A arte por trás das cédulas brasileiras
Por Giulia Ghigonetto-São Paulo
giulia.ghigonetto@mulheresjornalistas.com
Desde que foi anunciada a nova cédula de R$ 200 tem suscitado grandes debates, principalmente sobre sua funcionalidade.
Segundo o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o contexto atual de pandemia colaborou para o aumento da demanda da população por dinheiro em espécie, uma vez que muitos fizeram saques para acumular reservas.
Quando a sua arte foi divulgada, mais uma polêmica se instaurou, gerando diversos memes na internet. A cédula é basicamente de cor cinza e, de um lado tem a conhecida efígie simbólica da República, interpretada sob a forma de uma escultura, e do outro tem a ilustração do lobo-guará, animal da fauna brasileira, típico do cerrado e ameaçado de extinção. A escolha do animal ocorreu em 2001, quando o governo Fernando Henrique Cardoso perguntou à população quais animais da fauna brasileira deveriam ilustrar as novas notas. O lobo-guará foi o terceiro colocado da pesquisa, enquanto os dois primeiros – a tartaruga marinha e o mico-leão-dourado – foram utilizados respectivamente nas cédulas de R$ 2,00 e R$20,00.
Já o rosto é de Mariana, uma personificação alegórica, ganhou notoriedade a partir da Revolução Francesa e passou a ser usada no papel moeda a partir da implementação do Real em 1994. O projeto de todas as cédulas da Segunda Família do Real, incluindo ade 200 reais, foi desenvolvido pelo Banco Central em conjunto com a Casa da Moeda do Brasil, mas não se sabe o ou as pessoas responsáveis pela ilustração.
Houve até uma thread no Twitter na qual internautas apontaram que o Banco Central teria plagiado o desenho da artista Bárbara Rodrigues. Apesar de ter iniciado a discussão, ela desmentiu que acredite nessa possibilidade.
“Eu acho que não seria possível eles se inspirarem na minha ilustração e produzirem a nota em menos de 3 meses. Eu postei no twitter brincando que tava muito parecido, só como uma piada, mas as pessoas se engajaram e me
falaram pra ir atrás, mas acho que só foi uma grande coincidência.”, disse ela em uma entrevista.
Moedas brasileiras na história
A efígie da República já chegou a ser usada em outros padrões monetários, como o Cruzeiro e Cruzado Novo. Antes disso, a moeda brasileira recebia as ilustrações de pessoas que, de certo modo, contribuíram para a história do país e alguma arte relacionada ao seu trabalho.
Entre os que já foram estampados estão: Câmara Cascudo, Vital Brazil, Carlos Drumond de Andrade, Cândido Portinari, Machado de Assis, Heitor Villa-Lobos, Santos Dumont, Juscelino Kubitschek, Getúlio Vargas, Oswaldo Cruz, Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, Duque de Caxias, Pedro Álvares Cabral, D. Pedro I e seu filho D. Pedro II, entre outros.
Outra tendência utilizada foram painéis criados por pintores, por exemplo, “Tiradentes ante o Carrasco”; de Rafael Falco, “Cultura Nacional”, de Cadmo Fausto de Souza e “A Primeira Missa”, de Vítor Meireles e até esculturas como a do profeta Daniel, feita por Aleijadinho. Além disso também havia paisagens, construções arquitetônicas e cenas do folclore brasileiro, mostrando a importância da cultura e da arte.
A mudança de padrão nas cédulas se deu, pois, algumas famílias dos condecorados, entre elas a de Mário de Andrade, haviam reclamado a respeito da homenagem. Outros dizem que a galeria de heróis nacionais já estava
escassa, o que seria incoerente já que desde então houve diversas personalidades que cooperaram para o desenvolvimento do Brasil e sua cultura.
Cadê as mulheres?
Durante toda a história da moeda brasileira, desde sua época como colônia, apenas quatro figuras femininas estiveram em alguma nota.
A primeira delas foi em moedas de ouro cunhadas durante o reinado de D. Maria I, que registraram diferentes momentos da vida da rainha. De 1777 a 1786 apareceu seu retrato ao lado do marido e tio, D. Pedro III, de Portugal. Após a morte do esposo, ela foi retratada sozinha, portando o véu de viúva. A partir de 1789, terminado o luto, passou a ser representada com um toucado ornado de joias e fitas.
Depois, a Princesa Isabel ilustrou a nota de 0,05 cruzeiros novos, lançada em 1967, com a unidade nacional no verso, a de 200 cruzeiros, que circulou de 1981 a 1987, com seu retrato inspirado em fotos pertencentes à coleção de D. Pedro Gastão e o painel reproduzindo a fotolitografia “Cuisine à la Roça”, de Victor Frond na parte de trás.
Cecília Meirelles, escritora e pintora, estampou a nota de 100 cruzados novos, entre 1989 a 1992, e 100 cruzeiros, de 1990 a 1992. À esquerda de seu retrato, havia um desenho de sua autoria, que se sobrepõem alguns versos manuscritos extraídos de seus “cânticos”. No reverso, esta uma gravura, que representa o universo da criança, suas fantasias e o momento da aprendizagem, e a reprodução de desenhos feitos pela escritora, representativos de seus estudos sobre folclore, músicas e danças populares.
A última mulher que esteve em um papel moeda brasileiro foi a efígie representado a figura da “baiana”, com torço e colares, tendo a esquerda painel onde figuram alguns de seus mais importantes balagandãs, os quais possuem diversos significados: romã e cacho de uvas (fecundidade); figa de madeira e dentes de animais (proteção); caju (abundância); peixe, cordeiro e pombas do Espírito Santo (elementos resultantes do sincretismo com o catolicismo).
No verso da nota de 50.000 cruzeiros reais, estava a cena de baiana, trajada com o requinte dos dias de grande festa, com o clássico tabuleiro, preparando o acarajé. Ao fundo se vê a Igreja do Bonfim, em Salvador, cenário de uma das mais famosas festas do sincretismo religiosos brasileiro: a Lavagem do Bonfim. O uso dessa cédula durou apenas seis meses, de março a setembro de 1994.
É difícil dizer se um dia personalidades voltarão a serem retratados nas moedas do país, mas sem dúvida, devesse considerar diversas outras mulheres que foram de grande valia para o país, como Dandara, Chica da Silva, Maria Quitéria, Anita Garibaldi, Chiquinha Gonzaga, Tarsila do Amaral, Enedina Alves Marques, Clarice Lispector, Cora Coralina, Raquel de Queiroz e mais diversas outras cuja as histórias não pode ser apagadas.