Nome da jornalista: Marta Dueñas
E-mail: marta.duenas@mulheresjornalistas.com
Chefe de reportagem: Juliana Monaco
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes

Como um projeto de destruição se colocou simbolicamente ereto no 7 de setembro mirando a democracia, as mulheres, as entidades e a possibilidade de pluralismo da sociedade? 

Que o atual presidente tem contas a resolver com a sua sexualidade, eu não tenho mais dúvidas. Ele age, fala e simboliza muito a este respeito. Seu entorno é altamente sensível ao tema da sexualidade seja pela via da violência explícita ou das políticas que se tornam violentas contra mulheres e comunidade LGBTQIA+, por exemplo. O que realmente eu não esperava era um discurso perverso, patético e infantil no que diz respeito a sua suposta potência sexual. 

Se tem algo que eu não costumo pensar é no pinto do presidente, ainda que ele insista que a nação tenha este tema em mente quando chupa leite condensado, faz arminhas e diz que estupraria ou não alguém por mérito. O que me faz pensar que quem está sempre com o pênis em mente é ele. E minha reflexão teve seu ápice na celebração de 7 de setembro quando diversos temas de primeira importância foram ignorados por Bolsonaro, exceto seu blaublau, vou chamar assim dessa vez. 

E quando digo que ele ignorou temas importantes é porque, em plena data pátria, o que menos apareceu em seu discurso oficial foi o tom republicano ou ainda a presença do presidente de Portugal, convidado de honra em razão da celebração do Bicentenário da Independência. O presidente do Brasil esqueceu até da Lei Eleitoral, mas não esqueceu do seu pênis.

O que está por trás desse exagero? Sabemos que todo excesso esconde uma falta. O que falta ali? Esse é um tema com o qual temos que nos preocupar. O que realmente está em riste na gestão de Bolsonaro já que certamente não é o seu pau?

Nesse enfadonho discurso de 7 de setembro em que Bolsonaro consegue unir temas como guerra do bem contra o mal, felicidade dos homens solteiros, sua virilidade e a ideia de mulher princesa, ele reafirma com todas as simbologias que seu repertório alcança a identidade particular e fantasiosa da masculinidade do patriarcado. E diz mais: entrega seu plano de dominação, que ele chama de defesa, daquilo que ele teme. Ele quase desenha esse homem que ele deseja como modelo social que é corajoso, racional e protetor. Assim como pincela a ideia de mulher delicada, sensível, responsável pela felicidade alheia e subordinada ao homem, enquanto traça os passos dessa guerra do bem contra o mal capitaneada pela família de bem (montada com estes dois personagens). 

Por trás da arminha (em todos os sentidos), está um projeto de destruição pautado em ampla dimensão: na política, na sociedade, nas entidades e nas leis. 

A ideia de estado mínimo do presidente é menos embasada no liberalismo do que no fascismo. É um plano de diminuir o poder de instituições, demonizar outros poderes, reduzir o controle do Estado (que ele preside) e evitar fiscalização. O que ele faz, na prática, é aniquilar o que pode aniquilá-lo, ou seja, combater aquilo que pode mostrar seus erros e desvios. Um homem não resolvido com suas falhas procura preencher vazios com tudo: comprando (orçamento secreto) ou matando (quantos nomes caberiam aqui!). É a prova cabal de que em todo excesso reside uma falta. 

É tanto medo de perder seu domínio que agride repetidamente mulheres, especialmente as de esquerda ou as que expressam e questionam. É tanto medo de sua falta de conhecimento e oratória que ele se transformou num dos líderes mais combativos ao ensino, educação e cultura. 

Nosso país está relegado a desejos e caprichos. A virilidade do homem em primeiro plano, o que, talvez, deixe todos nós em segundo. Pessoas, políticas públicas, direitos, acessos, tudo atrás (em ordem de importância) do bilau do chefe da nação. O Brasil é tão grande e tão potente que mexeu com a vara curta do homem, afinal, virilidade, armas, medo, violência e segurança têm mais a ver com o medo de ser dominado do que a capacidade de domínio em si. 

Homens hetero-cis-normativos da estirpe do presidente são legítimos personagens cunhados pela cultura patriarcal, essa que no mínimo crê que homens são autossuficientes (com suas armas, claro) e mulheres, as princesas, são dependentes. Olha que alegria e como é fácil para os homens serem felizes: basta procurar uma princesa e casar com ela. O único agente, nessa fantasia, é o homem. De certo as princesas estão por aí, espalhadas no tabuleiro do jogo aguardando serem encontradas para subitamente fazerem seus heróis felizes. Quanta fraquejada numa fantasia só. Agora, imaginem qual a reação de um príncipe desses quando sua princesa, por ventura, se revelar uma mulher de esquerda ou se aventurar como uma curiosa jornalista falando e perguntando. Talvez explique “tantos brinquedos quebrados” por esses meninos, digo, homens de bem armados e imbrocháveis. Se o brinquedo veio estragado (se posicionando e ameaçando o dominador), melhor jogar fora mesmo. 

O medo de ser dominado colocou essa turma num projeto de dominação (autoritarismo e fascismo) bem típicos daqueles meninos franzinos que um dia querem revanche social. Medo do conhecimento: bora destruir as universidades e os professores. Medo de negociar: bora destruir a política, se fazer passar por seres fora da política e ridicularizar autoridades. Medo da justiça: bora criar um discurso contra o judiciário. Declaro guerra a tudo aquilo que eu temo, não conheço e nem domino. 

A jornada da destruição acompanha a gestão do presidente, mas tivemos uma escalada de horrores nos últimos tempos. Além da pandemia enfrentada de maneira irresponsável e cruel, temos agora aparatos legais que dão continuidade às maldades. A PEC da Eleição e a Lei de Diretrizes Orçamentárias, por exemplo. A primeira pela obviedade de repasse direto de auxílio financeiro em período eleitoral num governo que sempre foi crítico desse tipo de ação. Já a segunda é mais complexa, mas é possível pinçar exemplos: às portas do próximo pleito, governistas conseguem aprovar a suspensão de dispositivo legal que proibia doações a entidades, empresas ou pessoas. No mesmo embalo, o orçamento secreto (que por si já é um descalabro) dá amplos poderes aos deputados, uma vez que eles podem, no curso de suas emendas, mudar o destino das verbas e também das empresas que, por ventura, venham a ser fornecedoras das ações fins. Tudo isso em sigilo, sem que o nome do edil seja revelado. Foi inaugurado um perigoso instrumento de chantagem a comunidades e prefeitos. “Ah, não me apoia nas eleições? Então vou tirar o recurso para construção do ginásio em sua cidade e aproveito para acomodar em outro lugar com uma empresa que me ajuda muito”, seria um exemplo hipotético. 

Percebem que tudo isso se torna a suposta potência desse governo? A potência desse líder atrapalhado está no controle dos outros por meio das ameaças e do medo. O Viagra desse impotente (e de outros) é o orçamento secreto meticulosamente desenhado para construir uma via pública de mesadas a políticos que votam com os governistas. 

A Lei Eleitoral tem sido ameaçada, o evento do 7 de setembro foi um dos atos desse espetáculo assustador. Resta saber se é o último ato dos absurdos ou, na pior das hipóteses, de abertura de uma ópera bufa cujo clímax se dará em 2 de outubro.