Bebês Rebon na mira do mercado da pedofilia

Coluna crítica por Letícia Fagundes, jornalista
Nas últimas semanas, uma série de reportagens em veículos tradicionais tem dado palco a adultos que desfilam pelas ruas com bonecas de silicone em tamanho real, chamadas “bebês reborn”, fingindo que são filhos reais. O que poderia parecer apenas uma excentricidade inofensiva esconde, no entanto, uma discussão urgente: os riscos da romantização e da normalização de objetos que podem ser explorados por mercados ilícitos e perversos — como o da pedofilia.
Enquanto a mídia trata essas práticas como curiosidades leves, deixando de fazer qualquer questionamento mais profundo, cresce globalmente o comércio de produtos hiper-realistas com características infantis. Bonecas de silicone extremamente detalhadas, algumas com genitálias realistas, são fabricadas e vendidas em sites internacionais. Muitos desses objetos não têm qualquer função terapêutica, mas sim estética ou “afetiva”, com públicos que vão além do maternalismo imaginário.
Segundo dados do Disque 100 (Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania), só em 2023 o Brasil registrou mais de 119 mil denúncias de violência contra crianças e adolescentes, sendo cerca de 75% de cunho sexual. A Unicef, em relatórios internacionais, alerta para o crescimento do abuso online e do tráfico de imagens de crianças, incluindo a fabricação e comercialização de produtos voltados ao fetiche infantil.
Em alguns países, inclusive, já se discutem legislações para proibir bonecas sexualizadas com aparência infantil, dada a associação com práticas pedófilas. Ainda assim, o mercado se reinventa: lojas online vendem réplicas de órgãos genitais de crianças, bonecos com aparência extremamente jovem e conteúdos que flertam com o criminoso, enquanto se escudam sob a defesa da “fantasia” ou “arte”.
Os bebês reborn, inicialmente criados para fins terapêuticos em casos de luto ou depressão pós-parto, hoje ocupam uma nova fronteira. São promovidos como objetos de consumo afetivo por adultos saudáveis que assumem “maternidades simbólicas” de bonecos. Mas até que ponto isso é saudável? E mais: até que ponto esse tipo de fetiche pode ser instrumentalizado por redes pedófilas?
O questionamento se torna ainda mais grave quando a própria mídia legitima e ajuda a disseminar esse comportamento como algo “normal”, sem reflexão crítica, dando ares de inocência ao que pode ser, em muitos casos, porta de entrada para explorações perigosas.
É preciso cautela. É preciso responsabilização. Em um mundo onde a pedofilia cresce em velocidade alarmante — tanto nas redes quanto no consumo disfarçado de fetiches — não podemos nos dar ao luxo de achar que brincar de boneca é apenas um passatempo excêntrico. Quando adultos começam a construir uma “maternidade de silicone”, em um cenário de avanço da erotização infantil e consumo de imagens ilegais, precisamos parar e perguntar: a quem serve essa narrativa?