A arte e a música como instrumentos de inclusão social
Por: Kika Cirra, jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, jornalista
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, jornalista
Quando você fala ou simplesmente pensa na figura de um juiz de direito, qual imagem te vem em mente? Talvez a imagem de uma figura sisuda, austera e até mesmo com ausência de empatia ou senso de humor. Quanto a mim, não fugia tanto assim a regra desse estereótipo: posso afirmar tranquilamente que, antes de entrevistar o protagonista dessa história de inclusão e arte, estava meio em dúvida de como me reportar a ele, afinal eu estaria na frente de um Juiz de Direito da Vara de Família e Sucessões e isso, queira ou não, tem o seu “peso”, mesmo estando eu ao longo de todos esses anos habituada a todo o tipo de contatos e entrevistas.
Dr. Dalmir Franklin de Oliveira Jr me recebeu em sua casa de um modo informal, num início de tarde quente e ensolarada, fato esse que talvez tenha facilitado minha aproximação e feito com que a entrevista transcorresse mais descontraída. Ele é idealizador do Instituto Libertarte (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – (OSCIP), que tem como objetivo buscar através da arte a Socioeducação Preventiva de Adolescentes e Jovens em Situação de Vulnerabilidade Social.
Desde a sua fundação em junho de 2015, o Instituto desenvolve trabalhos através de dois projetos permanentes: a banda Libertarte, composta por jovens egressos da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul (FASE), por músicos profissionais e pelo próprio Dalmir Franklin.
No início da pandemia em 2020, com a necessidade de se reinventar, nasceu o Projeto CuidARTE, proporcionando atendimento Psicossocial, com equipe de Voluntários como Assistente Social e Psicólogo, prestando apoio a 14 famílias de jovens em cumprimento de medidas socioeducativas, além de egressos do sistema.
IMJ: O Sr poderia falar um pouco sobre o projeto da banda Libertarte, de que forma teve início e com quais objetivos?
Dalmir: O projeto da banda Libertarte, que já está completando 13 anos, iniciou no CASE de Passo Fundo com o objetivo de fazer oficinas de música para aqueles internos que estão cumprindo a medida de internação, adolescentes que praticaram atos infracionais com um pouco mais de gravidade e que são internados, ficando até 3 anos na unidade. Criamos esse projeto para ensinar a eles tanto a teoria quanto a prática musical. Vários adolescentes já passaram pelo projeto que teve uma boa divulgação. Depois do Projeto da banda Libertarte, nós criamos uma OSCIP, uma espécie de ONG que se chama INSTITUTO LIBERTARTE, além de dar apoio ao Projeto DO CASE, também trabalha com egressos do sistema socioeducativo.
IMJ: Como tem sido a receptividade do público em relação ao projeto?
Dalmir: De uma maneira geral, eu creio que a receptividade tem sido boa, o pessoal gosta da ideia, gosta do projeto que traz em si uma outra forma de abordar a questão da criminalidade. Eu acho sempre que a prevenção é o melhor caminho. Claro, esses jovens já passaram por um histórico, uma certa conduta que gerou uma sanção, um apenamento, mas a gente não quer que eles continuem nessa vida de criminalidade, então criamos esses projetos com o objetivo de tirá-los da vida do crime.
A música é uma maneira de eles aprenderem não só uma forma diferente de se manifestar através da teoria e da prática, e isso revela um valor diferente, tanto para eles quanto para a sociedade. No momento em que conseguimos fazer esses meninos se apresentarem como músicos, como artistas, estamos mudando a “etiqueta” que foi colocada neles por causa do ato infracional. Geralmente, quando eles praticam esse ato, recebem o rótulo de delinquente, de criminoso; aí quando eles se apresentam como músicos, essa etiqueta é modificada, o que permite que eles se vejam de forma diferente e a sociedade também os veja de forma diferente.
IMJ: De quem partiu a ideia de inclusão através da arte?
