Ministro da Educação colocou a carroça na frente dos bois ao publicar portaria que instituía o retorno das atividades presenciais em universidades, sem antes consultar o setor acadêmico 

Comentarista Melissa Rocha- RJ
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Em um ano marcado pela falta de planejamento para lidar com a pandemia do novo coronavírus, o mês de dezembro se iniciou com mais uma barbeiragem política envolvendo o tema – desta vez protagonizada pelo Ministério da Educação (MEC).

O caso envolve a portaria nº 1030, publicada e revogada na última quarta-feira, 2, pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro. A portaria marcava para o dia 4 de janeiro o retorno das atividades presenciais, em todas as universidades federais. O timing da portaria não poderia ser pior: ela foi publicada em pleno momento em que o Brasil enfrenta uma nova escalada no número de novos casos de covid-19, que tornou a colocar leitos hospitalares no limite da capacidade e levou muitos municípios a retomarem medidas de isolamento mais rígidas. 

A portaria do MEC foi recebida com imediata recusa por parte de reitorias e conselhos universitários de diferentes instituições federais do país. Em notas públicas, instituições como a Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade Federal Fluminense (UFF), foram uníssonas em apontar que não cumpririam a determinação da portaria. Elas exortaram o artigo 207 da Constituição Federal, que garante às universidades “autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial” para justificar o descumprimento. A recusa levou o MEC a revogar a portaria, um recuo que, diga-se de passagem, se deu em tempo recorde mesmo para os padrões da gestão Bolsonaro, que fez do “voltar atrás” uma de suas marcas. Mas o ponto alto da barbeiragem ficou por conta da justificativa do ministro Milton Ribeiro. 

O ministro deu uma explicação pitoresca para o recuo: ele afirmou que decidiu abrir uma consulta pública para ouvir o mundo acadêmico antes de tomar nova decisão. A pergunta que fica é: por que o ministro não pensou em fazer a consulta antes de publicar a portaria? Se há uma coisa que todos concordam é que 2021 não pode ser mais um ano letivo perdido. Porém, o retorno das atividades acadêmicas não deve ser feito a toque de caixa, mas sim de forma responsável e respeitando o cronograma de cada instituição, visto que cada região do país tem um cenário diferente no que diz respeito à pandemia. 

O que o ministro da Educação fez ao publicar a portaria foi colocar a carroça na frente dos bois. E isso reflete a postura do MEC desde que o governo atual tomou posse: uma pasta que não dialoga com o setor acadêmico e muitas vezes parece adotar a postura de antagonista de universidades. Esse modus operandi autoritário precede a gestão de Milton Ribeiro. Basta lembrar que todos os antecessores do atual ministro tomaram medidas contrárias ao que se entende como progresso na educação. Relembremos, por exemplo, a atuação do ministro Ricardo Vélez, o primeiro a ocupar o MEC na gestão Bolsonaro. Em vez de lidar com problemas reais que afetam a educação, como a evasão escolar e o analfabetismo funcional, Vélez se ocupou em discutir uma suposta doutrinação ideológica que, segundo ele, afetava escolas e universidades. Seu sucessor, Abraham Weintraub, intensificou o discurso ideológico do governo, implementou um bloqueio de verbas estapafúrdio que colocou em risco importantes atividades acadêmicas – como pesquisas científicas, por exemplo -, minimizou a importância das ciências sociais e humanas e chegou a acusar universidades federais de serem locais que promovem balbúrdia. Não à toa, Weintraub ganhou o posto de pior ministro da história MEC. Eis que chegamos a atual gestão de Milton Ribeiro. É justo destacar que o atual ministro tem um perfil claramente mais moderado que seus antecessores, mas medidas como a publicação da portaria nº 1030 mostram que sua gestão ainda peca pela falta de diálogo com o setor acadêmico. 

Se há um lado bom no imbróglio envolvendo a “portaria relâmpago” do MEC é a constatação de que, se falta responsabilidade por parte do ministério, não falta proatividade por parte de instituições federais para debater o retorno às atividades presenciais com a devida sensatez que o tema exige.