram décadas para se regenerar, e as ações para mitigar esses impactos estão muito aquém do necessário”, afirma a bióloga Marina Santos, da ONG SOS Pantanal.

Além de destruir a vegetação, esses incêndios alteram o equilíbrio ecológico, interferindo no ciclo hidrológico e contribuindo para a degradação do solo, o que aumenta a vulnerabilidade dessas regiões a eventos climáticos extremos futuros, como secas e inundações. O impacto na saúde pública é igualmente preocupante. A fumaça das queimadas contém partículas finas e gases tóxicos que, ao serem inalados, podem causar sérios problemas respiratórios e cardiovasculares.

A emergência climática elevou em até 20 vezes/Fonte: State of Wildfires 2023–2024

As queimadas também geram consequências econômicas consideráveis. A interrupção de voos em aeroportos importantes, como os de Goiânia e Ribeirão Preto, devido à baixa visibilidade provocada pela fumaça, gera prejuízos ao setor de transporte aéreo, afetando tanto o turismo quanto o comércio. A destruição de propriedades rurais, incluindo plantações e pastagens, provoca perdas nos setores agrícola e pecuário, fundamentais para a economia brasileira, agravando a insegurança alimentar e aumentando os preços dos alimentos.

Por fim, as queimadas acarretam um impacto social significativo. Comunidades rurais e indígenas, que dependem diretamente dos recursos naturais para sua sobrevivência, enfrentam grandes perdas em termos de meios de subsistência e segurança alimentar. A destruição das florestas e a contaminação de fontes de água obrigam essas comunidades a se deslocarem ou a buscarem alternativas de sobrevivência, frequentemente em condições desfavoráveis.

Apesar dos desafios, o coordenador do MapBiomas apontou um dado positivo: a taxa de desmatamento em agosto atingiu o menor nível desde o início da utilização do método atual de medição, há cerca de sete ou oito anos. Isso indica que algumas ações de combate ao desmatamento têm surtido efeito.

O especialista enfatizou a necessidade de uma abordagem colaborativa entre os estados e a União para prevenir futuros impactos de grande magnitude. “É o momento da gente ter uma conferência conjunta, em vez de tentar buscar, dizer que quem estava não estava preparado, mas de trabalhar conjuntamente estados e a União para evitar que volte a se repetir esse grau de impacto”, concluiu Azevedo.

Governo anuncia novas medidas contra crise climática

Em reunião com as cúpulas dos três poderes no Palácio do Planalto, o governo federal anunciou, na tarde da terça (17/9), algumas ações contra a emergência climática. Nos próximos dias, o presidente Luíz Inácio Lula da Silva deve enviar ao Congresso uma Medida Provisória (MP), liberando um crédito extraordinário de R$ 514,4 milhões, principalmente para o combate, monitoramento e investigação dos incêndios criminosos. 

Lula e Alckmin pedem urgência na aprovação de projetos de lei que auxiliem no combate a queimadas. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Segundo nota da Casa Civil, os recursos da MP serão usados na mobilização de 180 novos agentes da Força Nacional de Segurança e no atendimento de famílias diretamente afetadas, com ações emergenciais de saúde e segurança alimentar, inclusive para populações indígenas.  

A exemplo do Fundo Amazônia, deve ser criado um novo mecanismo de financiamento para a proteção dos outros biomas do país por meio de doações internacionais. Ainda conforme a nota, outra MP pretende facilitar a liberação de recursos do BNDES para a proteção ambiental. 

O presidente Lula também irá assinar um despacho para reestruturar a Defesa Civil em todo o país. O governo ainda pretende ampliar as sanções por crimes ambientais e infrações administrativas, com aumento de penas de reclusão e de valores de multas, além de novas modalidades de sanções.

“As medidas do governo federal para enfrentar os incêndios florestais e outros problemas ambientais são relevantes, mas não produzirão efeitos imediatos. Leva-se tempo para o treinamento e contratação de mais brigadistas e aquisição de equipamentos, por exemplo”, ressalva a coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima (OC), Suely Araújo à CNN Brasil. 

Ela defende que a gestão federal assuma uma coordenação mais efetiva no combate à crise. “Há necessidade, também, de a Presidência da República articular e até mesmo liderar a intensificação do trabalho dos governos estaduais. São eles que controlam a emissão das autorizações para uso do fogo, que na seca sequer deveriam ser emitidas”, completa.

Na reunião no Planalto, Marina Silva informou que o país registra, neste momento, quase 690 incêndios, sendo que os esforços combinados dos governos federal e estaduais conseguiram extinguir 290 e controlar 179. Há ainda 108 incêndios sendo combatidos e outros 106 ativos sem combate.

No Planalto, integrantes do governo insistiram que, por um lado, desde o início da atual gestão, estão sendo tomadas as medidas adequadas para combater a emergência climática e que, por outro, ela tem dimensões inéditas e planetárias. “Nós fizemos todos os esforços necessários do ponto de vista de ter uma ação preventiva”, reforçou a ministra do Meio Ambiente. Ela lembrou que os índices de desmatamento na Amazônia caíram 50% e 45%, respectivamente, em 2023 e 2024. 

Entre ambientalistas e pesquisadores, não há dúvida de que existe um esforço para conter os efeitos da seca e dos incêndios. Por outro lado, também há a percepção de que o Planalto poderia ter agido antes, com medidas de prevenção adequadas, e de maneira mais firme. O próprio Lula reconheceu parte do problema. “O dado concreto é que hoje, no Brasil, a gente não estava 100% preparado para cuidar dessas coisas. As cidades não estão cuidadas. Até 90% das cidades estão despreparadas para cuidar disso. Os estados são poucos os que estão com preparação, que têm Defesa Civil, bombeiro, brigadistas” disse.

“O momento é crítico. A preservação dos nossos biomas não é apenas uma questão de soberania nacional, mas de sobrevivência global. Estamos caminhando para um ponto de não retorno se não agirmos com rapidez e eficiência”, conclui Marina Silva. 

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