Por Melissa Rocha, Jornalista -RJ

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Editora Chefe: Letícia Fagundes, Jornalista

Caso Henry expõe a urgente necessidade de escutar as crianças como sujeitos com poder de voz e escolhas

É difícil digerir o ocorrido com o menino Henry Borel. Não há palavras que descrevam a crueldade a que essa criança foi submetida. O menino, que há apenas alguns meses era uma criança normal e alegre de quatro anos, teve a vida transformada em um calvário por um misto de crueldade, vaidade e omissão.

Desde que sua mãe, Monique Medeiros, foi morar com o namorado, o vereador Dr. Jairinho, em um condomínio de luxo, situado em um dos bairros mais caros da capital carioca, Henry passou a ser vítima de agressões constantes. Isso por si só já seria motivo de revolta, mas não para por aí. A omissão em torno dos pedidos de ajuda do menino torna o caso ainda mais cruel. Henry relatou as agressões que sofria de Jairinho a pelo menos quatro pessoas, sendo três de sua família. Mas os gritos por socorro caíram em ouvidos surdos.

A mãe sabia das agressões, mas não tomou qualquer atitude. A vida de luxo que a deslumbrada e autocentrada Monique passou a ter com Jairinho não tinha lugar para uma criança – que necessita de cuidados e atenção constantes. Prova disso é que quando foi alertada pela babá de que o menino estava sendo agredido, Monique passeava em um shopping, situado a apenas cinco minutos de carro de sua casa. Qualquer mãe razoável correria para casa imediatamente. Mas não Monique. E de nada adiantou o menino fazer uma videochamada pedindo que ela voltasse logo. Ela só voltou do shopping três horas depois. O fascínio de Monique com a própria imagem é tamanho que, no dia seguinte ao enterro do filho, ela foi a um salão de beleza para fazer as unhas da mão, do pé e um tratamento no cabelo. E no dia em que foi na delegacia depor sobre a morte de Henry, ela tirou uma selfie sorrindo, enquanto aguardava. Não havia lugar para um filho na vida narcisista de Monique.

Outras duas que se omitiram foram a avó de Henry, Rosângela Medeiros, e a babá, Thayná Ferreira. Assim como Monique, Rosângela foi alertada pela babá das agressões, mas minimizou e sugeriu que Henry mentia. Tendo visto o menino mancando e se queixando de dores, ela o repreendeu: “Deixa de bobeira, Henry! Anda direito!”. Já Thayná não procurou denunciar o caso às autoridades e mentiu em seu primeiro depoimento, refutando a hipótese de agressão. Em um segundo depoimento, ela admitiu ter mentido e disse ter sido coagida.

Por último na lista, está o pai de Henry, Leniel Borel. Tratado como outra vítima, ele também foi omisso. Leniel desconfiava do comportamento do filho. Crianças fazerem birra é algo normal, mas quando elas se tornam agudas e acompanhadas de sintomas fisiológicos – Henry tremia e vomitava quando via Jairinho – é um indício de que algo grave está acontecendo, e a criança precisa ser ouvida. Foi exatamente o que ocorreu. Em uma entrevista, Leniel afirmou que, em uma conversa por telefone que teve com Henry, o menino disse: “Papai, eu não quero ficar na casa nova da mamãe. O tio me machuca”. Um pai que observa o comportamento aflito de um filho diante de uma terceira pessoa, e escuta a criança verbalizar que o motivo é agressão, deve agir para afastar a criança do convívio com o agressor. Não foi o que fez Leniel. Ele se limitou a questionar Monique sobre a denúncia do filho, mas a ex-mulher negou as afirmações da criança. Leniel, então, decidiu buscar sessões de terapia para Henry com uma psicóloga. Mas em nenhum momento tomou uma ação mais enérgica para defender o filho e afastá-lo de Jairinho. E isso o torna tão omisso quanto Monique, Rosângela e Thayná.

A impressão que fica é que Leniel agiu como um “pai recreativo”. Todos conhecemos um com esse perfil. É aquele pai que se limita às atividades mais divertidas com a criança, e costuma exibir em fotos o amor pelo filho. Mas Deus o livre de qualquer obrigação mais complexa, como impor os limites necessários para a formação do caráter ou investigar a fundo mudanças de comportamento. Isso ele delega à mãe ou a outra pessoa.

O caso Henry expõe a urgente necessidade de escutar a voz das crianças. Em seu artigo 277, o ECA coloca crianças e adolescentes como sujeitos com poder de voz e escolhas. Mas esse direito permanece no papel, uma vez que a voz das crianças é sistematicamente desrespeitada, silenciada ou negligenciada.

Henry não é a primeira criança vítima de omissão, assim como ele há muitas outras que foram mortas por não serem ouvidas. Um exemplo disso foi o caso do menino Bernardo Boldrini, ocorrido em 2014, no Rio Grande do Sul. Bernardo, que tinha 11 anos, era alvo de agressões constantes por parte do pai e da madrasta. Desesperado, ele chegou a ir a sozinho a um fórum para pedir para mudar de família. Lá, ele relatou a um juiz os maus tratos que sofria. O juiz encaminhou o caso ao Ministério Público do estado, que abriu um processo para repassar a guarda do menino à avó. Porém, durante a audiência, o juiz determinou a suspensão do processo por 60 dias, afirmando que nesse prazo o menino teria a oportunidade de reatar os laços com o pai e a madrasta. Pois bem: foi precisamente nesse prazo que Bernardo acabou morto pela madrasta, com uma injeção letal de tranquilizantes. A omissão mata.