Por Anne Gonçalves, jornalista

Nos últimos meses, a maior floresta tropical do planeta tem sido palco de uma importante discussão ambiental. Enquanto a cidade de Belém, no Pará, se prepara para ser palco da COP30, os conflitos com relação à exploração de petróleo na Margem Equatorial têm ganhado cada vez mais destaque. Marcada para acontecer no dia dez de novembro, a Conferência da ONU reúne as principais lideranças mundiais para debater medidas de combate ao aquecimento global, com foco em transição energética e no financiamento climático para os países em desenvolvimento (NDCs). A ideia é converter a floresta em cartão postal do evento, como ressaltou o presidente Lula: “Quero que a Amazônia fale pro mundo.”

Em contrapartida, a pouco mais de 1000 km da capital do Pará, está a cidade de Oiapoque, que marca a divisa do Amapá com a Guiana Francesa. Oiapoque marca também o início da Margem Equatorial brasileira. É ali que se encontra o coração do debate atual sobre a exploração de petróleo. 

Composta por cinco bacias sedimentares – Potiguar, Ceará, Barreirinhas, Pará-Maranhão e Foz do Amazonas, a Margem Equatorial vai da costa do Amapá até o Rio Grande do Norte. A região é berço do maior manguezal contínuo do mundo e abriga o Grande Sistema de Recifes da Amazônia, essencial para a preservação do ecossistema. Ainda assim, os blocos petrolíferos da Margem estão demarcados – alguns, inclusive, já foram vendidos para exploração. 

“É um desgaste político enorme”, afirma Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (PROAM). “O Brasil está secretariando a Conferência e, ao mesmo tempo, continua na perspectiva de uma matriz de combustível fóssil.” 

Esse embate de posições não é novidade no histórico das COPs e repete o padrão ocorrido nas três últimas edições: Baku (Azerbaijão), Dubai (Emirados Árabes Unidos) e Sharm El Sheikh (Egito). Em todas elas, houve interferência de grandes companhias petroleiras em como foram pautadas as discussões durante a Conferência. 

Exploração de petróleo domina negociações climáticas nas COPs

Sediada em Sharm El Sheikh, no Egito, a COP27 foi marcada por um aumento de 25% de lobistas de combustíveis fósseis em comparação aos encontros anteriores. Hoje, mais de dois anos após a Conferência, o setor de petróleo e gás do país avançou em suas atividades de exploração e produção, resultado de uma ampliação significativa de investimentos estrangeiros no setor.

Já a COP28, sediada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, tinha como presidente um executivo da empresa nacional de petróleo do país. Além disso, essa edição do evento foi marcada por reuniões prévias com pelo menos 27 governos estrangeiros, com intenções de incentivar a matriz produtiva petrolífera e as suas negociações.

Formada por diversos setores da comunidade civil atingido pelas crises climáticas, a Cúpula dos Povos acontece paralela a COP30 / Imagem: ASCOM Cúpula dos Povos.

A COP29, que ocorreu em Baku, capital do Azerbaijão foi na mesma linha. O país, que planeja expandir a produção de gás em até um terço durante a próxima década, vê no petróleo metade de sua economia total. Além disso, o seu vice-ministro de Energia foi a escolha para Diretor-executivo da Conferência.

“Esses países não têm uma diferença entre o que eles são politica e economicamente e o petróleo. Os combustíveis fósseis representam praticamente o PIB inteiro e, se você olhar para o mundo do petróleo hoje, nenhuma grande companhia está pensando em diminuir a sua produção. Todos estão abrindo novos poços,” acrescenta Carlos Bocuhy.

Como resultado, todas as menções a combustíveis fósseis foram removidas do Programa de Trabalho de Mitigação (MWP em inglês), assim como as citações ao plano de reverter o desmatamento até 2030 e de trocar gradativamente a matriz energética para energias renováveis.

Margem Equatorial levanta alertas ambientais

Dos 321 blocos que a Agência Nacional de Petróleo mantém nas bacias amazônicas, 25 foram concedidos para exploração e 47 estão em oferta, prontos para serem leiloados no dia 17 de junho, durante o 5º ciclo da Oferta Permanente de Concessão (OPC). 

Para Silas Mesquita, coordenadora nacional do GTA e representante do FBOMS no Comitê Executivo da Cúpula dos Povos da Amazônia, o maior problema é a venda desses blocos sem qualquer participação da sociedade civil. “As populações locais precisam ser comunicadas, informadas, para que possam debater e expressar se estão a favor ou não. Principalmente na Margem Equatorial, onde temos mais de 60 comunidades indígenas vivendo no território.”

A licença para perfurar a margem na altura da bacia amazônica, no entanto, não foi concedida pelo Ibama à Petrobras, que detém os direitos do Bloco 59 (FZA-M-59). Considerado insuficiente, o plano da companhia estabelece um prazo de quase dois dias (43 horas) para levar equipamentos de contenção em caso de vazamentos. Em dez horas, o petróleo já teria alcançado a Guiana Francesa. 

Na Foz do Amazonas, já foram perfurados 94 poços. Desses, somente 2% notificaram descoberta de petróleo. Entretanto, a quantidade encontrada era tão pequena que não foi economicamente viável produzir. Além disso, um quarto dos 155 poços explorados na Margem Equatorial foram interrompidos por acidentes mecânicos. Porém,

“As atividades petrolíferas não resultam apenas em mudanças climáticas, como também são altamente poluentes a nível local, tanto pelos produtos químicos usados ​​na exploração, pelas águas de formação de onde vem o petróleo e a queima de gás,” explica Ivonne Yanez, membro fundadora da Ação Ecológica e da Oilwatch. “Além disso, afeta as comunidades, desestrutura o tecido social e causa impactos econômicos, porque gera um aumento do custo de vida.”

Paralelamente à COP30, acontece, também em Belém, a Cúpula dos Povos, que vem cobrando um posicionamento mais sólido do Brasil com relação ao enfrentamento da crise climática. Entre as principais demandas, estão a ênfase em políticas de desmatamento zero, proteção das populações tradicionais, desincentivo à produção de combustíveis fósseis e investimento em uma transição energética justa. “Queremos que o governo brasileiro assuma o compromisso de não exploração de petróleo na Amazônia. Esse seria um saldo positivo para a COP,” completa Silas.

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