Dalmir: Foi uma conjugação de esforços e de propostas. Eu estava para assumir o Juizado da Infância e da Juventude em Passo Fundo, estive na unidade conhecendo os projetos que lá eram desenvolvidos. Conversei com os técnicos da unidade e disse que a minha ideia era trabalhar com música, com crianças e adolescentes. A partir disso, um técnico que trabalhava na unidade fez essa referência de montarmos um projeto com música e deu o nome de Banda Libertarte. Eu doei alguns instrumentos meus, conseguimos reforços com os professores para pagar os profissionais e assim esse projeto vem se desenvolvendo.
IMJ: O projeto recebe algum incentivo financeiro de ONGs ou estatais?
Dalmir: O CASE busca parceiros, que já financiaram as oficinas, com a aquisição de equipamentos de estrutura e de instrumentos. O Instituto Libertarte é uma ONG e participamos de editais com esse objetivo: conseguir angariar recursos, manter o projeto dentro do CASE e trabalhar eventualmente com egressos.
Formamos uma banda, eu toco junto com alguns egressos, com alguns músicos locais, como forma também de apresentar essa ideia à sociedade. A banda já tem músicas autorais, que já estão nas plataformas de streaming: “Aprendendo me Fascina”, a primeira música com a participação de Marcelo Lobato do Rappa, e “Súplica de um Brasileiro”, que tem a participação de Rafa Machado do Chimarruts. São músicas que estão disponíveis para o público como uma forma de mostrar esse projeto.
A organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) está dentro do chamado terceiro setor, sem fins lucrativos e com finalidade assistencial e cultural. Essa associação procura trabalhar justamente buscando voluntários e recursos para ajudar o projeto dentro da instituição, mas também eventualmente fazer o atendimento de pessoas de vulnerabilidade, usando a assistência social e a cultura. Estamos passando por um período de muitas dificuldades de uma maneira geral, não somente na questão da criminalidade, mas com a pobreza e a fome. Sempre que podemos, prestamos auxílio. A banda se apresentou recentemente na ocupação Valinhos ll (em Passo Fundo-RS) na festa de Natal das crianças, foi uma oportunidade de levar música e cultura para aquela comunidade que é bastante vulnerável.
IMJ: A banda vai se renovando na medida em que esses meninos deixam a unidade?
Dalmir: Uma vez que os meninos estão cumprindo a medida de internação, pagando a pena de privação de liberdade, eles estão envolvidos no projeto. Quando são desligados, eles saem e outros entram dentro da unidade e se agregam. Então lá o projeto funciona dessa forma: eles estão sempre mantendo um certo repertório dentro das oficinas, se apresentando dentro e, às vezes, fora da unidade.
Recentemente, participaram da reinauguração da sede administrativa da FASE em Porto Alegre. Já a Banda Libertarte é mais fixa, temos alguns músicos profissionais além de mim e alguns egressos que também trabalham conosco.
IMJ: Como os meninos lidam com o fato de estarem participando ao seu lado nessa banda?
Dalmir: A figura de um juiz é uma figura de autoridade, de imposição de limites, inclusive no aspecto social e psicológico. Mas, ao mesmo tempo, também é uma figura de referência, então o fato de eu participar para eles pode ser um exemplo de que a justiça pode ter essa imagem de impor limites, mas também pode ser uma justiça mais próxima, mais humana e preocupada com a mudança na vida desses jovens. Foi sempre essa a questão que tentei salientar: a preocupação com as pessoas para que possam transformar suas vidas e sair da criminalidade.
IMJ: Qual a identidade musical da banda?
Dalmir: A banda tem um repertório que mescla o estilo do rock, do pop, do reggae, da MPB com o rap, que pra gente sempre foi uma voz da periferia muito forte.
Já dentro do CASE, o professor de música varia bastante, o repertório é mais aberto, com elementos do rock e do gospel. O nosso oficineiro da unidade é o baterista da banda, Raniel Leiria, que é um grande professor de música que leciona no CASE.
IMJ: Em quais plataformas de streaming podemos encontrar a banda Libertarte?
Dalmir: Praticamente em todas as plataformas de streaming, como Spotify, Dezzer, iTunes e YouTube. Já estamos trabalhando agora na terceira música autoral que se chama “Basta Acreditar”. Os egressos compõem e gente auxilia na composição, tanto na letra quanto na harmonia e melodia.